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O projeto de Código Comercial: um arremedo de projeto de lei

Para o autor, o projeto quer ser moderno e, no limite, reinventar a roda.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Atualizado às 08:55

"Quando fui convidado para desempenhar tão alta missão, respondi a Gama e Silva que não a poderia aceitar sozinho, por considerar o mundo contemporâneo incompatível com a vaidade de legisladores solitários, tentando repetir a façanha de Sólon, para Atenas, e de Licurgo, para Esparta. Assente a idéia de constituir-se uma Comissão Especial, procurei atender a diversos requisitos, não só de alta competência doutrinária, mas também de afinidade intelectual, sem a qual seria impossível levar a bom termo um trabalho que, mais do que qualquer outro, exige harmonia das partes no todo, numa unidade sistemática. Além disto, para prevenir acusações de bairrismo, julguei necessário convidar juristas de vários pontos do País, entrelaçados por vínculos de compreensão e amizade."1

Continuo minhas críticas ao projeto de Código Comercial (que um querido amigo, como que definindo a natureza jurídica própria desse documento, nomeia de "projétil").

Tentemos finalizar a parte que cuida do direito societário (são tantas as imperfeições que é quase que impossível encerrar as críticas) e iniciar as críticas à parte dos contratos.

O projeto, como já dissemos, quer ser moderno e, no limite, reinventar a roda.

Dessa forma, o direito societário é tratado a partir da seguinte premissa, exposta no livro "O futuro do direito comercial", Saraiva, 2011 - o destaque não é meu -:

"A 'minuta' optou pela alternativa de eleger, como modelo das sociedades empresárias, o tipo sociedade anônima. As normas do direito societário iniciam-se disciplinando este tipo, exatamente por se tratar do mais abrangente. A sociedade limitada é regrada em seguida, aplicando-se a ela, no que não contrariar seu estatuto específico, o regime da anônima fechada; assim também, naturalmente, na disciplina da sociedade em comandita por ações; os demais tipos menores também se submetem ao modelo da sociedade anônima fechada, mas apenas caso a matéria não tenha sido tratada nas regras da sociedade limitada" (ob. cit., p. 10, negritos nossos).

Interessante, não? Os tipos menores - sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples - regem-se, em última análise, pelo modelo da sociedade anônima fechada! Somente esse registro já demonstra o despautério da proposta, como se passa a demonstrar.

Em todos os países, parte-se de um núcleo - a sociedade civil na França e na Alemanha, a sociedade simples na Itália - para, em progressiva complexidade, regrar a sociedade anônima - que, na Alemanha, tal como no Brasil, é objeto de lei especial.

O projeto propõe inverter esse caminho - como se tratasse de uma ideia genial, algo moderníssimo. Mas, dando as costas para a história, parece não se dar conta de como a roda ... começou a rodar.

Vige no regime das sociedades anônimas e das sociedades limitadas, como se sabe - e como propõe o projeto - o princípio da maioria para as deliberações sociais. Tal princípio, que hoje reputamos como algo que sempre existiu, levou milênios para se afirmar2. E se afirmou no direito das sociedades mercantis, no decurso do século XIX, no seio das sociedades anônimas, não só porque a exigir-se unanimidade emperrar-se-ia o funcionamento da empresa, mas também porque em tais sociedades, como se sabe, a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor das ações subscritas ou adquiridas (CC, art. 1088, LSA, art. 1º). O mesmo ocorre, aliás, com as sociedades limitadas, exceto quando o capital não estiver integralizado, quando, então, há responsabilidade subsidiária e solidária de todos os sócios pela integralização (CC, art. 1.052). Dessa forma, as deliberações tomadas de acordo com a lei, o estatuto ou o contrato, vinculam todos os sócios, ainda que dissidentes ou ausentes (CC, art. 1.072, § 5º), mas o seu patrimônio pessoal, exceto pelo valor da participação societária e da integralização, se for o caso, não é exposto a risco.

Pois bem. Nas sociedades em nome coletivo e nas sociedades em comandita simples, todos os sócios, na primeira, e todos os sócios comanditados, na segunda, são responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (CC, arts. 1.039 e 1.045). Nessas sociedades, portanto, o princípio da maioria tem de ser a exceção e não a regra, pois se a deliberação se mostrar desastrada para a sociedade, o inteiro patrimônio dos sócios solidariamente responsáveis poderá ser atingido. Não se pode admitir que os sócios dissidentes ou ausentes tenham o seu patrimônio pessoal afetado pelo que a maioria decidir. É fazer cortesia com o chapéu alheio...

E se é verdade que esses tipos menores, sociedades de pessoas puras, são raríssimos hoje no Brasil, deve-se lembrar que as sociedades de pessoas remanescem em larguíssima escala nas sociedades em comum (que o projeto torna a chamar de irregulares). E com a agravante de que, nestas últimas, o projeto, tratando seus membros como autênticos marginais, propõe que a responsabilidade dos mesmos, além de solidária e ilimitada, seja direta - e não subsidiária, como é no regime vigente (exceto a do sócio que contratou pela sociedade, cf. CC, art. 990).

É um completo despropósito, portanto, aplicar-se às sociedades em nome coletivo, em comandita simples e irregulares, as normas da sociedade limitada, como o faz o projeto (arts. 236 e 137, respectivamente). E ainda mais pretender que, subsidiariamente, ainda se apliquem as das sociedades anônimas! E não somente em função do princípio da maioria, mas de uma série de outras normas das sociedades anônimas - sociedades de capitais por excelência - que são evidentemente inaplicáveis às sociedades de pessoas.

Já vimos, outrossim, que o projeto, pretensiosamente, resolveu cuidar das sociedades anônimas, alterando a Lei de S/A, que é um verdadeiro monumento legislativo.

Além de inúmeras outras disposições inúteis que contém - já apontadas em artigos anteriores - uma chama a atenção não só pela inutilidade, mas também pelo desconhecimento que revela acerca de obra absolutamente fundamental sobre a questão, verdadeiro divisor de águas do direito societário brasileiro. Trata-se d'O poder de controle na sociedade anônima, do Prof. Fábio Konder Comparato, cuja 1ª edição é de 1975.

Com efeito, o projeto pretendeu definir o poder de controle, em seu art. 157, da seguinte forma:

"Art. 157. Na sociedade anônima, o poder de controle pode ser:

I - totalitário, quando o controlador titula a totalidade ou quase a totalidade das ações com direito a voto;

II - majoritário, quando o controlador titula mais da metade das ações com direito a voto;

III - minoritário, ou difuso, quando o controlador titula menos da metade das ações com direito a voto; ou

IV - gerencial, ou pulverizado, quando o acionista com o maior número de ações com direito a voto titula percentual reduzido do capital votante".

Sabe-se que a primeira classificação do poder de controle foi efetuada pelos norte-americanos Berle e Means, na célebre obra The modern corporation & private property, publicada em 1932.

Nessa obra, os autores classificaram o controle totalitário exatamente da maneira como o faz o projeto, no supracitado inciso I, do art. 157, identificando-o com a totalidade ou a quase totalidade das ações com direito a voto.

Mas o Prof. Comparato demonstrou a erronia de tal identificação:

"11. O controle com quase completa titularidade acionária, no entender de Berle e Means, pode também ser assimilado à situação da sociedade propriamente unipessoal, seja esta uma one-man company ou uma wholly owned subsidiary. Em ambas as hipóteses, propriedade e controle recobrir-se-iam perfeitamente, como duas faces da mesma moeda.

A assimilação, porém, parece-nos forçada e inadmissível, tanto no plano legislativo, quanto no doutrinário.

Na sociedade unipessoal, não há nenhum outro interesse interno a ser levado em consideração, na aplicação das normas legais, além do interesse do titular único do capital social. Por isso mesmo, perdem eficácia todas as regras para regular conflitos de interesse entre sócios. Basta, no entanto, que exista um só outro acionista, titular de uma única ação, ainda que sem direito de voto, para que se dissipe o caráter totalitário do controle e reapareça a possibilidade de conflito de interesse entre sócios.

.............................................................................................

Pode-se e deve-se, pois, distinguir a sociedade unipessoal da companhia cujo controle se funda em quase completa propriedade acionária, para efeito da aplicação do sistema legal3".

De outra parte, a assimilação, que o projeto faz, entre controle gerencial e controle pulverizado, é também totalmente inadmissível. Uma coisa é o controle pulverizado, baseado na propriedade das ações e outra, completamente diversa, é o controle gerencial. Ouça-se de novo o grande mestre do nosso direito societário:

"15. O último tipo de controle, na classificação de Berle e Means, é o administrativo ou gerencial (management control), isto é, aquele não fundado na participação acionária mas unicamente nas prerrogativas diretoriais. É o controle interno totalmente desligado da titularidade das ações em que se divide o capital social. Dada a extrema dispersão acionária, os administradores assumem o controle empresarial de facto, transformando-se num órgão social que se perpetua por cooptação"4.

Como se vê, são totalmente equivocadas as definições de controle totalitário e "gerencial, ou pulverizado", constantes do art. 157, incisos I e IV, além de o projeto não estabelecer com precisão o que entende por "percentual reduzido do capital social".

Agora, não me perguntem para que serve esse dispositivo do projeto. Não serve para nada. Não tem função no sistema. Só serve para encher papel.

Caminhemos para a sociedade limitada.

Veja-se a sua conceituação:

"Art. 170. Na sociedade limitada, o sócio responde pelas obrigações sociais até o limite do capital social subscrito e não integralizado".

Que clareza, não?

Compare-se com a lapidar conceituação do art. 1.052 do Código Civil:

"Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social".

Como se diz em futebolês: vai mexer no time que está ganhando para quê? Decerto para aparentar estilo próprio.

Uma das críticas que se faz ao regime da limitada no Código Civil vigente está no fato de tal sociedade, no modelo legal, ter se caracterizado muito mais como uma sociedade de pessoas, por aplicação do disposto nos arts. 1.026 a 1.028 (ex vi do art. 1.053, caput) e 1.057, do que como uma sociedade de capitais. Mas este último artigo, pelo menos, em coerência com o quórum necessário para alteração do contrato (3/4 do capital social), determina que a cessão de quotas a estranho poderá ser efetuada se não houver oposição de mais de 1/4 do capital social.

O projeto empresta à sociedade limitada um caráter ainda mais personalístico:

"Art. 179 (...)

Parágrafo único. Na omissão do contrato social, o sócio não pode ceder quotas a pessoa estranha à sociedade sem a anuência dos demais".

Cuidando, a seguir, da intangibilidade do capital social, o art. 196 diz o seguinte:

"Art. 196. A distribuição de lucros ilícitos, fictícios ou à conta do capital social [ponha-se redundância nisso tudo] acarreta a responsabilidade solidária do administrador que a realizou e do sócio que o recebeu, perante a sociedade e terceiros".

O descaso na redação dos artigos é inacreditável. E o sócio que recebeu lucros de boa-fé?

Leia-se o que dispõe o art. 1.009 do Código Civil:

"Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade".

E o § 2º do art. 201 da LSA:

"Art. 201. (...)

§ 2º Os acionistas não são obrigados a restituir os dividendos que em boa-fé tenham recebido. Presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste".

Por falar em futebolês, o projeto inova nesse campo também: agora não ocorre mais a tradicional exclusão de sócio, mas sim a sua expulsão. Se é para inovar, o projeto está com tudo! E inovações substanciais, substanciais!

Mas é muito interessante verificar como o projeto protege a minoria, que é um dos princípios declarados do direito societário (art. 113, inciso VI).

O projeto simplesmente eliminou o contraditório de direito material que o atual Código Civil previu no parágrafo único do art. 1.085 ("A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa") - e que já era reclamado por Pontes de Miranda sob a égide da Constituição de 19465.

Retornou-se àquela absurda situação anterior, em que alguém dormia pensando ser sócio e acordava com o oficial de justiça batendo à sua porta para citá-lo para uma ação de apuração de haveres, já devidamente "expulso do gramado" - e sem sequer ter participado do jogo (cf. arts. 199 c/c 201, II e 202 do projeto)!

Isto é que é proteger a minoria!

Mais outra proteção:

"Art. 211. O contrato social estabelecerá o critério de avaliação das quotas para fins de apuração de haveres e definição do valor do reembolso.

Parágrafo único. Prevalecerá o critério consciente e livremente contratado pelos sócios, ainda que de sua aplicação resulte ou possa resultar enriquecimento de qualquer das partes, em detrimento da outra."

É simplesmente inacreditável. O projeto parece esquecer que a sociedade é um contrato de duração e que, em tais contratos, não é possível a aplicação cega de cláusulas que, em função do tempo, podem ferir os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ademais, ao invés de resolver problemas do dia-a-dia das sociedades limitadas, o projeto parece timbrar em criá-los. Assim é que, uma das questões mais controvertidas da apuração de haveres é a data em que deve ser efetuado o balanço especial (balanço de determinação, para o projeto). Veja-se, contudo, o que dispõe o art. 217, II:

"Art. 217. O balanço de determinação terá por referência temporal a data da dissolução parcial, que será: (...)

II - na expulsão judicial, a fixada pelo juiz".

Não seria mais conveniente que a lei dispusesse, desde logo, qual a data (a contar da citação, por exemplo?). Quanto tempo levará até que a jurisprudência se fixe sobre determinado critério?

Os arts. 226, I, e 227, retroagindo ao regime da Lei 8.934/94 (que regula o registro público de empresas mercantis), estão em completa dessintonia com o princípio da preservação da empresa, cuja função social o projeto pretende prestigiar (arts. 4º, III, 5º, IV e 7º):

"Art. 226. São causas da dissolução total da sociedade limitada:

I - o vencimento do prazo de duração".

"Art. 227. Será irregular a sociedade limitada que continuar explorando atividade econômica depois de vencido o seu prazo de duração".

O Código Civil, ao revés, prestigia aquele princípio, ao dispor:

"Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado".

Finalmente, o art. 233 do projeto dispõe o seguinte:

"Art. 233. Nas omissões deste Capítulo, aplicam-se, com as adaptações cabíveis, as normas sobre dissolução de sociedade anônima fechada".

Quais são essas normas? Simplesmente não existem. É inútil procurá-las. É a demonstração cabal do apuro, do rigor e da seriedade com que foi feito esse projeto. E da consideração e do respeito para com o povo brasileiro.

Iniciemos agora as críticas relativas aos contratos empresariais.

Para tanto, como não sou jurista e nem muito menos jurista polimorfo, vou me valer de algumas críticas feitas por uma querida amiga e excepcional civilista:

O art. 277 do Projeto prevê:

"Art. 277. Salvo se previsto de outro modo na lei, contrato ou título de crédito, independentemente da opção do credor entre exigir o cumprimento da obrigação em juízo ou apenas demandar perdas e danos, o inadimplemento de obrigação empresarial importa o pagamento, pelo empresário inadimplente, dos seguintes consectários:

I - o valor da obrigação acrescido de correção monetária;

II - juros;

III - indenização pelas perdas e danos derivados da mora;

IV - cláusula penal; e

V - honorários de advogado, quando for o caso"

Ocorrem, quando há o inadimplemento de um contrato, três alternativas - e, conforme o caso, quatro alternativas, cada uma delas correspondendo a interesses jurídicos diversos - que são oferecidas pelo sistema, alternativamente:

ou (i) se pede o cumprimento (ação de cumprimento), mais perdas e danos resultantes da mora e demais consectários (juros, correção monetária, honorários de advogado, custas, CC (art 389);

(ii) ou se pede a indenização substitutiva da prestação (ação de indenização) devendo ser pago ao lesado pelo inadimplemento o que equivaleria ao contrato, isto é, o 'valor da obrigação';

ou (iii) se pede a resolução do contrato, com a volta dos contraentes ao status quo ante (ação de resolução), acrescida das perdas e danos resultantes do incumprimento (CC, art. 475).

E, (iv) se as partes optaram, quando da conclusão do contrato, ou em momento posterior, por pactuar cláusula penal para o caso de incumprimento total (CC, arts. 409, 410) esta - a cláusula penal - substitui a ação de indenização, mas não se soma a ela, pois a primeira e mais corriqueira função da cláusula penal é, justamente, a pré-fixação convencional da indenização pelo inadimplemento total ou pela mora (CC, art 408, in fine; art. 410 e art. 411).

Aí estão previstas quatro lógicas diversas, correspondentes a quatro interesses diversos, inconfundíveis e imiscíveis:

(i) se a vítima do inadimplemento optar pela ação de cumprimento, sobreleva o interesse contratual positivo (interesse a que o contrato seja cumprido) mais perdas e danos resultantes do fato da mora;

(ii) se optar pela indenização substitutiva do cumprimento, no caso de não ser possível a execução específica, o interesse é, ainda, positivo (interesse que seria ao cumprimento, mas, na impossibilidade, é substituído por uma indenização equivalente ao 'valor do prejuizo causado pelo inadimplemento', segundo o princípio da reparação integral, acolhido pelo Código Civil, art. 944);

(iii) no caso de optar pela resolução, o contrato se desfaz; não haverá mais cumprimento nem 'substituição' da prestação. Volta-se ao status quo ante e se indeniza o interesse negativo, i.e., os danos que o contratante não teria tido se não tivesse contratado6;

(iv) por fim, se tiver optado por estipular cláusula penal, a opção já foi feita e não se somam a indenização pelo incumprimento e a cláusula penal: esta tem por função, justamente, atuar como uma pré-fixação das perdas e danos".

A vingar, porém, o infeliz art. 277, as quatro lógicas se misturam e do cardápio sofisticado que a Ciência Jurídica levou dois mil anos para construir e refinar, restará um rude prato feito que acumula carne e peixe, macarrão e batata frita e arrisca pesada indigestão. Mas será um extraordinariamente lucrativo negócio - apesar da indigestão jurídica - ter um contrato incumprido: o lesado poderá, sem nada contraprestar, exigir perdas e danos, mais o valor integral do contrato, mais cláusula penal, mais os consectários da mora!

Para finalizar por hoje, resta chamar a atenção para mais um erro conceitual primário do projeto, constante do art. 290:

"Art. 290. A prescrição relativamente às obrigações regidas por este Código ocorre, em geral, no prazo de cinco anos, contados da data em que a pretensão poderia ter sido exercida".

É de todo lastimável que o projeto refira-se à prescrição da obrigação. O que prescreve, como se sabe, não é a obrigação, mas sim a pretensão, como acertadamente diz o Código Civil (art. 189). Tanto assim é que, prescrita a pretensão, a obrigação subsiste como obrigação natural (que, uma vez paga, não pode ser reavida, cf. CC, art. 882).

Prefiro não crer que o Congresso vá aprovar esse rascunhão que está lá, esse arremedo de projeto de lei7.

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1 Miguel Reale, ao ser convidado pelo então Ministro da Justiça para redigir sozinho o projeto de Código Civil (Memórias - vol. 2 - a Balança e a Espada, São Paulo, Saraiva, 1987, p. 221). Como se sabe, foram convidados Clóvis do Couto e Silva, do Rio Grande do Sul, Ebert Chamoun, do Rio de Janeiro, Torquato Castro, do Recife. Em São Paulo, o grande mestre também não se pautou pelo bairrismo, tendo incluído na comissão o excelente civilista Agostinho Alvim, da PUC. O ministro Moreira Alves, embora formado na Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, é de Taubaté e se tornou catedrático da USP. Completou a comissão Sylvio Marcondes, da USP.

2 Cf., a propósito, o esplêndido estudo de Otto von Gierke, Über die Geschichte des Majoritätsprinzips separata do Schmollers Jahrbuch, Duncler & Humblot, Berlim, 1915 (tradução italiana sob o título Sulla storia del principio di maggioranza na Rivista delle Società, 1961, pp.1.103/1.120) e, de Francesco Galgano, La forza del numero e la legge della ragione: storia del principio di maggioranza, Il Mulino, Bolonha, 2007.

3 Ob. cit., 3ª ed., Forense, 1983, p. 37-39. Comparato observa que os próprios Berle e Means acabaram reconhecendo que a distinção entre controle com quase completa propriedade acionária e controle totalitário faz-se necessária, na edição revista da sua famosa obra, publicada em 1967: "Certain powers of control, such as the power to amend the charter or to discontinue the entrerprise, may require more than a simple majority vote and to that extent the majority exercises less control than a sole owner" (ob. cit., p. 39, nota 3). Em tradução livre: "Certos poderes de controle, como o poder de alterar o estatuto ou dissolver a sociedade podem requerer mais do que o simples voto majoritário e, nessa medida, a maioria exerce menos controle do que o acionista único".

4 Comparato, ob. cit., p. 51.

5 Cf. Tratado de Direito Privado, Tomo 49, 3ª ed., RT, SP, 1984, § 5.186, n°s 4 e 5, pp. 127-129. A edição, apesar de ser de l984, não foi atualizada, referindo-se ainda à Constituição de 1946.

6 Assim, aliás, prevê o próprio Projeto: "Art. 328. Não havendo disposição específica na lei, a parte culpada pela resolução indenizará a outra por todos os danos sofridos em razão da dissolução do contrato, além de incorrer nos consectários contratual ou legalmente estabelecidos".

7 A notícia de que o seu autor foi nomeado ""presidente da comissão especial de Juristas da Câmara que analisa o novo Código Comercial" demonstra a "isenção" com que o assunto está sendo tratado desde o seu nascedouro, quando o projeto foi apresentado no Congresso por um ex-orientando do projetista. Se alguém precisar de um exemplo gritante de posição conflitante esse não serve...

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*Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França não é jurista; é Professor Doutor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP e advogado.




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