A política econômica Lula/Palocci gerou a crise e mutilou o governo
A grande preocupação revelada por núcleos do Governo atual, e por setores interessados na manutenção de sua aliança com o capital especulativo, é quanto aos riscos de que uma mudança institucional ponha por terra uma política econômica imoral, que reserva um terço das receitas de impostos (e ainda outros R$ 40,0 bilhões de receitas financeiras do Tesouro) para assim sustentar as absurdas taxas de juros com que Lula/Palloci premiam seus aliados.
quinta-feira, 25 de agosto de 2005
Atualizado em 24 de agosto de 2005 12:15
A política econômica Lula/Palocci gerou a crise e mutilou o governo
Dércio Garcia Munhoz*
A grande preocupação revelada por núcleos do Governo atual, e por setores interessados na manutenção de sua aliança com o capital especulativo, é quanto aos riscos de que uma mudança institucional ponha por terra uma política econômica imoral, que reserva um terço das receitas de impostos (e ainda outros R$ 40,0 bilhões de receitas financeiras do Tesouro) para assim sustentar as absurdas taxas de juros com que Lula/Palocci premiam seus aliados. Ninguém nas hostes oficiais tem mostrado efetiva preocupação ou interesse no crescimento econômico e no aumento de empregos; a ótica preferencial é a preservação do "modelo", acoplando-se a este a ampliação na distribuição de cestas básicas e outras benesses, para assim aquietar os desempregados, buscando transformar sua ira presente em agradecidos votos futuros.
A Verdadeira Origem da Crise Político / Institucional
É mera fantasia afirmar que a gestão econômica de Lula/Palocci, pilotada ainda por Meirelles, é que tem impedido que a crise afete a economia. Pois ocorre exatamente o contrário: a política econômica adotada pelo Governo, seguida com tal determinação que surpreende até seus parceiros, é que levou a uma crise político/institucional sem precedentes desde o pós-guerra.
Quando o novo Governo abandona seu discurso e seus compromissos históricos pouco antes da posse, definindo uma política econômica que revelava um novo e suspeito quadro de alianças, e selecionava auxiliares cuja passado garantia a fidelidade aos novos amigos, ficou claro que Lula/Palocci optaram pela montagem de um cordão de segurança externa que proporcionasse apoio e visibilidade internacional, ainda que condicionais. Lançados tais dados, que significavam a renúncia a qualquer mudança na direção de FHC, o desdobramento inevitável seria a perda continuada de apoio político interno. E, na seqüência, à medida em que o desânimo afastasse parcelas crescentes de ativistas ou eleitores que um dia acreditaram no discurso trabalhista, mais o Governo passaria a depender do apoio externo, e mais frágil se apresentaria diante das exigências do FMI para novas e falsas reformas; pois o único objetivo destas sempre foi aumentar as receitas do Tesouro, reduzir as despesas, e assim gerar grandes sobras do brutal confisco, para cobrir religiosamente os encargos de uma dívida impagável herdada do desgoverno do pequeno grupo gestor do Plano Real.
Tudo bem que a opção pela nova aliança, pelos novos amigos, garantia aplausos entusiásticos, externos e internos, plantados pela máfia que exaure, através de capitais especulativos e altas taxas de juros, parcela extraordinária do esforço produtivo de milhões de brasileiros. Mas os estrategistas oficiais, como neófitos, minimizaram o fato de que, para satisfazer os interesses de seus novos companheiros teriam de fazer infindáveis mudanças no arcabouço legislativo, e para isso seria necessário contar com votos no Congresso - o que significava a missão impossível de manter intacta a sua base política ao mesmo tempo que aumentava o número de eleitores arrependidos.
O início do fim deu-se, portanto, quando o único meio de aprovar as medidas impopulares exigidas pelos novos aliados teria de ser através da cooptação de bancadas remuneradas, de legisladores pagos por serviços prestados - algo que os mais afoitos poderiam definir como mera compra de votos.
O suposto esquema para manter a política econômica de Meirelles/Palocci teve um custo alto. E acabou sendo pago duas vezes pela população trabalhadora. Primeiro pela penúria de empregos, pela perda do poder de compra dos salários e ganhos dos autônomos, pelo empobrecimento amplo, fruto do modelo 1994/02, mantido pelo Governo trabalhista. E segundo, quando parcelas crescentes do confisco tributário são transformadas nos chamados superávits primários - mais dinheiro dos impostos desviado para cobrir os juros estratosféricos, e assim continuar assegurando o apoio dos novos companheiros ligados ao circuito especulativo.
Agora só falta avançar para a derradeira etapa do neoliberalismo trabalhista, já nas pranchetas - o pomposamente denominada déficit nominal zero. Que será alcançada com o Tesouro reservando perto de 80,0% das receitas tributárias - ou R$ 250,0 bilhões anuais, para pagar integralmente os juros de uma dívida pública federal interna e externa próxima de R$ 1,5 trilhão. Será o momento de êxtase do capital especulativo. E porque se preocupar sobre se sobrarão ou não recursos para os hospitais, escolas, recuperação de estradas, transporte urbano, salários de médicos, enfermeiras e professores? Os novos aliados não dependem dessas "banalidades"!
Não causou surpresa, portanto, que em meio ao tiroteio em que se desenrola a crise interna, jornais locais tenham publicado que o ex-Presidente De La Rua - que sucedeu ao lunático Menem e também optou por se submeter ao capital especulativo - está sendo processado pela justiça argentina acusado da compra de votos para aprovação de reformas sociais, dentro da pauta legislativa que o FMI descaradamente impusera. E que posteriormente também imporia a outros governos dóceis que viriam a assumir além fronteiras, não muito distantes da encantadora Buenos Aires.
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*Professor Titular do Departamento de Economia da UnB e ex-Presidente do Conselho Federal de Economia
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