Obstáculos processuais ao redirecionamento de execução fiscal contra sócio
Na atualidade, multiplicam-se os casos de redirecionamento de execuções fiscais contra sócios, com fundamento no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional. Trata-se de lamentável tendência, que tem se disseminado tanto na Justiça Estadual, quanto na Federal, e é fruto de interpretação absolutamente equivocada do dispositivo antes citado.
quinta-feira, 25 de agosto de 2005
Atualizado em 24 de agosto de 2005 09:14
Obstáculos processuais ao redirecionamento de execução fiscal contra sócio, após a citação da sociedade: princípio da estabilização subjetiva da Lide
André de Luizi Correia*
Na atualidade, multiplicam-se os casos de redirecionamento de execuções fiscais contra sócios, com fundamento no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional. Trata-se de lamentável tendência, que tem se disseminado tanto na Justiça Estadual, quanto na Federal, e é fruto de interpretação absolutamente equivocada do dispositivo antes citado. Com efeito, a norma autoriza a inclusão do sócio no pólo passivo da execução apenas em situações excepcionalíssimas, em que comprovado o dolo do sócio-gerente, na prática de ato com excesso de poderes, tendente a fraudar a lei ou a infringir o contrato ou estatuto social.
Em comentário ao artigo 135 do CTN, ZELMO DENARI esclarece que "nem todas as obrigações tributárias estão compreendidas nessa responsabilidade, pois o dispositivo faz expressa referência a 'obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos'."1
"O propósito do legislador - explica DENARI -- foi o de responsabilizar pessoalmente os sócios-gerentes e administradores de empresas privadas quanto às obrigações tributárias resultantes de sonegação, fraude fiscal ou irregularidades constatadas por iniciativa da fiscalização e apuradas através de auto de infração" (nossos destaques).2
Nem poderia ser diferente, posto ser princípio cediço que "a pessoa jurídica, com personalidade própria, não se confunde com a pessoa de seus sócios. Constitui, pois, delírio fiscal, à matroca de substituição tributária, atribuir-se a responsabilidade substitutiva (art. 135 - 'caput' - CTN) para sócios diretores ou gerentes antes de apurado o ato ilícito", como bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp 139.872/CE, Rel. Min. Milton Luiz Pereira).
Aliás, a jurisprudência da Corte Superior já consolidou seu entendimento, no sentido de que "apenas é cabível o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto. (Jurisprudência consolidada do STJ)." (STJ - AGA 487362/RS - j. 02/10/2003 - 1ª Turma - rel. MINISTRO LUIZ FUX - DJ 28/10/2003, p. 196).
A Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal), autoriza o ajuizamento de execução fiscal contra o responsável tributário, conforme se infere à leitura do artigo 4º. Trata, portanto, da hipótese em que o exeqüente propõe execução fiscal diretamente contra o sócio supostamente responsável, incluindo-o no pólo passivo da ação desde o início. Nada prevê, no entanto, sobre o redirecionamento da execução contra o sócio, no curso da ação originariamente ajuizada contra a sociedade. E é aqui que reside o problema, pois há limites claros, no Código de Processo Civil -- Diploma que se aplica subsidiariamente à LEF, nos casos omissos -- para a inclusão do sócio no pólo passivo da ação, após a citação da sociedade.
Entendemos que essa inclusão no processo do sócio-gerente que não fez parte da ação desde o início (isto é, que não foi inserido na petição inicial), se identifica com a formação de litisconsórcio facultativo passivo ulterior entre o sócio e a sociedade, nos moldes previstos no art. 46 do Código de Processo Civil. Na hipótese de haver substituição da sociedade pelo sócio, com exclusão daquela do feito, nos parece clara a figura da sucessão processual, prevista no artigo 41 do Código de Processo Civil.
Ocorre, no entanto, que o sistema repele o litisconsórcio facultativo passivo ulterior por iniciativa do autor, proibindo que este acrescente novos demandados à ação, após a citação do primitivo e singular demandado.
Esclareça-se, de plano, que o sócio-gerente, contra quem é redirecionada execução fiscal, não pode ser considerado litisconsorte necessário da sociedade, a teor do artigo 47, do CPC - o que legitimaria sua inclusão a qualquer tempo, até mesmo para se evitar a nulidade do processo -- pois não existe qualquer dispositivo legal ou relação jurídica incindível que obrigue o juiz a "decidir" (ou "promover" a execução) de modo "uniforme" para sócio e sociedade. Muito pelo contrário: as dívidas e obrigações, assim como a própria personalidade jurídica do sócio e da sociedade, não se confundem, sendo decorrência direta dessa dicotomia a absoluta desnecessidade de figurarem juntos no pólo passivo de execução fiscal. Ademais, a própria admissibilidade de litisconsórcio necessário em processos de execução tem sido negada por grande parte da doutrina4.
Assim, o sócio, que é "incluído" no pólo passivo de execução fiscal originariamente ajuizada contra a sociedade, ingressa no feito na condição de litisconsorte facultativo da empresa. A hipótese é a do artigo 46, inciso, I, do CPC ou, quando muito, do inciso II, da mesma norma. A Fazenda, quando crê possuir prova de subsunção do caso concreto à hipótese do art. 135, III, do CTN, pode ajuizar a ação contra o sócio responsável, fundada no artigo 4º, V, da Lei de Execução Fiscal, combinado com os artigos 46 e 568, do CPC. Mas não o faz, porque não está obrigada a tanto. No curso da lide, "decide" incluir aquele sócio que poderia ter sido parte desde o início. Surge, então, o "redirecionamento" da execução contra o sócio, nos moldes de um litisconsórcio facultativo ulterior, como tem sido realizado hodiernamente.
Todavia, litisconsortes facultativos não podem ser incluídos no feito, por iniciativa do autor, após a formação da relação jurídica processual, isto é, após a citação do primitivo demandado, como já se afirmou. Há um claro limite para a formação dessa espécie de litisconsórcio por iniciativa do autor, e esse limite está previsto no art. 264 do CPC, que determina sejam mantidas "as mesmas partes" no processo, após a citação do réu.
Como bem ressalta CÂNDIDO DINAMARCO, "sendo facultativo o litisconsórcio (...)já se torna problemática a sua formação, mesmo mediante iniciativa do réu, depois da demanda inicial (...)Antes da citação nada impede o acréscimo de outras partes; (...)depois do saneamento do processo é claro que modificação alguma subjetiva poder-se-á fazer, porque isso implicaria violação da ordem preclusiva dos atos do procedimento ordinário brasileiro, que é rígido e não comporta retrocessos."5
Nos processos de execução, em que não há propriamente um momento de "saneamento", tem-se entendido que "já não caberá aditar subjetivamente a demanda, se chegado o momento dos embargos", como enfatiza CÂNDIDO DINAMARCO6 .
Anota o autor, ainda, que a jurisprudência tem se mantido "apegada à negação, em tese, da admissibilidade de acrescer o autor outros réus após a contestação, ainda que legitimados"7 .
Diante dessa realidade jurídica, não se afigura possível "redirecionar" execução contra o sócio após a citação da sociedade, para incluí-lo ao lado da empresa, no pólo passivo da ação. Por mais que se acredite estarem presentes os requisitos autorizadores da aplicação do artigo 135, III, do CTN, tal redirecionamento implicaria em permitir a formação de litisconsórcio facultativo passivo ulterior, por iniciativa do autor.
"O art. 41 coloca-se como componente do rol dos efeitos produzidos pelo início do processo", como bem pondera ARRUDA ALVIM, inserindo-se "como uma das manifestações da própria formação do processo. A regra consubstanciada é a da inadmissibilidade de quaisquer modificações, salvo as expressamente admitidas pelo sistema"10 . Segundo o autor, "fundamentalmente, o art. 41 objetiva garantir, durante a litispendência, e mesmo no processo de execução (art. 568, I) e cautelar, a estabilidade dos elementos subjetivos parciais integrantes do processo, salientando-se que essa garantia existe de um litigante em face do outro."11
A jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que "por força do princípio da estabilização subjetiva do processo, prestigiado nos arts. 41 e 264 do CPC, feita a citação validamente, não é mais possível alterar a composição dos pólos da relação jurídica processual, salvo as substituições permitidas por lei" (STJ - RESP. 151877 - 2ª TUrma - rel. Min. ADHEMAR MACIEL - j. 08/10/1998 - DJ 22/02/1999, p. 92)
O "desejo" ou "conveniência" da Fazenda, em incluir o sócio supostamente responsável "no lugar" da sociedade sem patrimônio penhorável (ou cujos bens se revelaram de difícil alienação), não é um desses "casos previstos em lei" a que alude o artigo 41 do Estatuto Processual. "E quais são estas substituições? O texto legal encarrega-se de responder em diversos dispositivos, mui especialmente nos arts. 41 a 45"12. Não havendo previsão a respeito da "sucessão processual" da sociedade pelo sócio, nas hipóteses do art. 135, III, do CTN, aplica-se a regra geral do art. 41 do CPC, que veda sua inclusão no processo após a citação da empresa.
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1 Zelmo Denari, Curso de Direito Tributário, Forense, 2ª ed., Rio, 1991, p. 269.
2 Zelmo Denari, Curso de Direito Tributário, Forense, 2ª ed., Rio, 1991, p. 270.
3 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense, 9ª ed., Rio, 1981, p. 225.
4 Confira-se, nesse sentido, explicação de Cândido Rangel Dinamarco, in Litisconsórcio, 6ª ed., Malheiros, pp. 321, in fine e 322.
5 Cândido Rangel Dinamarco, in Litisconsórcio, 6ª ed., Malheiros, p. 328
6 Cândido Rangel Dinamarco, in Litisconsórcio, 6ª ed., Malheiros, p. 328
7 Cândido Rangel Dinamarco, in Litisconsórcio, 6ª ed., Malheiros, p. 328
8 "Embora a lei fale em substituição, na verdade se trata de sucessão processual. Sucessão processual ocorre quando uma parte assume o lugar do litigante, tornando-se parte na relação jurídica processual" (. Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery, Código de Processo Civil Comentado, 7ª Ed., RT, p. 405.
9 Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery, Código de Processo Civil Comentado, 3ª Ed., RT, p. 319, ns. 3-4.
10 Arruda Alvim, Tratado de Direito Processual Civil, vol. 2, Ed. RT, São Paulo, 1996, pp 706-707.
11 Arruda Alvim, Tratado de Direito Processual Civil, vol. 2, Ed. RT, São Paulo, 1996, pp 712.
12 Edson Prata, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, Forense, 1987, p. 743, apud STJ - RESP. 151877 - 2ª Turma - rel. Min. ADHEMAR MACIEL - j. 08/10/1998 - DJ 22/02/1999, p. 92.
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*Advogado do escritório Abreu Sampaio Advocacia
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