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A lei nº.10.666, de 8 de maio de 2003 e a extensão do benefício da aposentadoria especial aos cooper

Ana Carolina Silva Barbosa

Em 12 de dezembro de 2002, foi publicada a Medida Provisória nº. 83, que concedeu o benefício previdenciário da aposentadoria especial aos cooperados das cooperativas de produção e trabalho, além de trazer algumas modificações no sistema para os contribuintes individuais e facultativos. Posteriormente, a Diretoria Colegiada do INSS houve por bem elaborar a Instrução Normativa nº. 87/2003, que veio regulamentar as modificações introduzidas pela referida Medida Provisória, que foi convertida na Lei nº. 10.666, em 8 de maio de 2003.

quinta-feira, 25 de agosto de 2005

Atualizado em 24 de agosto de 2005 10:27


A lei nº.10.666, de 8 de maio de 2003 e a extensão do benefício da aposentadoria especial aos cooperados de cooperativas de trabalho e produção


Ana Carolina Silva Barbosa*


1. INTRODUÇÃO:


Em 12 de dezembro de 2002, foi publicada a Medida Provisória nº. 83, que concedeu o benefício previdenciário da aposentadoria especial aos cooperados das cooperativas de produção e trabalho, além de trazer algumas modificações no sistema para os contribuintes individuais e facultativos.


Posteriormente, a Diretoria Colegiada do INSS houve por bem elaborar a Instrução Normativa nº. 87/2003, que veio regulamentar as modificações introduzidas pela referida Medida Provisória, que foi convertida na Lei nº. 10.666, em 8 de maio de 2003.


O novo instrumento normativo justifica-se pela preocupação do Poder Legislativo com a mudança no perfil das relações de trabalho, com a redução gradativa dos trabalhadores contratados como empregados, bem como objetiva aumentar a arrecadação e promover uma maior agilidade na atividade de fiscalização do INSS.


Os cooperados normalmente filiam-se à Previdência Social como contribuintes individuais. Entretanto, aqueles trabalhadores que exerciam atividades expostas a condições prejudiciais à saúde ou integridade física perderam o direito ao benefício de aposentadoria especial, uma vez que, pela sistemática vigente, esta modalidade de aposentadoria só é devida aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, situação que, na visão do Poder Legislativo, estaria afrontando o Princípio Constitucional da Isonomia.


Sendo assim, instituiu-se sistemática de arrecadação para as cooperativas, relativamente aos seus cooperados, semelhante à que é exigida das empresas em geral.


Desta forma, as cooperativas de trabalho e de produção deverão elaborar o Perfil Profissiográfico Previdenciário dos cooperados que exercem atividade em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, na forma prevista no § 2º do art. 68 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 1999, bem como realizar o cadastro dos mesmos perante o INSS.


As cooperativas de trabalho deverão reter as contribuições previdenciárias devidas pelos cooperados que forem contribuintes individuais, que incidirá sobre a quota a eles distribuída relativa à prestação de serviço, e a empresa contratante será responsável pelo recolhimento da contribuição adicional, de acordo com alíquotas determinadas no §1º do art. 1º da referida Medida Provisória, nos casos em que a atividade desempenhada esteja sujeita a riscos operacionais.


No que diz respeito às cooperativas de produção, estas tornaram-se obrigadas à retenção da contribuição adicional dos cooperados que exercerem "atividade em condições especiais sujeitos à exposição a riscos ocupacionais que permitem a concessão de aposentadoria especial incidente sobre a remuneração paga, devida ou creditada ao cooperado filiado"(§2º, art.1º).


Tal disposição é, no mínimo, esdrúxula, uma vez que não se pode considerar a relação cooperativa-cooperado como uma relação de emprego. Além do mais, no que diz respeito aos valores que são repassados pelas cooperativas aos cooperados não há que se falar em remuneração. O que existe é o repasse do valor referente à venda do produto pela cooperativa ao cooperado responsável pela produção.


Ressalta-se que as obrigações que foram instituídas para as cooperativas de produção desconsideram totalmente as características do cooperativismo e tratam a cooperativa como uma empresa, o que pode gerar distorções, tais como o recolhimento de um adicional em função de determinado cooperado que sequer contribui individualmente.


O que se pretende com o presente trabalho é demonstrar que, apesar da legislação Previdenciária pretender acompanhar a evolução das relações trabalhistas e assegurar a equidade no tratamento dos trabalhadores em geral, não se pode admitir a desconfiguração das sociedades cooperativas, que são instituídas exatamente com o objetivo de beneficiar seus associados, às quais foi dispensado tratamento especial pela
Constituição Federal.


2. DAS CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DO COOPERATIVISMO


Não há como se questionar que as sociedades cooperativas possuem tratamento específico no direito pátrio. Este tratamento tem como base um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inserto na Constituição Federal, verbis:

"Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

...

II - garantir o desenvolvimento nacional;"

Corroborando a importância do cooperativismo para alcançar este desenvolvimento também estão explícitos na Carta Magna o direito à associação em forma de cooperativas1 , atribuindo ao Estado as funções de fiscalização e incentivo das mesmas2 .


Apesar de datar de 1971, a legislação cooperativista ainda em vigor, Lei nº 5.764/71, traduz e explicita o modo como o Direito Nacional enxerga o cooperativismo:

"Art. 3º - Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro."

Da simples leitura do referido dispositivo é possível apurar que as cooperativas são sociedades de pessoas, dotadas de personalidade jurídica, entretanto, diferenciadas das demais sociedades, como as de natureza cível ou comercial.


Destaca-se também que é da substância da cooperativa as obrigações e os objetivos das pessoas que destas fazem parte, quais sejam, "contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum."


De proveito comum - reside neste detalhe a principal característica da sociedade cooperativa, que deveria saltar aos olhos pelo simples significado etimológico da palavra:

"Cooperar V. atuar, juntamente com os outros, para o mesmo fim; contribuir com trabalho, esforços, auxílio, colaborar."

A idéia de associação de pessoas, onde todos são beneficiados, nos remete à noção de dependência mútua, no caráter simbiótico desta relação. Como lembra Pontes de Miranda3 , "a cooperativa supõe que outrem tire proveitos que pesam nos que se juntam, em cooperação, para que se pré-eliminem esses proveitos por terceiros (intermediários) ... O que caracteriza a cooperativa é essa função de evitamento do que outros ganham com o que o sócio da cooperativa paga a mais, ou recebe de menos."


A importância das cooperativas no desenvolvimento econômico do Estado reside exatamente neste caráter simbiótico, uma vez que associados na forma de cooperativa são capazes de se organizar de uma forma tal que, alcançam melhores condições de atuação perante o mercado de trabalho, no caso das cooperativas de trabalho, e vantagens econômicas e negociais na comercialização de seus produtos, se se pensar nas cooperativas de produção, o que possibilita uma maior distribuição de renda.


Sendo assim, a cooperativa não possui simplesmente relevância econômica, mais que isso, constitui forma eficaz, já observada nos Países mais desenvolvidos, no processo de distribuição de rendas. Portanto, devem ser tratadas como instrumento indispensável na busca pela justiça social.


Isto posto, as cooperativas devem ser incentivadas tendo em vista a relevância das suas finalidades econômicas e sociais, uma vez que estas são formadas para servir seus associados, objetivando uma melhor atuação no mercado de trabalho ou de consumo.


3. DA RELAÇÃO ENTRE COOPERADO E COOPERATIVA


Há que se ressaltar que, uma vez constituídas para atender aos interesses dos associados, sob o ponto de vista do Direito Previdenciário, as cooperativas devem ser analisadas sempre sob o prisma de sua relação com os cooperados.


É claro que, as cooperativas possuem empregados, e com relação a esses, as obrigações são as mesmas que das empresas em geral, sujeitas ao regime de contribuição previdenciária imposto às pessoas jurídicas contribuintes.


Entretanto, para o presente trabalho é indispensável que seja esclarecido que as cooperativas são constituídas em função de seus cooperados. Conseqüentemente, a relação jurídica de prestação de serviços é da cooperativa para com seus cooperados, e não o contrário. Neste sentido, esclarece com brilhantismo Renato Lopes Becho4 , que, analisando o Novo Código Civil, procurou ressaltar alguns dos elementos destas sociedades:

"O novo Código Civil não mencionou as declarações contidas no caput do referido artigo da Lei das Sociedades Cooperativas, quais sejam:

a) ser sociedade de pessoas:...

b) ter forma e natureza jurídica próprias:

c) natureza civil:....

d) não sujeitas à falência: .....

e) constituídas para prestar serviços aos associados: também independente de declaração normativa o conteúdo apontado. As cooperativas são constituídas para prestar serviços aos associados, no Brasil e em todo o restante do mundo que segue a filosofia encampada pela Aliança Cooperativa Internacional - ACI. Mas, do ponto de vista jurídico, as disposições legais sobre distribuição de sobras e a utilização dos valores encaminhados para o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social - Fates, fazem com que as cooperativas sejam constituídas para prestar serviços aos seus associados."

Ultrapassadas estas considerações indispensáveis, vejamos as inovações da Lei nº. 10.666, de 8 de maio de 2003, especialmente no que se refere às cooperativas:

"Art. 1º As disposições legais sobre aposentadoria especial do segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social aplicam-se, também, ao cooperado filiado à cooperativa de trabalho e de produção que trabalha sujeito a condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física.

§ 1º Será devida contribuição adicional de nove, sete ou cinco pontos percentuais, a cargo da empresa tomadora de serviços de cooperado filiado a cooperativa de trabalho, incidente sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, conforme a atividade exercida pelo cooperado permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.

§ 2º Será devida contribuição adicional de doze, nove ou seis pontos percentuais, a cargo da cooperativa de produção, incidente sobre a remuneração paga, devida ou creditada ao cooperado filiado, na hipótese de exercício de atividade que autorize a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.

§ 3º Considera-se cooperativa de produção aquela em que seus associados contribuem com serviços laborativos ou profissionais para a produção em comum de bens, quando a cooperativa detenha por qualquer forma os meios de produção. "


"Art. 4º Fica a empresa obrigada a arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração, e a recolher o valor arrecadado juntamente com a contribuição a seu cargo até o dia dois do mês seguinte ao da competência.

§ 1º As cooperativas de trabalho arrecadarão a contribuição social dos seus associados como contribuinte individual e recolherão o valor arrecadado até o dia quinze do mês seguinte ao de competência a que se referir.

§ 2º A cooperativa de trabalho e a pessoa jurídica são obrigadas a efetuar a inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS dos seus cooperados e contratados, respectivamente, como contribuintes individuais, se ainda não inscritos. "

No que diz respeito às cooperativas de trabalho a obrigação pela retenção da contribuição devida pelo cooperado, como segurado individual, é perfeitamente justificável, tendo em vista a preocupação da Previdência Social para com seus segurados, uma vez que as cooperativas, quando bem estruturadas podem arcar com tal obrigação.


Sob o prisma formal, a cooperativa de trabalho estará repassando para a Previdência exatamente o que será devido pelos seus associados, tendo em vista que estes prestarão serviços, mediante intermédio da cooperativa, e a empresa tomadora dos serviços pagará à cooperativa, que fica responsável pelo repasse aos associados.


Entretanto, na relação cooperativa-cooperado, a primeira será sempre a prestadora de serviços, enquanto o segundo é o tomador dos serviços.


Temos assim, duas relações jurídicas distintas: a da cooperativa com seu cooperado, onde a primeira é a prestadora de serviços para com o segundo, que se inicia com a adesão do cooperado ao Estatuto Social e da causa ao ato cooperativo; e a da cooperativa com a empresa tomadora dos seus serviços, é através deste negócio externo, junto ao mercado, que se efetivará a consecução do ato cooperativo.


Portanto, os valores pagos pela tomadora dos pelos serviços executados pelos cooperados, serão distribuídos aos cooperados na proporção dos serviços prestados por cada um.


Neste sentido, esclarecedoras as palavras de Marco Túlio de Rose5 acerca da estrutura destas sociedades:

"6. A finalidade do ato cooperativo vem expressamente prevista na legislação que regula, em linhas gerais, as sociedades cooperativas brasileiras, qual seja a Lei nº. 5.764, de 1971, mais especificamente seu artigo 3º ("as cooperativas são sociedades constituídas para prestação de serviços aos associados").


7. Seja qual for a sociedade cooperativa, em todas elas comparece a mesma estrutura, tão pronto seja feita a radiografia e o exame aprofundado de suas atividades.


8. Sempre haverá uma prestadora, que será a cooperativa; sempre haverá uma operação de contrapartida, que pode constituir em outro negócio jurídico, ou não e que está genericamente previsto no objeto social da sociedade, descrito no Estatuto; sempre haverá um tomador, que é o cooperativado."

Sendo assim, mesmo que pareça absurdo atribuir à cooperativa de trabalho a obrigação de reter as contribuições previdenciárias devidas por seus cooperados, uma vez que a cooperativa é a prestadora de serviços desta relação jurídica, tal medida é de certa forma favorável ao próprio cooperado, pois terá imediatamente recolhidas as prestações previdenciárias que são de sua obrigação, o que garantirá o seu benefício futuro.


No que diz respeito à obrigação da empresa tomadora de serviços no recolhimento da contribuição adicional, nos casos em que os cooperados exerçam atividades sob condições que prejudiquem a sua saúde ou sua integridade física, há que se ressaltar que está se dando o tratamento eqüitativo, uma vez que será tal obrigação devida pela empresa em decorrência de sua relação jurídica com os demais contratados sob vínculo empregatício, ou na condição de empregados avulsos.


Estas empresas, por sua vez, devem arcar com o custeio previdenciário, que possui vínculo intrínseco com as "relações de trabalho" das quais figuram como pólo passivo, estando perfeitamente caracterizado o dever de contribuir por parte das mesmas.


Não obstante, tendo em vista a genética da cooperativa de produção, vê-se que a novel legislação Previdenciária ignorou totalmente a relação jurídica cooperativa-cooperado.


O §2º do artigo 1º define que será devido pela cooperativa de produção o recolhimento da contribuição adicional, incidente sobre a remuneração paga ou creditada ao cooperado, na hipótese deste exercer atividade que autorize a concessão de aposentadoria especial.


Ora, numa cooperativa de produção o cooperado entrega o produto do seu trabalho para a cooperativa. A esta cabe buscar, junto ao mercado consumidor, vantagens na negociação deste produto, condições que o produtor, individualmente, não seria capaz de alcançar.


Sendo assim, o cooperado-produtor entrega o produto do seu trabalho à cooperativa, e toma os seus serviços no sentido de negociar sua comercialização. Desta feita, não é possível vislumbrar a situação que pretende proteger a norma em debate, uma vez que não se pode confundir o trabalho exercido pelo cooperado na produção com sua posterior entrega à cooperativa para negociação, sob pena de inversão dos pólos da relação jurídica formada pelo ato cooperativo.


Diferentemente das cooperativas de trabalho, que são capazes de apurar a base de cálculo das contribuições previdenciárias devidas pelos seus cooperados, as cooperativas de produção sequer têm o controle se seus cooperados optaram pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, ou seja, se estes estariam no rol dos contribuintes individuais.


Mesmo que se considere que os cooperados contribuam para a Previdência Social, utilizando para seus cálculos o repasse advindo das negociações do seu produto no mercado, realizadas pela cooperativa, não se pode obrigar a mesma pelo pagamento da contribuição adicional com base neste repasse, uma vez que este repasse representa a consecução do próprio ato cooperativo.


Além do mais, a cooperativa não possui o dever de contribuir de acordo com a legislação previdenciária, posto que a Constituição não atribuiu às cooperativas a responsabilidade pelo financiamento da seguridade social que será custeada pelos trabalhadores e pelas empresas, e um terceiro, alheio ao plano de proteção social, não pode contribuir diretamente para o financiamento de tal plano.


Importante ficar claro que o cooperado não é empregado da cooperativa e nem mesmo um prestador de serviço para a mesma, seria uma espécie de sócio que através de seu esforço e competência agrega seu trabalho, ou entrega o produto do seu trabalho, para que a cooperativa possa prestar seu serviço, cujo resultado será posteriormente distribuído proporcionalmente aos demais associados.


A contribuição adicional instituída para as cooperativas de produção se destina ao comum financiamento da seguridade social, uma vez que servirá para o custeio das prestações devidas ao segurado, que supostamente estaria percebendo remuneração relativa a prestação de serviço e essa figura já se encontra encampada no Plano de Custeio originário.

O fundamento constitucional do tributo encontra guarida no art. 195 da Constituição Federal, verbis:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:


I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:


a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;


b) a receita ou o faturamento;


c) o lucro;"


II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;


III - sobre a receita de concursos de prognósticos. "

O dispositivo é claro ao especificar que o dever de contribuir reside na prestação de trabalho prestado por pessoa física a empresa ou entidade a ela equiparada, o que deixa claro o equívoco cometido pelo legislador ao pretender atribuir à cooperativa de produção a responsabilidade pela contribuição adicional, supostamente devida a seu cooperado.

Neste sentido, vale destacar mais uma vez as palavras de Marco Túlio de Rose6 :

"32. 'A contrariu sensu', o dever contributivo não poderia ser invocável, com base na mencionada equiparação, nas relações envolvendo cooperativas e cooperativados, na consecução dos atos cooperativos. Nestes casos, como já visto, inverte-se o pólo da relação de prestação de serviços. A cooperativa é a prestadora e o cooperativado o tomador."

4. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS PELO §2º, ARTIGO 1º DA LEI Nº. 10.666/2003


A impropriedade do tratamento dispensado às sociedades cooperativas de produção salta aos olhos, vez que o legislador complementar igualou um cooperado-produtor a um autônomo e, o que é pior, igualou a sociedade cooperativa a uma sociedade anônima ou sociedade limitada com fins puramente lucrativos.


Ora, como ressaltado anteriormente, as cooperativas são sociedades de pessoas que se constituem intuitu personae, sendo seu pilar mais importante o valor humano, enquanto as sociedades de capital se constituem intuitu pecuniae.


Justamente por isso é que o legislador constitucional determinou no artigo 146, III, "c", da Constituição Federal, que fosse dispensado a este tipo societário um adequado tratamento tributário, de modo a incentivá-lo (art. 174, §2º). Preocupou-se o legislador em garantir, a este tipo societário, a aplicação do princípio constitucional da isonomia.


E não foi sem razão que o legislador constitucional determinou esta diferenciação, e nem poderia, na medida em que qualquer diferenciação deve ser sempre razoavelmente justificada, corretamente aplicada, para que não implique quebra do princípio da igualdade.


O legislador assim agiu porque as sociedades cooperativas trazem, em sua essência, elevada importância para a sociedade mundial, em especial à sociedade brasileira, afogada em desigualdades e desajustes sociais, tendo em vista os princípios sobre os quais fundamenta sua existência, tais como o da ajuda mútua e o da solidariedade.


Vê-se, pois, que o discrímen é o ato cooperativo, assim tomado pelo próprio legislador constitucional. E nas palavras de Douglas Yamashida, tal discrímen constitucional não tem como ser questionado, posto que, segundo o Supremo Tribunal Federal, a Constituição tudo pode. Aliás, Celso Antônio Bandeira de Melo afirma também que 'se a lei (e a Constituição é a lei das leis) se propôs a distinguir pessoas, situações, grupos e se tais diferenciações se compatibilizam com os princípios expostos, não há como negar os discrímens... Bem por isso, é preciso que se trate de desequiparação querida, desejada pela lei, ou ao menos, pela conjunção harmônica das leis'.7


Verifica-se, portanto, a razoabilidade da diferenciação imposta, já que se refere a uma espécie de pessoas jurídicas que, sem o intuito de lucro e de cunho eminentemente social e democrático, exercem atividades que irão beneficiar toda a sociedade. Existe uma correlação lógica entre o fator discrímen considerado e a regra constitucional que determinou o "benefício", a "vantagem".


Assim, por serem tipos societários diferenciados pelo próprio legislador constitucional, nenhuma questão jurídica que verse sobre as cooperativas pode ser absorvida na ordem jurídica vigorante sem levar em consideração suas particularidades.


Deste modo, é imperioso que o princípio da isonomia que busca, primordialmente, a igualdade entre os iguais e a desigualdade entre os desiguais, tenha seus contornos muito bem delineados, para que as sociedades cooperativas, quando suas peculiaridades assim urgirem, recebam tratamento diferenciado, inclusive no âmbito tributário.


De fato, por ser tipo societário diferenciado pelo próprio legislador constitucional, as questões que versam sobre a sociedade cooperativa apenas serão absorvidas na ordem jurídica vigorante se levadas em consideração suas particularidades. É o reconhecimento prático da função sistêmica dos princípios que se realiza mediante a integração e coordenação das regras do sistema jurídico desenvolvidas pelos princípios. Os princípios jurídicos funcionam como elo de ligação dentro do sistema jurídico, auxiliando na viabilização da coerência normativa interna que este deve possuir.


O princípio cuja observância é essencial para garantir à sociedade cooperativa o adequado tratamento tributário recomendado pelo Constituinte de 1988, é, justamente, o princípio da isonomia tributária.


Ora, definitivamente não foi por um mero capricho que o legislador constitucional ressaltou o ato cooperativo dentro todos os demais. O fez porque as sociedades cooperativas cumprem um importante papel em toda a sociedade mundial, tendo em vista que este tipo societário não tem como fim o lucro, visa apenas facilitar o exercício de uma atividade determinada para os seus cooperados, com o intuito de fortalecê-los no setor ao qual se propõem.


O constitucionalista Celso Ribeiro Bastos8 explica com clareza qual a intenção do legislador constitucional ao determinar que fosse dispensado ao ato cooperativo um adequado tratamento tributário, leia-se:

"Por adequado tratamento deve-se entender a outorga de isenções tributárias para os casos em que a cooperativa atua dentro dos seus objetivos, levando-se em conta que é propósito constitucional o apoio ao cooperativismo. Tomando-se em consideração que na atividade especulativa não há o espírito de lucratividade, conjugado com o mandamento que ordena conferir um tratamento adequado, tributariamente falando, ao ato cooperativo, tudo isto parece conduzir à inevitável conclusão de que a outorga de isenções em benefício destas entidades é a forma que melhor preenche o desiderato constitucional." (destacamos)

Então, se a norma tributária deve ser especial quanto ao ato cooperativo, se a atividade cooperativa deve ser apoiada e incentivada, se o cooperativismo é uma forma de se atingir os princípios básicos do Estado, pode-se facilmente concluir que à norma tributária é vedado instituir tratamento prejudicial ao ato cooperativo, principalmente se comparado ao ato não cooperativo.


E, nem se diga que os comandos do art. 146, III, 'c' e 174 da Constituição Federal são normas programáticas a depender de regulamentação de legislação infraconstitucional.


A doutrina das normas auto-executáveis e não-auto-executavéis já foi abandonada no próprio país de origem por ser considerada absolutamente inadequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito que requer que o judiciário tome decisões que, ao retrabalharem construtivamente os princípios e regras constitutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica, como certeza do Direito, quanto no sentimento de justiça realizada, que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto. Para tanto, é fundamental que o decisor saiba que a própria composição estrutural do ordenamento jurídico é mais complexa que a de um mero conjunto hierarquizado de regras9.


De fato não têm as normas programáticas o condão de fazer nascer direitos subjetivos públicos para os jurisdicionados, têm o efeito negativo de exigir que o Poder Público se abstenha da prática de atos que atentem contra os ditames desses programas normativos. Entender de modo diverso é admitir o absurdo de existirem garantias constitucionais que no final nada garantem e, inclusive, acabariam sendo "dispensáveis".


E é claro que se o legislador constituinte ordenou que o cooperativismo fosse incentivado (art. 174, §2º), e que ao ato cooperativo fosse dispensado um adequado tratamento tributário (art. 146, III, 'c'), jamais poderá o legislador ordinário ou o executivo federal editar normas que, onerando em demasia os atos cooperativos, venham a desincentivar este tipo societário por clara afronta ao Texto Constitucional.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Se é verdade que o Direito é reflexo da sociedade, também é verdadeiro que aquele deve acompanhar a evolução desta. De qualquer sorte, não se pode destruir o que ao longo dos séculos se conquistou, sob pena de um retrocesso histórico e social.


Deve, pois, o Direito ser ajustado ao desiderato da sociedade, mas de forma a manter a eqüidade. Assim, poder-se-ia vislumbrar no descortinar do novo milênio também um novo Direito Previdenciário com vistas a atender à complexa teia social. Vislumbra-se, portanto, a oportunidade para que os cidadãos comprometidos com o escopo social da norma geral e abstrata escrevam a própria história. Nesse sentido, pode-se defender o que segue: a) uma tutela laboral da prestação autônoma; b) uma tutela laboral da prestação de serviços por "contrato de equipe", que se dá entre duas empresas em situação econômico-financeira desigual ou entre uma empresa e uma cooperativa; c) uma tutela laboral para remuneração dos serviços sem qualificação, cujo valor mínimo deve ser pautado pelo Estado; d) uma tutela laboral coletiva que vise a socializar os postos de trabalho com a reorganização, gradação e redução da jornada laboral nos setores diretamente atingidos pela revolução da microeletrônica, da informática e da digitalização.


Não se pretende ignorar o artigo 7o da Constituição Federal, em seu caput, assim esclarece: "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social", e essa melhoria da condição social do trabalhador passa indubitavelmente pelo direito à cidadania e à dignidade da pessoa humana, uma vez que elevados à categoria de fundamentos do Estado Democrático de Direito, nos incisos II e III do artigo 1o da Carta Maior.


Entretanto não se pode deixar que o legislador atue com tamanho descaso a ponto de ignorar as especificidades das relações, e prejudicar as sociedades cooperativas que vêem cumprindo seu papel econômico-social há décadas em nosso país, colaborando para desenvolvimento e uma melhor distribuição de renda.


Nunca é demais lembrar Platão, que em seu mito da caverna bem traduz a letargia daqueles que vêem na aparência das coisas aquilo que verdadeiramente não são. Aqueles que se satisfazem com as sombra dos objetos na parede da caverna se encontram em avançado estágio de alienação. Nada nesse mundo é irreversível. Gaardner esclarece que "... como essas pessoas estão ali desde que nasceram, elas acham que as sombras que vêem são a única coisa que existe"10 . O repensar dialético da história é, indubitavelmente, o maior desafio da passagem do homem pela terra.


6. CONCLUSÕES


a) Ato cooperativo é o negócio jurídico bilateral entre o cooperado e a cooperativa numa relação de prestação de serviços desta para com o primeiro.


b) No que diz respeito às cooperativas de trabalho a obrigação pela retenção da contribuição devida pelo cooperado, como segurado individual, instituída pela Medida Provisória nº. 83/2002 e convertida na Lei nº. 10.666/2003, é perfeitamente justificável, tendo em vista a preocupação da Previdência Social para com seus segurados, uma vez que as cooperativas, quando bem estruturadas podem arcar com tal obrigação.


c) O §2º do artigo 1º da Lei nº. 10.666/2003, define que será devido pela cooperativa de produção o recolhimento da contribuição adicional, incidente sobre a remuneração paga ou creditada ao cooperado, na hipótese deste exercer atividade que autorize a concessão de aposentadoria especial.


d) A contribuição adicional instituída para as cooperativas de produção se destina ao comum financiamento da seguridade social, uma vez que servirá para o custeio das prestações devidas ao segurado.


e) As cooperativas não estão insertas como obrigadas pelo custeio da seguridade social, que será financiada pelos trabalhadores e pelas empresas, o que configura violação ao art. 195, I, a.


f) Não se pode falar que a cooperativa poderia se enquadrar no dispositivo como entidade equiparada à empresa, uma vez que o cooperado não presta nenhum serviço à cooperativa.


g) Tal obrigação afronta os dispositivos constitucionais 146, III, "c", que determinou fosse dispensado a este tipo societário um adequado tratamento tributário, de modo a incentivá-lo (art. 174, §2º). Preocupou-se o legislador em garantir, a este tipo societário, a aplicação do princípio constitucional da isonomia, que também resta violado pela legislação analisada.

______________________

7. BIBLIOGRAFIA:


BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, Vol. 7


BECHO, Renato Lopes. Elementos de Direito Cooperativo. Ed. Dialética. São Paulo, 2002.


BECHO, Renato Lopes. (coord.) Problemas Atuais do Direito Cooperativo. "Cooperativas Urbanas e Contribuições Previdenciárias". Ed. Dialética. São Paulo, 2002.


GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, 1972, tomo XLIX.


NETTO, Menelick de Carvalho. In "O Requisito Essencial da Imparcialidade Para a Decisão constitucionalmente Adequada de um Caso Concreto No Paradigma Constitucional do Estado Democrático de Direito". Revista de Direito Público, nº. 7, 1997.


YAMASHIDA, Douglas. in A Cooperativa Perante a LC 84/96 (tributação do ato cooperativo). Grandes Temas da Atualidade - 5º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário - Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, 1996.

____________________________


1"Art. 5º....

...

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;"

2"Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

...§2º. A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo."

3 In Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, 1972, tomo XLIX, p. 431.

4 BECHO, Renato Lopes. Elementos de Direito Cooperativo. Ed. Dialética. São Paulo, 2002, p. 110/111)

5 BECHO, Renato Lopes. (coord.) Problemas Atuais do Direito Cooperativo. "Cooperativas Urbanas e Contribuições Previdenciárias". Ed. Dialética. São Paulo, 2002, p. 194.

6Ob. Cit. p. 197.

7 in A Cooperativa Perante a LC 84/96 (tributação do ato cooperativo). Grandes Temas da Atualidade - 5º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário - Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, 1996.

8 In Comentários à Constituição do Brasil, Vol. 7, pag. 122.

9 MENELICK DE CARVALHO NETTO. O Requisito Essencial da Imparcialidade Para a Decisão constitucionalmente Adequada de um Caso Concreto No Paradigma Constitucional do Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Público, pg.105.

10 GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.104,105.
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* Advogada do escritório Homero Costa Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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