A problematização da trava bancária na recuperação judicial
Há uma divergência jurisprudencial com relação à sua sujeição aos efeitos da recuperação judicial.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Atualizado em 27 de junho de 2012 14:01
Com o advento da lei 11.101/2005, profundas mudanças foram empreendidas em nosso ordenamento jurídico, tanto nos processos falimentares como naqueles dedicados à recuperação de empresas. A mais significativa delas diz respeito ao princípio fundamental que norteia o novel procedimento da recuperação judicial, a saber, a viabilização da atividade econômica da empresa, com a consequente superação da crise financeira por ela enfrentada.
De fato, referido princípio vem positivado no artigo 47 da lei em referência, demonstrando a opção do legislador por recuperar a atividade econômica desempenhada pela empresa, uma vez que esta, além de geradora de empregos é também fonte pagadora de tributos.
Inobstante o mandamento principiológico em comento, é evidente que a recuperação da empresa deve atender não só à superação de sua crise-econômica, como forma de preservação de sua função social, mas também ao pagamento de seus credores.
Nesse cenário, instaurou-se em nosso regramento a controvérsia acerca das chamadas "travas bancárias" e sua não sujeição aos efeitos da recuperação judicial.
De fato, a "trava bancária", ou cessão fiduciária de créditos recebíveis, é a garantia oferecida aos bancos pelas empresas na obtenção de empréstimos bancários para fomentação de suas atividades.
São os recebíveis futuros - ou seja, o faturamento decorrente da produção financiada pela Instituição Financeira, de modo que o empréstimo primordialmente pactuado é quitado através dos pagamentos feitos à empresa recuperanda por seus parceiros, créditos estes que ficam "travados", ou seja, não podem ser utilizados pela empresa para seu fluxo de caixa, passando diretamente ao Banco.
O grande debate jurídico que gira em torno da figura da "trava bancária" reside no fato de que a própria lei 11.101/05, precisamente em seu artigo 49, parágrafo 3º1, exclui dos efeitos da recuperação judicial todos os bens que integrarem o patrimônio da empresa devedora, ou porque não foram efetivamente adquiridos, ou porque foram alienados primordialmente para terceiros, o que, para parte da doutrina e jurisprudência, iria de encontro aos princípios da efetiva viabilidade econômica e da recuperação da empresa, que não consegue atingir seu objetivo.
Além disso, a posição minoritária de alguns juristas debruça-se sobre o fato de que a cessão fiduciária de direitos creditórios não estaria abrangida pelo dispositivo mencionado acima, eis que este cuidaria da propriedade sobre bens móveis ou imóveis.
Ora, tal posicionamento não merece qualquer acolhida. Isso porque, os direitos creditórios são considerados espécies de bens móveis, ante o teor do artigo 83, incisos II e III2, do Código Civil.
Assim, em se tratando a "trava bancária" de espécie de contrato de alienação fiduciária, com previsão de transferência da propriedade ao credor de direitos e/ou títulos em crédito, atuais e futuros, até a liquidação total da dívida, é evidente que se a analisarmos com o quanto disposto no artigo em referência, decorre-se a lógica conclusão de que essa modalidade contratual não deve sofrer os efeitos da recuperação judicial, eis que se trata de bem móvel para efeitos legais, de caráter patrimonial, sendo abarcado, portanto, pela exclusão prevista no artigo 49, parágrafo 3º, da lei 11.101/05.
O Tribunal de Justiça de São Paulo já firmou posicionamento, inclusive, com a edição da súmula 62, afirmando a impossibilidade de liberação de "travas bancárias", quando em curso recuperação judicial, conforme destaques abaixo:
"Súmula 62. Na recuperação judicial, é inadmissível a liberação de travas bancárias com penhor de recebíveis e, em consequência, o valor recebido em pagamento das garantias deve permanecer em conta vinculada durante o período de suspensão previsto no parágrafo 4º, do artigo 6º, de referida Lei".
Todavia, ressalta-se que para a validade da "trava bancária", a fim de oposição do crédito fiduciário aos demais credores da empresa em recuperação judicial, faz-se necessário seu registro perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio da empresa recuperanda, antes da distribuição do pedido de recuperação judicial.
Assim, em que pese a existência de divergência jurisprudencial acerca da não sujeição desses créditos provenientes da chamada "trava bancária", no âmbito da recuperação judicial, o entendimento predominante, inclusive sumulado pelo Tribunal de Justiça Paulista, é o de reconhecimento de tal mecanismo, eis que está previsto expressamente em nossa legislação, não se verificando qualquer violação ao princípio da preservação da empresa, na medida em que a exclusão da Instituição Financeira, enquanto credora fiduciária, dos efeitos da recuperação, possibilitará a aplicação de juros menores sobre o montante devido, preservando o capital de giro da empresa recuperanda e, via de consequência, a retomada de suas atividades econômicas.
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1"Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. (...)
§3º - Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. (...)".
2"Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: (...)
II- os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;
III- os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações".
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Janaina De Castro Galvão é advogada do escritório De Vivo, Whitaker, Castro e Gonçalves Advogados.
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