Responsabilidade do embarcador
O MP tem movido ações civis públicas em face de embarcadores de carga em razão de excesso de peso nos eixos dos caminhões. A medida não encontra respaldo na matriz básica da responsabilidade civil.
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Atualizado em 24 de setembro de 2012 12:21
O Ministério Público Federal tem movido ações civis públicas em face de embarcadores de carga em razão de excesso de peso apurado nos eixos dos caminhões. As empresas defendem-se sustentando, entre outros argumentos, que (i) os embarques obedecem aos limites da regulamentação, mas, com a movimentação do caminhão, as cargas acomodam-se de maneira não homogênea, concentrando-se em algum dos eixos, e (ii) não há hoje consenso sobre mecanismo técnico eficiente de contenção dessa acomodação.
O Código Brasileiro de Trânsito prevê que o embarcador é responsável pela infração relativa ao transporte com excesso de peso nos eixos ou no peso bruto total quando, simultaneamente, for o único remetente da carga e o peso declarado na nota fiscal, fatura ou manifesto for inferior àquele aferido. Quanto ao peso total a questão é mais simples. Se houve embarque em excesso, a infração é claramente atribuível ao embarcador. No peso por eixo, porém, é necessário aprofundar a reflexão.
De início vale lembrar estudos como o relatório de junho de 2010 da Secretaria de Política Nacional de Transportes que aponta que, numa amostragem de cento e setenta e cinco multas aplicadas por excesso de peso por eixo, em nenhum dos casos o peso bruto total dos veículos superava os limites legais. Isso indica que os caminhões saíram dos estabelecimentos dos embarcadores atendendo a regulamentação. Logo, eventual sobrepreso nos eixos foi provocado por fato alheio ao embarque, não tendo relação com a conduta do embarcador. Sendo assim, não está presente um pressuposto básico para responsabilizá-lo: um ato ilícito.
Contra esse entendimento alguém dirá que o embarcador assume o risco do transporte e, de qualquer modo, deve ser responsabilizado. A afirmação talvez fizesse sentido se fosse tecnicamente viável evitar, no procedimento de embarque, a movimentação sobre os eixos da carga em trânsito. Contudo, na ausência de uma solução, não se pode dizer que o risco é do embarcador, porque ninguém assume álea que não pode controlar ou evitar. Sequer é razoável exigir que ele remeta quantidades menores, pois o resultado pode ser desastroso: com mais espaço para a carga se movimentar, maior será o deslocamento e o efeito inercial pode até desgovernar o caminhão. Soma-se a isso o custo da capacidade ociosa, que será refletido no frete.
Desse modo, medidas como as ações civis públicas referidas acima e outras com objetivo punitivo não encontram respaldo na matriz básica do conceito de responsabilidade civil. Falta a ocorrência de um fato imputável ao embarcador. Nesse contexto, responsabilizá-lo corresponde a um desvio de finalidade da punição. Esta, que deve ter um fundo pedagógico, torna-se ferramenta exclusivamente sancionatória, sem o condão de conduzir à resolução do problema. As multas passam, pois, a representar apenas mais um encargo da atividade do embarcador, que deverá ser acrescido aos preços dos produtos ao longo do tempo.
Evidente que o excesso de peso por eixo é uma preocupação. Contudo, antes de se iniciar uma "caça às bruxas", o mais racional seria a organização de um trabalho conjunto de todos os atores envolvidos (embarcador, transportador, Poder Público etc.) a fim de validar um mecanismo que mitigue os impactos do peso excedente ou revise as referências de cálculo desse peso.
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Kleber Luiz Zanchim é sócio do escritório Souza Araujo Butzer Zanchim Advogados
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