Os novos passos da reforma do Código de Defesa do Consumidor
O advogado mostra alguns dos dispositivos do relatório produzido pela comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de atualização do CDC, tais como superendividamento, mínimo existencial e comércio eletrônico.
quarta-feira, 28 de março de 2012
Atualizado em 27 de março de 2012 14:34
Antes de realmente tratar da questão posta no título, aproveito para parabenizar todos os leitores e leitoras pelo "Dia Internacional do Consumidor", comemorado no último dia 15. Nunca é tarde para se parabenizar por data tão importante, sobre a qual já escrevi em outras oportunidades. Parabéns!
Pois bem, meu intuito neste artigo é mostrar alguns dispositivos interessantes que fazem parte do relatório entregue ao Senado Federal no último dia 14, produzido pela comissão de juristas encarregada de elaborar o anteprojeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor.
Essa comissão foi criada em 2010 e realizou, desde então, 37 audiências públicas, em diversos estados do país, no intuito de ouvir sugestões da sociedade, principalmente de operadores e instituições dedicados ao estudo do Código de Defesa do Consumidor. Pude presenciar a disposição do renomado grupo de juristas, na 1ª Audiência Pública do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), realizada em Belo Horizonte, em 25 de agosto do ano passado.
Num primeiro momento, lendo o relatório entregue no último dia 14, tive a sensação de que não houve muitas mudanças após essas 37 audiências públicas. Mas não vejo isso como ponto NEGATIVO. Não. Na verdade, a comissão de juristas encarregada da elaboração do anteprojeto é extremamente qualificada e, acima de tudo, experiente, conhecedora das necessidades de avanço na harmonização das relações de consumo travadas no país. É um time de estrelas, o Barcelona do Direito do Consumidor Brasileiro.
Dessa forma, vou buscar trazer aqui alguns pontos que não mencionei no meu artigo publicado no dia 25 de agosto do ano passado, sugerindo que, para melhor entendimento, deem uma lida no mesmo.
Todos os dispositivos que destaquei no artigo do ano passado sobre SUPERENDIVIDAMENTO foram mantidos. Comento agora outros, também de grande importância.
Se aprovada a reforma como sugerida, haverá, sem dúvida, maior poder do Estado para interferir, revisando operações de crédito que demonstrem ter sido estipuladas sem observância principalmente da informação e sem preocupação com capacidade de pagamento do consumidor tomador de crédito. Há previsão para a Justiça "dilatar prazos de pagamento, de modo a adequá-los, principalmente, à preservação do MÍNIMO EXISTENCIAL", "reduzir encargos da dívida e até a remuneração do fornecedor".
Veja a amplitude, o alcance da reforma que será proposta. Na prática será um grande desafio, caso aprovada. No entanto, teremos mais atribuições para um Poder Judiciário já sufocado, principalmente pela falta de investimentos do Poder Público. Haverá estrutura, criação, por exemplo, de juizados especiais de consumo? E quanto ao "mínimo existencial"? Como saber que mínimo é esse? Como adequá-lo caso a caso, consumidor por consumidor? Um grande desafio, realmente.
Ainda sobre o SUPERENDIVIDAMENTO, vale a pena destacar a sugestão de tornar absolutamente nulas, assim podendo ser declaradas de ofício pela Administração Pública e Poder Judiciário, cláusulas contratuais que contenham 07 (sete) práticas que ficam vedadas (ver artigo 54-E na íntegra). Importante destacar que esse conhecimento de ofício, conforme proposição, pode passar a ser o inciso VI do artigo quinto do CDC, que trata da execução da Política Nacional das Relações de Consumo.
Mas, fechando a questão do SUPERENDIVIDAMENTO, uma das mais importantes disposições da proposta de reforma entregue: a criação de um capítulo no CDC para criar a "CONCILIAÇÃO DO SUPERENDIVIDAMENTO". É, isso mesmo. Um processo de REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS instaurado pelo Poder Judiciário a pedido do consumidor SUPERENDIVIDADO e PESSOA FÍSICA, desde que se tratar de credores de DÍVIDAS NÃO PROFISSIONAIS, através da qual sairá um PLANO DE PAGAMENTO em prazo não SUPERIOR A 5 ANOS.
E esta CONCILIAÇÃO é realmente um desejo enorme dos autores da proposta de reforma, tanto que fizeram constar dispositivo segundo o qual A AUSÊNCIA INJUSTIFICADA DO CREDOR, ou de seu procurador, acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora. São as linhas gerais de assunto que vai ser, com certeza, demasiadamente discutido no Congresso Nacional.
Também sobre o COMÉRCIO ELETRÔNICO foram mantidos praticamente todos os PONTOS POSITIVOS que elenquei no artigo anterior.
Chamo a atenção, no entanto, para a proposição no sentido da "equiparação à contratação à distância" daquela transação em que o consumidor, embora contrate dentro do estabelecimento comercial, NÃO tenha acesso ao produto ou serviço adquirido. Neste caso é o acesso físico, contato, reconhecimento. Isso é muito importante, pois é comum acontecer de o consumidor ver uma peça em exposição, em perfeito funcionamento, e não é a que realmente vai levar para casa. Acontece, também, de o que é visto ter alguma característica que o realmente levado não tem. Com essa proteção, o consumidor passará a ter o prazo de 7 dias para desistir do produto ou serviço, nos moldes do já existente e consagrado DIREITO DE ARREPENDIMENTO do artigo 49 do CDC.
E, finalizando, vejo como muito positiva a proposta de criação de um novo tipo penal de consumo, com a criação do artigo 72-A do CDC, coibindo o uso indevido de dados dos consumidores sem o seu consentimento, com a previsão de pena de RECLUSÃO de um a quatro anos, e multa, para quem incorrer nessa prática.
Consumidores, muito há para se dizer sobre a reforma que vem aí. Tentei pinçar pontos que vi com maior destaque, sendo que a leitura deste artigo deve ser feita com a recapitulação do artigo que publiquei em agosto do ano passado (Como anda a reforma do Código de Defesa do Consumidor?). Lembro que a reforma também contempla novos dispositivos sobre as ações coletivas. Será importante futuramente discutir também esse tema. Li e gostei do que vi sobre ele nas sugestões encaminhadas ao Senado. Pelo espaço que tenho, fica para uma oportunidade futura.
Leitores e leitoras amigos, obrigado, sempre!
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* Leonardo Augusto Pires Soares é advogado do escritório Almeida, Soares & Albeny Advogados Associados, membro do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais, é secretário-geral e atual presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB de Coronel Fabriciano/MG. Participa do programa "A hora do consumidor" na Rádio Educadora AM 1010 e escreve para o Jornal Diário do Aço. Atualmente também colabora com a TV Cultura no programa "Momento do Consumidor"
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