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No âmbito das companhias, é mister a contabilização dos dividendos obrigatórios no balanço patrimonial?

Pedro Pontual

Enquanto não houver declaração pela assembleia geral ordinária, não há obrigação da companhia de pagar os dividendos aos acionistas inscritos.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Atualizado em 28 de junho de 2012 09:38

Balanço patrimonial é mecanismo de apuração dos valores ativos e passivos que compõem um patrimônio em dado momento.

Dentre os variados tipos ou fins de balanço patrimonial é possível citar o balanço intercalar - para distribuição de dividendos intercalares (artigo 202 da lei 6.404) -, o balanço para exercício do direito de recesso (artigo 45 da lei 6.404), o balanço de liquidação (artigo 210 da lei 6.404), o balanço para incorporação (exigido pela legislação fiscal) e o balanço do exercício social encerrado (artigo 176 da lei 6.404).

É sobre esse último que vou me debruçar mais detidamente, pela pertinência com o assunto em tela.

Tal como previsto no artigo 176 da lei 6.404, ao fim de cada exercício social, a administração fará elaborar as demonstrações financeiras.

O balanço é um dos documentos integrantes das demonstrações financeiras, que abrangem também a demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, a demonstração do resultado do exercício, a demonstração do fluxo de caixa e, se aberta a companhia, o valor adicionado.

Nas demonstrações financeiras, a administração deve contemplar a destinação dos lucros do exercício findo, procedendo aos registros contábeis daí decorrentes.

Ocorre que essa destinação é, por força de lei, mera proposta dirigida pela administração à assembleia geral (nos termos do artigo 176, §3º, cumulado com o artigo 192, ambos da lei 6.404), inoperante para obrigar, por si só, a companhia ao pagamento daqueles dividendos propostos.

Nesse sentido, reza a lei 6.404:

"Art. 192. Juntamente com as demonstrações financeiras do exercício, os órgãos da administração da companhia apresentarão à assembleia geral ordinária, observado o disposto nos artigos 193 a 203 e no estatuto, proposta sobre a destinação a ser dada ao lucro líquido do exercício". (grifei)

"Art. 176. ...

§3º As demonstrações financeiras registrarão a destinação dos lucros segundo a proposta dos órgãos da administração, no pressuposto de sua aprovação pela Assembleia Geral". (grifei)

Tal destinação, mesmo por amor à primazia da essência sobre a forma, deve ser registrada nas demonstrações financeiras de modo a deixar clara sua natureza de mera proposta, para não induzir em erro o leitor.

É a assembleia geral o órgão ao qual a lei 6.404 confere o poder de obrigar a companhia ao pagamento dos dividendos (excetuados os casos de dividendos intercalares e intermediários, mas esse é tema para uma outra discussão).

Nesse sentido, determina a lei 6.404:

"Art. 205. A companhia pagará o dividendo de ações nominativas à pessoa que na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação".

Assim, ao determinar que os dividendos serão pagos a quem estiver inscrito como acionista na data da declaração, o legislador indica que somente a assembleia geral terá o poder de obrigar a companhia ao pagamento de dividendos.

Essa é também a opinião de Modesto Carvalhosa1:

"Momento da Constituição do Crédito e Prazo de Pagamento. O dividendo constitui exigibilidade irrevogável a partir de sua declaração pela Assembleia Geral. Esse ato coloca o acionista na posição de credor da companhia, antes de qualquer outra formalidade, inclusive de arquivamento ou publicação da ata".

A obrigação de pagar, regra geral do Direito Privado, nasce juntamente com o crédito. Na verdade, são as duas faces de uma mesma e única moeda. Então, se o crédito somente existirá com a declaração dos dividendos, a obrigação de pagá-los, pela mesma razão, somente então existirá.

Nesse mesmo sentido, ensina o mestre Nelson Eizirik2:

"Assim, o direito ao dividendo apresenta as seguintes características essenciais: é direito subjetivo, individual, de conteúdo econômico e irrenunciável do acionista, que se converte em direito de crédito contra a companhia quando a assembleia geral ordinária delibera a sua distribuição".

Acredito que, se pudermos enxergar algum conteúdo de direito na situação do acionista da companhia que registra lucros passíveis de distribuição ao final do exercício, porém ainda antes da assembleia geral que deliberará a respeito, esse seria o direito expectativo, que não se confunde com mera expectativa de direito.

O direito expectativo, doutrina Pontes de Miranda3, é aquele que existe quando já há condição para aquisição do direito expectado, mas, por fato não imputável ao respectivo titular, o quadro jurídico-integrativo se encontra por completar-se.

Exemplificativamente, cita o direito expectativo daqueles que terão direito aos frutos (bom exemplo, pois dividendos são frutos civis), independentemente de ato próprio, unilateral. Refere também o direito a direitos futuros, para cujo nascimento falte ainda elemento de suporte fático, tal como o do locador em relação ao aluguel de período locativo ainda não consumado.

A despeito da abalizada opinião de Bruno Robert4, entendo que os dividendos obrigatórios seguem essas mesmas regras. Quero crer que o conteúdo normativo do artigo 202 da lei 6.404 - que prevê os dividendos obrigatórios - traduz na realidade um comando para os administradores e para companhia, inapto a gerar, por si só, direito de crédito.

A propósito, frise-se que a assembleia geral, conforme disposto no §3º do artigo 202 da lei 6.404, nem sempre estará compelida a distribuir os dividendos obrigatórios. E casos há em que os dividendos obrigatórios sequer devem ser propostos pela administração, tal como previsto no §4º do mesmo artigo 202.

Ademais, observe-se que, a entender-se que os acionistas já teriam direito de crédito contra a companhia no encerramento do exercício com lucros passíveis de distribuição, a deliberação que permite, naqueles casos tratados no parágrafo 3º do artigo 202 da lei 6.404, não distribuir o dividendo obrigatório poderia configurar ato de renúncia, com os necessários efeitos tributários daí decorrentes. Não seria razoável, é claro.

Nessa toada, expõe com maestria José Edwaldo Tavares Borba5:

"Convém recordar que a participação nos lucros sociais encontra-se arrolada no art. 190 como sendo um dos direitos essenciais do acionista; todavia, a palavra direito foi aí empregada em sentido genérico, vale dizer, na acepção de que nenhum acionista pode ser teoricamente privado do direito ao dividendo.

A inserção do direito ao dividendo na esfera subjetiva do acionista depende, no entanto, de deliberação que o conceda, transformando-o em um crédito.

Antes disso, tem-se apenas, mesmo a partir da evidência de lucros, mera expectativa de direito, que se eleva, na parcela concernente aos dividendos preferencial e obrigatório, à condição de direito futuro".

Então, não vejo como fugir à ideia de que, enquanto não houver declaração pela assembleia geral, não haverá obrigação constituída de pagar os dividendos obrigatórios.

E, se obrigação constituída não há, ausente estará o pressuposto necessário à contabilização dos dividendos obrigatórios antes da respectiva deliberação pela assembleia geral, salvo como parte do montante que, nos termos da lei, a administração deverá propor a título de dividendos do exercício, no pressuposto de sua aprovação pela assembleia geral, conforme disposto no parágrafo 3º do artigo 176 da lei 6.404.

É de ressaltar que isso não deve ocorrer em qualquer tipo balanço que vier a ser levantado. Ao contrário da prática costumeira de inúmeras companhias, somente no balanço que compõe as demonstrações financeiras do exercício social encerrado, havendo resultados e não estando a administração frente a qualquer dos casos que tornem desaconselhável o pagamento dos dividendos, deverá haver contabilização do pagamento proposto. Mesmo nos casos em que o montante proposto supere ou seja inferior aos dividendos obrigatórios.

Daí ser irrelevante, ao menos para esse aspecto, se se trata de dividendos obrigatórios ou não.

A proposta da administração deverá ser contabilizada por completo, deixando clara, todavia, insisto, sua natureza não obrigacional, ou seja, de mera proposta.

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1CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 820, vol. III.

2EIZIRIK, Nelson. Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 125, vol. III.

3MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 293, vol. V.

4ROBERT, Bruno. Apuração, declaração e pagamento do dividendo mínimo obrigatório nas companhias brasileiras. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - clique aqui.

5Tavares Borba, José Edwaldo. Direito societário. 9. ed. São Paulo: Renovar, p. 444.

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*Pedro Pontual é diretor jurídico da Brennand Energia.





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