Código Florestal ameaça de extinção os médios agricultores
A nova lei reduziu a capacidade de produção desses agricultores ao ponto de os tornar menores do que os pequenos agricultores, e manteve as mesmas exigências da legislação ambiental previstas para os grandes produtores.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Atualizado em 3 de julho de 2012 16:06
Os médios produtores rurais estão ameaçados de extinção pelo novo Código Florestal, a lei 12.651 de 25 de maio de 2012. Ela reduziu a capacidade de produção desses agricultores a tal ponto que os tornou menores do que os pequenos agricultores em boa parte do Brasil, com as mesmas exigências da legislação ambiental previstas para os grandes produtores. Mantida a situação ocorrerá uma antirreforma agrária, com a absorção progressiva centenas de milhares de médios agricultores pelos grandes ou pela falência, com impactos sociais e econômicos negativos na produção de leite, carne, etanol, algodão, grãos e oleaginosas. A MP 571/2012 será um tiro de misericórdia ou de salvação para os médios produtores rurais? O interesse do Brasil está em jogo.
Como encontrar essa espécie rara, o médio produtor? Pelo Módulo Fiscal (MF). Essa unidade de medida, expressa em hectares, é fixada pelo INCRA para cada município do país. Ele serve de parâmetro para a classificação fundiária do imóvel rural quanto a sua dimensão. De acordo com art. 4º da lei 8.629/93, são consideradas médias propriedades, os imóveis rurais de área compreendida entre 4 e 15 MFs. Abaixo estão as pequenas e acima as grandes propriedades. Essa divisão é a base de políticas públicas em assentamentos, crédito agrícola, seguro rural etc.
Quantos espécimes de médios produtores rurais existem na natureza? Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, eles eram aproximadamente 307.000 imóveis ou 6% do total dos estabelecimentos agrícolas; representavam 17% da área ocupada pela agropecuária nacional e produziam anualmente cerca de 21 bilhões de reais ou 14% do valor da produção agrícola do Brasil. Além disso, mantinham preservados em seus imóveis mais de 6 milhões de hectares de florestas (Figura 1)
Quem são os médios produtores? Boa parte deles integra lavoura e pecuária. São grandes produtores de leite, carne, algodão, café, hortaliças, cana-de-açúcar (fornecedores), cereais e oleaginosas, principalmente nas regiões Sul, Centro Oeste e Sudeste. Ao contrário de parte dos pequenos agricultores em que o autoconsumo absorve parte significativa da produção, os médios são competitivos, estão integrados ao mercado e abastecem as cidades e diversas cadeias de exportação.
A perda de habitat ou por que os médios ficaram pequenos? O novo Código Florestal, na prática, isentou os pequenos agricultores da exigência da Reserva Legal. Em seu artigo 67 ele determina que nos imóveis rurais com "área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo." Além disso, seus cultivos perenes de fruteiras, por exemplo, podem ser computados como parte da reserva legal. Como a exigência da reserva legal é plena para os médios produtores, eles podem ficar com menos área para uso agrícola do que os pequenos. Um médio produtor que tenha 4,5 ou 5 módulos fiscais, ao ter que manter de 20 a 80% de sua propriedade em reserva legal, conforme o bioma, fica com uma área disponível bem menor do que um pequeno agricultor.
O que restará da média propriedade rural? Bem pouco. Virtualmente, no Acre, Rondônia, Pará, Amapá, Roraima, na parte amazônica do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, a área disponível para 57.000 médios produtores rurais, com 5 MFs, utilizarem é da ordem de um quarto do disponível para os pequenos agricultores! Nos outros estados do Brasil, sua área também ficou menor ou igual à dos pequenos agricultores, e pode inviabilizar suas atividades em muitos casos. Mas de 184.000 médios produtores, que dispõe de até 10 MFs e representam cerca de 4% dos estabelecimentos agrícolas e mais de 9% da área da agropecuária nacional também serão vitimados. Eles ficaram virtualmente com áreas menores que os pequenos agricultores em toda a Amazônia e também em parte do Brasil, dependendo do seu tamanho e do bioma.
A Medida Provisória 571: golpe final ou salvação? A MP 571, ao dar nova redação ao artigo 61 da Lei no. 12.651, quebrou vários paradigmas pela exigência retroativa de recomposição de faixas marginais não mais em função da largura dos rios, mas do tamanho a propriedade. Acertou ao diferenciar a situação dos pequenos agricultores. Mas esqueceu-se das exigências de Reserva Legal que pairam plenamente sobre os médios produtores. As exigências adicionais de recomposição retroativa de APPs fulminarão os médios que agora, em boa parte, já ficaram menores ou iguais aos pequenos. Por questão de justiça é fundamental aperfeiçoar a MP 571 para que, como nos pequenos, aos médios sejam exigidas: as mesmas faixas de composição; o mesmo gatilho de 20% da área do imóvel e a possibilidade de recompor com espécies lenhosas, ou de ciclo longo exóticas, passíveis de exploração econômica (Figuras 1 e 2).
Ao contrário do que tem sido propalado, a MP 571 não alcança, nem beneficia mais de 90% dos agricultores. Segundo o IBGE, os pequenos representam 86% dos estabelecimentos agrícolas. Se os congressistas contemplarem na MP 571 a dramática situação dos médios produtores aí sim se poderá chegar a 87% (5MFs), a 91% (10 MFs) e até mesmo a 92% (15MFs) dos produtores rurais (Figura 1). Todos anões um dia foram pequenos, diz um ditado. No Brasil rural, eles ficaram minúsculos e podem desaparecer.
Fig. 1 - Estimativa por tamanhos de estabelecimentos por número de módulos fiscais (IBGE 2006)
Fig. 2 - Estimativas da redução de área dos médios produtores (5 e 10 MFs) atendendo a exigência da reserva legal em cada Estado comparados aos pequenos agricultores
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* Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa
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