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O controle da Suprema Corte por Bush

A indicação do Juiz John G. Roberts Jr. para a presidência da Suprema Corte dos Estados Unidos foi uma escolha estratégica do Presidente George W. Bush e, se aprovada pelo Senado, poderá colocar em risco boa parte dos direitos individuais conquistados pela sociedade norte-americana nos últimos cinqüenta anos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2005

Atualizado em 16 de setembro de 2005 07:43


O controle da Suprema Corte por Bush


Gustavo Binenbojm*

                       

A indicação do Juiz John G. Roberts Jr. para a presidência da Suprema Corte dos Estados Unidos foi uma escolha estratégica do Presidente George W. Bush e, se aprovada pelo Senado, poderá colocar em risco boa parte dos direitos individuais conquistados pela sociedade norte-americana nos últimos cinqüenta anos.

 

Qualquer nova nomeação para a Corte é sempre um fato político, cercado de ampla cobertura da imprensa e acalorados debates nos mais diversos setores da opinião pública. O que há de especial no momento atual, entretanto, é a abertura quase que simultânea de duas vagas no Tribunal: uma, decorrente da morte do ex-presidente, Juiz William Renquist; e a outra, surgida com a aposentadoria da Juíza Sandra O`Connor, que após vinte e quatro anos no Tribunal, celebrizou-se por seus votos decisivos em julgamentos importantes. Após o falecimento de Renquist, O'Connor aceitou adiar sua aposentadoria até que o novo Chief Justice (presidente) seja empossado, o que, de toda forma, não impedirá a nomeação de um outro Juiz para a Corte ainda por George W. Bush.

 

Os perfis de Renquist e O'Connor eram distintos. Enquanto Renquist exerceu sua profissão de fé republicana de maneira rígida e constante, O'Connor combinava posturas conservadoras e progressistas, sem sempre de forma previsível. Nada obstante isso, seus votos de minerva foram fundamentais para a preservação de direitos de minorias, como as mulheres (aborto), os homossexuais (proibição da criminalização de práticas homossexuais) e os afrodescendentes (ações afirmativas). Em um tribunal normalmente dividido ao meio em casos difíceis, a nomeação de Roberts para a presidência - e de outro Juiz conservador para a vaga de O'Connor - é o pulo do gato de Bush para formar uma estável maioria e dar à Corte um perfil marcadamente republicano.

 

Formado pela prestigiosa Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, John Roberts foi assistente de William Renquist, trabalhou para os governos de Reagan e Bush-pai ocupando cargos políticos e trilhou uma vitoriosa carreira como advogado no escritório Hogan & Hartson. Há apenas dois anos, Roberts foi indicado pelo Presidente Bush para o cargo de Juiz da Corte Federal de Apelações de Washington DC, considerado o mais influente tribunal do Judiciário norte-americano, logo abaixo da Suprema Corte. Na verdade, Roberts fora indicado para o mesmo cargo por Bush-pai, ainda no início da década de noventa, mas o Senado à época deixou de apreciar a sua indicação no prazo devido, por considerá-lo um extremado conservador. 

 

Como membro da Associação Nacional dos Advogados Republicanos, Roberts exibe um perfil ideológico afinado com o do Presidente Bush. Embora nem sempre a história confirme as previsões dos especialistas, acredita-se que Roberts se juntará a Juízes conservadores da Suprema Corte, como Antonin Scalia e Clarence Thomas, fortalecendo o movimento de restrição aos avanços da chamada Revolução dos Direitos Civis. No caso do aborto, por exemplo, embora seja pouco provável que o célebre caso Roe v. Wade venha a ser reformado, a tendência é que, com o apoio de Roberts, a Corte passe a admitir a constitucionalidade de leis cada vez mais restritivas ao direito da mulher à interrupção da gravidez indesejada. Em relação a matérias como direitos trabalhistas e proteção ao meio ambiente, Roberts já deu sinais de que tenderá a interpretá-los sempre de forma a não onerar excessivamente as grandes corporações.

 

O que mais preocupa, todavia, é a postura que a Corte passará a adotar em relação aos direitos individuais vis-à-vis dos poderes já extremamente amplos do aparelho do Estado. A chamada "Lei Patriótica" já permite que cidadãos sejam mantidos em prisões sem acusações formais, sem direito a processo ou a um advogado. Buscas e apreensões já são feitas sem ordem judicial e sem observância do devido processo legal. E o governo ainda quer mais. Ninguém imagine que Roberts vá atravessar o caminho do Presidente Bush. Por isso ele foi escolhido.

 

Especula-se que o próximo nome a ser indicado por Bush seja o de um hispânico conservador, como o seu atual attorney general, Alberto Gonzalez. A estratégia republicana de conquistar os negros (tradicionalmente identificados com a plataforma democrata) poderá ser repetida com a população hispânica, mediante escolha de representantes do grupo étnico, ligados ao Partido Republicano, para cargos públicos de destaque na política americana. Essa foi a estratégia que orientou a nomeação de Clarence Thomas para a Suprema Corte (um afrodescendente ultraconservador) e que pode vir a se repetir com um hispânico.

 

Ao longo de seus mais de duzentos anos de existência, a Suprema Corte dos Estados Unidos se tornou uma espécie de caixa de ressonância da consciência jurídica universal. A autoridade moral e intelectual de suas decisões exerceu um relevantíssimo papel civilizatório pelo Mundo afora, moldando a cultura política e jurídica dos povos e servindo à promoção da dignidade do homem. Eu mesmo, como jurista e professor, tive minha formação profundamente marcada pela mítica influência da mais célebre Corte de Justiça da história da humanidade. Que a onda obscurantista, agora consubstanciada na indicação de John Roberts, não seja longa e forte o bastante para transformar o trabalho da Suprema Corte norte-americana em apenas história.


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*Advogado do escritório
Binenbojm, Gama & Carvalho Britto - Advocacia







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