Por que os escritórios de advocacia dos EUA querem vir para o Brasil?
A abertura do mercado nacional a bancas estrangeiras é delicado e merece cautela.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Atualizado em 18 de setembro de 2012 16:14
A primeira delas, "Law firm profitability", trazia uma série de informações negativas a respeito do mercado jurídico norte-americano. Segundo a notícia, os escritórios de advocacia norte-americanos estavam se esforçando ao máximo para atrair negócios, enquanto suas despesas haviam aumentado em taxas elevadas nos últimos dois anos. Na mesma notícia, havia um dado da Hildebrant Institute's PMI - Peer Monitor Índex (produto da Thomson Reuters), que mede a variação trimestre sobre trimestre a respeito da rentabilidade dos escritórios de advocacia nos EUA, informando que o PMI do terceiro trimestre de 2011 havia atingido 56 pontos quando, segundo o relatório, 65 pontos representam um ambiente operacional saudável. A demanda branda e o rápido crescimento das despesas estão pressionando os escritórios de advocacia norte-americanos.
Em segundo momento, pude ler a migalha "O mercado jurídico brasileiro", que publicava editorial do Estadão voltado à análise da abertura do mercado jurídico nacional. Conforme o edital, as empresas estrangeiras alegam que os advogados brasileiros não estão preparados para atender às suas demandas, especialmente nos casos de contratos que envolvem questões muito específicas, do ponto de vista técnico e econômico. Além disso, a presidente da American Bar Association alega que a globalização unificou os mercados de bens e serviços e aprofundou o caráter transnacional dos negócios e, por isso, é preciso construir relações entre advogados em questões econômicas, na medida em que o mundo se torna mais plano.
Por último, o mesmo edital salientava que o interesse dos escritórios estrangeiros em atuar no Brasil decorre do alto número de fusões de empresas brasileiras (nos EUA, esse setor da economia teve sua demanda diminuída com a crise de 2008), dos investimentos do governo em gás e extração de petróleo na camada pré-sal e da chegada de empreiteiras multinacionais com o objetivo de participar das licitações para as obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.
Ou seja, o mercado jurídico norte-americano não vai nada bem e buscar novos mercados, inclusive o brasileiro, aquecido, não seria, confessemos, uma má idéia. Também não foi uma má idéia argumentar, para isso, que a globalização unificou os mercados de bens e serviços e aprofundou o caráter transnacional dos negócios. Nada mais bonito, digamos.
Acontece que dia 17/9, no site da Folha de S. Paulo, foi publicada a seguinte notícia: "Direito nos EUA atravessa uma das suas maiores crises". Segundo a notícia, a crise econômica iniciada em 2008 tem grande responsabilidade no desempenho negativo da advocacia norte-americana, que já sofria com o inflacionamento de bônus e salários de advogados após a fusão de grandes escritórios e com o achatamento do salário inicial para os novatos. Com isso, dos alunos formados em junho de 2011, apenas 55% acharam colocação até nove meses depois da formatura. Em 2010, 68% e, na década passada, cerca de 85% dos recém-formados conseguiam emprego na área.
Também segundo a mesma notícia, grandes empresas passaram a contar mais com seus próprios advogados ou a exigir valores cada vez menores ao recorrer aos escritórios no mercado, sob a política de corte de gastos. Não bastasse tudo isso, a pesquisa da Universidade Northwestern indica que 15 mil empregos nos maiores escritórios de advocacia desapareceram em quatro anos.
Nos EUA, conforme a Folha de S. Paulo, dois gigantes escritórios de advocacia faliram, um em 2011 e o outro em 2012. O número de funcionários em escritórios de advocacia tem declinado acentuadamente, o valor dos salários médios anuais também e, por fim, a possibilidade de encontrar emprego após a formatura é crescentemente mais difícil.
Com tudo isso em mãos, resta claro que o tema da abertura do mercado nacional a bancas estrangeiras é delicado e merece cautela nas decisões. É preciso lembrar que os Estados Unidos e a União Europeia também criaram barreiras para o ingresso de advogados estrangeiros. Portanto, deixar-se convencer unicamente pela alegação de que "a globalização unificou os mercados de bens e serviços e aprofundou o caráter transnacional dos negócios" seria, no mínimo, mera inocência, tendo em vista todas as peculiaridades negativas do atual mercado jurídico norte-americano em contrapartida com o aquecimento da economia brasileira. A OAB precisa estar atenta, pois há muitos interesses políticos e econômicos em jogo e o Brasil não deve deixar de se impor nesse cenário.
Ao que parece, não se pode descartar a hipótese de que os norte-americanos percebem, nesse momento, o Brasil como uma "tábua de salvação". Porém, é fundamental analisar as conseqüências do estabelecimento de escritórios estrangeiros no país, tendo em vista que possuímos mil e duzentas faculdades de Direito, que formam milhares de advogados todo ano, mesmo sendo poucas as que formam mão-de-obra devidamente especializada e de qualidade. Além disso, a economia brasileira, apesar de aquecida quando comparada à atual dos EUA e da União Européia, não cresce como deveria e, portanto, há riscos que devem ser observados. Por fim, se as empresas estrangeiras alegam que os advogados brasileiros não estão preparados para atender às suas demandas, especialmente nos casos de contratos que envolvem questões muito específicas, do ponto de vista técnico e econômico, talvez seja a hora de atentarmos, finalmente, para a necessidade de investimento na atualização das grades curriculares dos cursos de Direito no nosso país, já que a maioria delas está muito atrasada e não direciona os alunos para o futuro do Brasil.
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* Ivan de Souza Mercêdo Moreira é advogado do escritório Ivan Mercêdo Moreira Sociedade de Advogados