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Juristas Universales

Todo aquele que coloca a paixão no que realiza, por vontade própria, ou por vocação, ou por mero induzimento de orgulho pessoal, caso não o faça com moderação, arrisca perder o valor intrínseco do seu lavor e, a priori, ficar desiludido com o resultado e consigo mesmo, o que é lamentável.

terça-feira, 20 de setembro de 2005

Atualizado em 19 de setembro de 2005 08:25


Juristas Universales

Juristas Universales: Juristas antiguos

Volume I

Rafael Domingo (ed.)

Madri: Marcial Pons Ediciones Jurídica y Sociales, S.A

IBSN nº 84-9768-146-0

? 250,00


Terceira parte

Jayme Vita Roso*


Todo aquele que coloca a paixão no que realiza, por vontade própria, ou por vocação, ou por mero induzimento de orgulho pessoal, caso não o faça com moderação, arrisca perder o valor intrínseco do seu lavor e, a priori, ficar desiludido com o resultado e consigo mesmo, o que é lamentável.


Pois é, este escriba migalheiro já entregara o produto da síntese dos Juristas Antigos. Aí, sente que o trabalho resultaria mais eficiente para seus bondosos leitores se agregasse, ao rol dos que foram abordados, mais dois nomes de inquestionável valor científico, seja qual for a tendência ou o perfil cultural de cada leitor. Fazendo curto o caminho, a expressa referência é, na Antiguidade, Santo Agostinho (Aurelius Augustinus Hiponensis), e, na Idade Média, Santo Tomás de Aquino (Tommaso d'Aquino; Thomae de Aquino).


Cada um deles catalisou a época ou o período de sua peregrinação neste mundo e projetou seu pensamento pelos séculos, tornando-se ambos imorredouros para as gerações que se lhes seguiram.


I - SANTO AGOSTINHO


Viveu entre 354-430 d.C., segundo Antonio Truyol Serra, que escreveu o verbete. De origem norte-africana, desde muito jovem despontou como um intelectual privilegiado, embora, vivendo num ambiente frívolo, não se apartasse dos folguedos exagerados do gozo da vida. Insatisfeito com seu primeiro contato com a Bíblia, nas suas buscas religiosas, parte para Roma, antes de aderir à seita dos maniqueus1.Obtendo, em 386 (ou seja, com apenas 32 anos), uma cátedra em Milão, conhece Santo Ambrósio, que é figura ainda venerada nessa cidade italiana e supera o materialismo e se converte. A partir dessa conversão, dedicará sua vida e seus riquíssimos dotes intelectuais em defesa de sua fé, contra o paganismo e contra as heresias. Ordena-se sacerdote (391) e, pouco tempo depois (395), é escolhido para ser bispo em Hipona (395), onde morreu em 28 de agosto de 430, quando a cidade estava sitiada pelos vândalos2.


Agostinho traçou, indelevelmente, seu iter spiritualis nas Confissões (é um livreto, de formato de bolso, que se adquire em qualquer livraria). Nas Confissões, Agostinho explica, como diz Truyol, "a intensidade humana de seu pensamento e, ao mesmo tempo, o radicalismo de algumas de suas formas, surgidas no calor de uma constante polêmica com as principais heresias do seu tempo". É-lhe atribuída e conferida a primeira grande síntese da filosofia grega (em suas vertentes platônica e neoplatônica) e o cristianismo (não é por menos que os anglicanos o cultivam, mantendo em Londres uma igreja em sua homenagem, que é um centro cultural digno de nota voltado aos jovens e aos seus movimentos, e que permanece aberta vinte e quatro horas por dia, estando localizada em 117 Queen's Gate, South Kensington: https://www.st-augustine-london.com.


O autor do verbete não foi parco em encômios à contribuição de Agostinho à renovação do pensamento filosófico, com suas formulações relevantes ao Direito Natural e sua projeção no campo do direito positivo.


Em que aos advogados interessariam suas elucubrações?


Em muito, como resumo, resumindo:


a) "Santo Agostinho professa um pessimismo antropológico, que o conduz a acentuar os efeitos do pecado original, no sentido da corrupção da natureza mesma. Daí, ele sublinha a necessidade de sua estreita subsunção na lei divina revelada e também acentua o papel coercitivo e repressivo do Direito humano na vida concreta da sociedade", concluindo que "porquanto existe, na filosofia social e política do bispo de Hipona uma interferência entre a consideração filosófico-social e a consideração teológico-histórica das sociedades humanas".


b) Acrescenta: "Deve-se a Santo Agostinho a elaboração do duplo conceito de justiça: se a 'verdadeira' justiça só se dá no cristianismo, há uma justiça menos plena, a justiça natural, que assegura um mínimo de moralidade; faltando esta, a cidade ou a república não se distingue de uma quadrilha de malfeitores".

Acrescenta o escriba migalheiro que a imagem, criada por Santo Agostinho, de que a república se realiza somente se for uma república cristã, leva à conclusão de que ela só pode se realizar plenamente se for governada por um político cristão. Essa imagem, criada na celebérrima obra Da Cidade de Deus (De Civitate Dei), inspirou, posteriormente, inúmeros governantes, a maioria príncipes, embora fosse apologética da república e, dentre eles, o não menos consagrado Carlos Magno, que se sentia amparado pelas palavras de Agostinho, que o assemelhavam à imagem do perfeito governante cristão.


c) Agostinho construiu ou foi o inspirador da teoria da guerra justa, que influenciou toda a doutrina cristã posterior; construiu, ainda, uma elaborada teoria do direito de propriedade e uma doutrina sobre o matrimônio, do qual destaca como seus valores, afora a perpetuação da espécie, a união espiritual, a fidelidade e a ajuda mútua dos esposos, como tenazmente se opôs à imposição da fé por meios coativos, confiando na virtude da palavra e na persuasão.


Agostinho, ao final de sua peregrinação, sustentou, fundadamente, que o destino do cristianismo não se vinculava ao predomínio do poder romano, como ficou comprovado, pois nenhum governo ou sistema de governo é eterno, pois a queda de Roma, que crescera antes graças aos seus dotes e virtudes, se devia a seus vícios. E assim também ocorrerá, nos dias presentes, no dizer de Truyol, "a ordem providencial obedece também a subida e a queda dos titulares concretos do poder em cada circunstância histórica".


II - SANTO TOMÁS DE AQUINO


Italiano, teria nascido entre 1224/1225, em uma pequena localidade perto de Nápoles, e falecido em 1274, segundo Enrique Alarcón, que o debuxa. Sua vida religiosa, exclusivamente religiosa, não traz aquele sabor de aventura como a de Agostinho, mas dela ressalta também a precocidade, pois, com vinte e sete anos assume uma cátedra em Paris, além de ter escrito obras decisivas para o pensamento filosófico ocidental, destacando-se a Suma Teológica (Summa theologiae). Faleceu, precocemente, com quarenta e nove anos de idade.


Alarcón esboça e cuida com verdadeiro espírito de síntese a preponderante contribuição de Tomás de Aquino para a ciência jurídica. Este escriba procurará focar os trechos que lhe parecem mais relevantes, dos quais:


a) "As contribuições mais relevantes de Santo Tomás à ciência jurídica estribam-se em sua doutrina sobre a lei e a justiça, cujo principal tratamento sistemático se encontra na Suma Teológica ... seus fundamentos se fazem progressivamente patentes ao aprofundar na filosofia política, na ética, na antropologia e na metafísica tomista";


b) "A lei é contemplada por Tomás de Aquino como regra de atuação, mais que um mandato: por isso a atribui primariamente à razão, ainda que movida pela vontade do legislador. Toda ação, para ser racional, deve ordenar-se a um fim desejável. Posto que a lei rege a ação de toda a sociedade, o bem perseguido há de ser o fim próprio da comunidade: o bem comum";


c) "Uma lei só admite um certo grau de discricionariedade e de contingência. Com efeito, se elege e se atua porque se necessite obter um bem ou conservá-lo. Portanto, o bem é a causa dessa eleição";


d) E, concluindo, Alarcón: "A lei, assim, pode considerar-se como um desígnio para a justiça dos atos humanos. Ao contrário, resulta óbvio do exposto que uma ação é tanto menos suscetível de ser regulada pela lei quanto menos afetem seus resultados a outros (por exemplo, convicções íntimas), maior seja a desigualdade entre os agentes (assim, pais e filhos), ou menos racional seja em sua atuação (a do louco, por exemplo)". (3)

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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS


1
O substantivo maniqueu gera a doutrina do maniqueísmo, do seu fundador Mani, que foi justiçado na Pérsia, no ano de 276 d.C.. É a combinação do velho dualismo persa com elementos gnósticos e cristãos, que explicam ao mundo dois princípios; um bom, o da luz; e outro mau, o das trevas, da matéria. Deles brotam emanações boas e más e, ao fim, são misturadas as duas. No homem habitam uma alma luminosa e uma alma corpórea, procedente do mal, e lutam entre si. Negam-se o pecado e a culpa como livre e responsável ou a geração da alma, posto que a matéria e o mal são equivalentes às três classes de adeptos do maniqueísmo, que prometiam abster-se de comer carne da propriedade e do trabalho lucrativo corporal. Já em vida de Mani, sua doutrina se difundiu pela Índia e pela China e suas repercussões no ocidente cristão chegaram à Idade Média (cátaros). Santo Agostinho permaneceu um tempo como maniqueísta, antes de sua conversão ao cristianismo. Maniqueísmo. BRUGGER, Walter, S.J.. In DICCIONARIO de Filosofia. 9ª ed.. Tradução de José María Vélez Cantarell. Barcelona: Erder, 1978. p. 324.

2 Substantivo que diz respeito aos povos bárbaros que deram nome à Andaluzia e se estabeleceram no norte da África; figuradamente, significa bárbaro, selvagem, que não tem cultura; que comete atos funestos às artes, à ciência e à civilização. Vândalo. AULETE, Caldas. In DICIONÁRIO Contemporâneo da Língua Portuguesa, 5ª ed., vol. V. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1964. p. 4.164.

3 Ob. cit., p. 468.

P.S.: Parece incrível, caros migalheiros, que, encerrado o artigo, já digitado e corrigido, eu me lembre de ter lido, em 1949, um livro que tem o nome de "Do Governo dos Príncipes ao Rei de Cipro e Do Governo dos Judeus à Duquesa de Brabante"4, escrito por São Tomás de Aquino e traduzido e anotado pelo professor Arlindo Veiga dos Santos, editado a primeira vez em 1937 e, em 1946, reeditado. Ambas as edições foram prefaciadas pelo saudoso professor Leonardo van Acker.

Que tem a ver com o artigo e, sobretudo, com Tomás de Aquino?

Antes de mais nada, quem foi Arlindo Veiga dos Santos?

Tive a honra de ser seu aluno por dois anos no antigo Colégio Anglo Latino, quando ainda estava localizado na confluência da rua da Glória com a rua São Joaquim. Era um colégio da classe média, sem cursinho, e os alunos da área humana ingressavam, na maioria absoluta, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo logo no primeiro exame. É o caso desse modesto escriba.

Arlindo era negro. Sabia impor de tal forma a sua personalidade, que mesclava autoridade com extremada educação, que sempre o elegemos como o grande professor, o professor amigo, o professor de cultura acima da normal. Carinhosamente, era o professor "Dantop": negro de alma branca.
Formado em Filosofia pela Faculdade São Bento, entre 1921 e 1923, iniciava sua carreira profícua de escritor, escrevendo "Os filhos da cabana", juntamente com "Amar... e amar depois", que recebeu menção honrosa da Academia Brasileira de Letras, em 1923.

Monarquista convicto, foi o fundador do movimento "Pátria nova", que pregava uma monarquia adequada à realidade brasileira contemporânea. Aos domingos, em um pequeno escritório localizado na Praça Clóvis Bevilacqua, reunia alguns amigos e correligionários e, candidamente, analisávamos e discutíamos as grandes mazelas que a república, que nós chamávamos de res publica, havia ocasionado ao país. Todos nós, seus simpatizantes, nos deleitávamos com o vigor daquele homem, da sua extrema franqueza e convicção religiosa, realçando que, não se casara por não ter encontrado a mulher dos seus sonhos e, por isso, mantinha-se casto, por fervor religioso.

O grande pensador francês Jean Guitton, membro da Academia Francesa, poucos anos atrás, ainda vivo, em idade avançada, encontrou-se com Jean- Jacques Antier e, de um frutuoso diálogo, resultou um livro memorável: "Le livre de la sagesse et dês vertus retrouvées"5. Precedendo o diálogo, Guitton, também religioso, colocou algumas reflexões sobre a castidade e, nas palavras constantes no diálogo que se lhe segue, ardorosamente defende esse estado de tal forma que é muito difícil deixar de ficar encantado com seus argumentos, sobretudo para quem tem e segue uma linha religiosa.

Pois bem. Arlindo era um escritor que, entre o mencionado biênio (21/23) e 1946, escreveu dezoito livros e, nesse ano da graça de Deus, tinha já prontos e preparados para publicar outras obras interessantíssimas, o que chegou a fazer, posteriormente: "Alma de negro", "História de um amor fingido", "Contos da terra ingrata", "Palavra nova", "Versário de amor" etc..

Dominando a língua latina, fez primorosa tradução daquelas obras importantes de Tomás de Aquino.

Como este migalheiro, Arlindo Veiga dos Santos tinha um amor incandescente pelo seu país. Na orelha do livro, alguém escreveu palavras que, quase sessenta anos depois, mantêm-se de uma atualidade espantosa, frente à miséria da política brasileira:

"O Mundo inteiro e principalmente nossa Pátria - o Brasil - atravessa neste momento uma das crises mais aterradoras, no campo das idéias políticas e suas aplicações. Oportuno nos parece pois, o aparecimento em língua portuguesa da presente obra.

...

Há nestas páginas uma candente atualidade. Até os calejados políticos de outras terras e ideologias, sempre teriam de, neste livro, encontrar a suprema novidade de tudo o que realiza objetivamente o humano e o social. Esta mensagem racional e razoável que neste livro se encerra, nós a endereçamos não só à Assembléia Nacional, aos Deputados do Povo Brasileiro, mas ainda a este mesmo Povo, sincero e bom, capaz de tanta paciência e de tantas outras virtudes, mas que inúmeras vezes tem sido traído em suas esperanças e que precisa, de uma vez, aprender a querer e o que querer! Embora a porcentagem dos que não possuem ainda a consolação de poder ler e descerrar das letras o mistério do pensar, seja grande entre nossos patrícios - e com que tristeza o confessamos - que este livro atinja a todos os alfabetizados e que possa em breve ser lido por muito maior número, são nossos desejos. A pequena hermenêutica necessária à intelecção do trabalho não estará longe dos indivíduos de boa vontade, pensamos. Isto para o povo em geral. Quanto aos homens políticos - que este seja a sua Bíblia e nós então realizaríamos o - 'timeo hominem unius libri'!".

Como também são atuais as palavras do professor Leonardo van Acker, como passo a reproduzi-las, que foram colocadas para os dois prefácios:

"Fiquemos gratos, pois, ao ilustríssimo sr. Arlindo Veiga dos Santos, que traduziu para o vernáculo os dois preciosos opúsculos políticos do doutor universal. Bacharel em filosofia pela Faculdade de São Bento (São Paulo), o tradutor não só possui os instrumentos da tradução mas também o assunto traduzido. Há anos que se dedica ao estudo da política tomista, não por mera curiosidade intelectual, senão por esposar plenamente as idéias do insigne Doutor em matéria de regime político. E quem ousará dizer que tais idéias sejam infundadas ou pelo menos utópicas, à vista das reviravoltas da história? Quem poderá profetizar o futuro político do Brasil? O certo é - e disso dou fé - que o ideal monárquico do ilustre tradutor não foi um parto da ambição política, senão que o fruto do mais humilde e entranhado amor a uma pátria nova mas sempre brasileira.

...

Mas, perguntará um leitor, não haverá remédio à situação ou meio de prevenir nova corrupção tirânica das democracias recentes? Creio que o único remédio ou meio está numa política enérgica e implacavelmente honesta. A língua inglesa exprime-o proverbialmente: 'Honesty is the best policy'. S. Tomás de Aquino não se cansa de ensinar que a honestidade e só ela pode ser o fim do Estado. Pois, se o fim último da sociedade política fosse biológico, até os animais irracionais deveriam ser cidadãos e bastaria um médico para dirigir a todos. Se o fim do Estado fosse ganhar dinheiro, seria preciso reservá-lo aos negociantes, dirigidos por em ecônomo. Se fosse a ciência, deveria limitar-se aos sábios, regidos por um doutor. Resta, pois, que o Estado, congregando homens de toda classe e profissão, só se explica por um fim último humano, capaz de unificar a todos: a virtude! (Gov. Prínc. 1. I, cap. 14). Quando é que, finalmente, os homens e principalmente os governantes se hão de compenetrar desta simples lição de bom senso?!" (p. 9-10).

Das obras de Tomás de Aquino, ressalto que a primeira foi escrita para o rei de Chipre e a segunda para a Duquesa de Brabante6.
No primeiro livro, ressalta que o homem é social e político e o governo é sempre necessário, sendo que o mau governo é aquele que é tirano, oligárquico e democrático no mau sentido que hoje entendemos; o fim do governo deve ser a paz, a união faz a força na administração do país e o governo de muitos leva mais amiúde à discórdia; o homem deseja naturalmente a felicidade, a estabilidade do governo depende de como o país é governado, tendo Tomás de Aquino recordado episódios da Roma antiga, sobretudo na época de Júlio César; dizia também antes ser rei do que tirano e a noção de governo é conduzir o homem a um fim que passa a ser o fim da sociedade humana, por isso a virtude deve ser imperativa na condução do reinado.

Do livro segundo, Tomás de Aquino exuberantemente dá noções que hoje deveriam ser parâmetros da administração pública, tais como os requisitos de fundação de uma cidade, as vantagens de escolha de um lugar correto e adequado para os habitantes terem saúde e vida longa; incrivelmente defende que os habitantes têm necessidade de um clima salutar e de produtos alimentícios saudáveis, sendo certo que, antecedendo séculos aos graves problemas atuais, cuida da salubridade da água e de como deve ser cuidada. São tão atuais as idéias de Tomás de Aquino, escritas no século XII, que não podem deixar de ser reproduzidas e que, se tivessem vergonha os dirigentes deste país, seguiriam as lições do aquinate:

"Salubridade da água. Tal como ar temperado, há-de-se ainda exigir água saudável. Pois que depende maximamente, a saúde dos corpos, daquilo que mais de freqüente se ingere. Quanto ao ar, está claro que, cotidianamente aspirando-o, o introduzimos às nossas partes vitais, pelo que contribui principalmente a sua salubridade para o bom estado dos corpos. Assim também, uma vez que, entre as coisas absorvidas para nutrimento, é a água aquela de que as mais vezes usamos tanto ao bebermos como ao comermos, nada há aí, afora a pureza do ar, mais relevante para a sanidade de um lugar que a salubridade das águas.

Indícios da salubridade da região. Há, ainda, outro indício, do qual se possa ajuizar da salubridade do local, qual seja a boa cor dos rostos dos nativos, a robustez e boa proporção dos corpos, a grande quantidade e vivacidade das crianças, a abundância de gente idosa. E se, pelo contrário, têm os nativos feia aparência, corpos débeis, membros esgotados ou mórbidos, se poucas e doentias, as crianças e ainda mais poucos os velhos, é por-sem-dúvida mortífera a localidade". (p. 118-119).

Para encerrar, Tomás de Aquino, no segundo livro, cuida de um tema também de grande atualidade quando questiona "se é lícita a venda de emprego público". E, valendo-se inclusive do Antigo Testamento, nos seus primórdios, conclui:

"Não parece, aliás, conveniente tal venda. Primeiro, porque sucede freqüentemente serem pobres para poder arrematá-los aqueles que mais idôneos seriam para exercer tais ofícios; e, ainda, se são ricos os melhores, não ambicionam ofícios tais, nem anseiam por adquirir os lucros do emprego. Segue-se, portanto, que em vosso país tomam os ofícios os que são peores, ambiciosos e amantes do dinheiro, sendo também provável que oprimam os vossos súbditos e, mais, não procurem fielmente os interesses vossos. Donde parece seja mais conveniente escolherdes, para ocuparem os vossos empregos, homens bons e idôneos, aos quais compilais, se necessário for, a contragosto deles; porque, pela bondade e indústria dos mesmos, mais bens avultam, para vós e vossos súbditos, do que os possais grangear pela sobredita venda. E este conselho, deu-o a Moisés, o seu parente (sogro): 'Escolhe, disse, de todo o povo, varões sábios e tementes a Deus, nos quais haja a caridade e que odeiem a avareza; e estabelece deles tribunos, centuriões, qüinquagenários e decanos que julguem o povo em todo tempo'". (p. 148).

Bom, caros migalheiros, o fato de ter acrescentado este post scriptum, em que rememoro figuras inolvidáveis de nossa inteligentzia, pode levar à reflexão de como se deve participar politicamente e não se deixar abater diante do que ocorria há séculos, como diz Tomás de Aquino, bem como disse Arlindo na orelha do livro e, ainda, Van Acker nos prefácios. Há esperança, sim, mas na sociedade virtual, em participação, sobretudo dos jovens advogados, para reforma dos costumes, que será decisiva.

4 AQUINO, Sto. Tomás. Do Governo dos Príncipes ao Rei de Cipro e Do Governo dos Judeus à Duquesa de Brabante. Trad. e anot. de Arlindo Veiga dos Santos. São Paulo: Editora Anchieta, 1946. 277 p.

5 GUITTON, Jean. ANTIER, Jean-Jacques. Lê livre de la sagesse et des vertus retrouvées. Paris: Le Grand Livre du Mois, 1998. 289 p.

6 Brabante era o nome de uma província no nordeste da Bélgica e, também, de uma província da Holanda. Na Idade Média era um poderoso ducado e seu território compreendia essas duas áreas e a região da atual Antuérpia.

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* Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos









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