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Ruy Barbosa, o verbo em ação

Se Rui Barbosa fosse vivo e estivesse presente entre nós, qual seria sua reação face ao julgamento do mensalão ?

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Atualizado em 5 de setembro de 2022 10:48

Se Ruy Barbosa fosse vivo e estivesse presente entre nós, qual seria sua reação face ao julgamento do mensalão, que empolga e arrebata a expectativa do país inteiro? Ficaria congelado na atitude do tecnojurista, como mero expectador dos acontecimentos, sem nenhum envolvimento pessoal nesta hora em que o STF decide do destino da nação?

Ruy jamais agiu como frio expectador dos acontecimentos, retirado em seu gabinete, distante do cenário tormentoso no qual está em jogo a integridade moral, política e histórica da nação. Muito pelo contrário, mais do que simples participante, seu projeto sempre foi alçar-se em protagonista do drama de construção de nossa nacionalidade. Temperamento passional, incapaz de resistir aos reclamos da hora, ele sempre tomou partido, sempre esteve na trincheira, não a reboque e sim à frente das circunstâncias.

Nunca antes, nem depois, o Brasil conheceu um fenômeno de popularidade como Ruy Barbosa. Sem nenhum dos recursos modernos de publicidade, sem rádio nem televisão, Ruy era ouvido e conhecido pela nação inteira, de norte a sul. Onde aparecia, a pequena figura do lidador baiano eletrizava as multidões, sem distinção de classes nem de cultura, nem de partido. Explicar sua acústica nacional pelo poder oratório é pouco e insuficiente. Oradores dos mais eloqüentes sempre brilharam em nosso país.

A melhor explicação talvez seja a de caráter histórico. Finda a monarquia, escorraçado o imperador para fora, começou o domínio republicano. A monarquia, aos olhos do povo, desde o primeiro até o segundo reinado, foi personificada pela figura do próprio imperador. Seria preciso colocar-se alguém no vazio do imperador destronado. Afinal, proclamada a nova ordem de coisas, quem era a República, onde estava ela, quem respondia pelo novo regime? O Estado precisa de visibilidade para legitimar-se aos olhos da população. Pois essa figura tutelar foi Ruy Barbosa. Não um jurista, não apenas um ideólogo (como Benjamim Constant, por exemplo), não um orador tonitroante com seu verbo inflamado, e sim o verbo associado à ação instauradora. Este verbo em ação foi encarnado por Ruy Barbosa. O lugar vazio deixado pelo imperador foi preenchido pela figura de um homem que não era somente um republicano, mas a própria República, ou seja, o projeto republicano ocupando o território geográfico e institucional da pátria, abalada pelo choque da transição. Afinal, conforme a frase de Aristides Lobo, "o povo assistiu bestificado à proclamação da República".

O papel histórico de Ruy Barbosa foi corporificar a República, emprestando-lhe seu sangue e sua carne para que ela deixasse de ser uma fantasmagoria ideológica e se transformasse em realidade palpável. Ruy Barbosa, legítimo representante da classe média ascendente, o físico franzino, a cabeçorra enciclopédica, a vontade de ferro, e aquela eloquência vernacular, torrencial, inesgotável, exprimindo todo o titanismo republicano em tensão máxima. Onde estava Ruy, ali estava a República. Ele era a República, assim como o imperador era a Monarquia, em configuração nada retórica, mas cosubstancial à história da pátria.

Este condestável da República é Ruy de corpo inteiro. Homem da lei, mas que ao mesmo tempo tomava partido, empunhava bandeiras, assumia causas com bravura e denodo, tudo em nome da lei e do império da lei. Para ele a justiça era o eixo da democracia, "eixo não abstrato, não supositício, não meramente moral, mas de uma realidade profunda" (Oração aos Moços).

O grande idealista encerra esse monumento de maturidade e sabedoria que representa sua Oração aos Moços, com aquela conclusão surpreendente: "Idealismo? Não: experiência da vida."

Creio bem que por amor à justiça, o eixo da democracia, e nutrido na experiência da vida, Ruy estaria aplaudindo o voto dos magistrados independentes e intrépidos do Supremo. Dirigindo-se aos futuros juízes da Faculdade de Direito, proclama o ilustrado advogado das grandes causas:

"Nem receeis soberanias da terra: nem a do povo, nem a do poder. O povo é uma torrente, que rara vez se não deixa conter pelas ações magnânimas. A intrepidez do juiz, como a bravura do soldado, o arrebatam, e fascinam."

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista





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