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Mas não se pode escolher nem mais o táxi?

Mário André dos Santos Chaves de Oliveira

No início do mês, o MP carioca propôs uma ação civil pública contra as cooperativas de táxi especial para que não cobrem mais o dobro do preço dos comuns. Do ponto de vista do Direito, a ação viola princípios da Carta.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Atualizado em 17 de fevereiro de 2012 12:19

Mário André dos Santos Chaves de Oliveira

Mas não se pode escolher nem mais o táxi?

O noticiário dá conta que o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro recém propôs uma ação civil pública contra as cooperativas de táxi especial (Coopatur, Coopertramo, Cootramo, Royalcoop, Transcoopass, Transcootur e Táxi Graffiti) que atuam no aeroporto Tom Jobim visando a que os táxis especiais não cobrem mais o dobro do preço dos táxis comuns1.

Alega o MP, pelas notícias disponíveis, que os serviços prestados pelos táxis especiais não diferem dos realizados pelos táxis comuns, e que a justificativa dada para o preços dos táxis especiais diferir tanto dos comuns ser o fato do passageiro pagar o retorno do táxi vazio para o aeroporto (uma vez que eles não podem pegar passageiros fora do aeroporto) é inválida, pois tal condição constituiria cláusula abusiva e excessivamente onerosa ao consumidor. Ainda que não esteja explicitamente relatado no noticiário, presume-se que como o MP crê que os serviços sejam iguais, pretende que os táxis especiais não custem mais (ou apenas modicamente mais, talvez) que os táxis comuns. Até porque o MP expediu "recomendação" (alvissareiro instrumento que mereceria um artigo inteiro dedicado ao mesmo) para que a Prefeitura do Município do Rio de Janeiro revogue a legislação municipal autorizativa da categoria "táxi especial", inclusive de seu preço diferenciado (Portaria 12/66 e o Decreto 1148/77)

Assim, parece que o consumidor estaria sendo defendido da busca pelo lucro desenfreado que as cooperativas empreenderiam, e se garantiria a prestação do mesmo serviço por um preço muito mais acessível, com notáveis ganhos para o consumidor. Parece boa idéia, correto? Mas, lamentavelmente, não é.

Umas série de razões fáticas e jurídicas leva-nos a crer que a posição esposada pelo MPRJ está equivocada nesta questão.

Do ponto de vista dos fatos poderia se discutir se os serviços são realmente iguais. Há vários usuários do serviço (entre os quais me incluo) que crêem que exista uma diferenciação dos serviços, sendo o do táxi especial de melhor qualidade que o do táxi comum, todavia, este fato não é decisivo para o raciocínio que será empreendido.

O fato fulcral para analisarmos a questão é que o serviço de táxis especiais no aeroporto Tom Jobim sofre a concorrência do serviço de táxis comuns, prestados por uma cooperativa que atua naquele aeroporto cobrando aproximadamente metade do valor cobrado pelo táxi especial. Ou seja existe concorrência.

E embora, como já dissemos, a questão da diferenciação de serviços não ser primordial para o deslinde da presente quaestio, depõe a favor da diferenciação desses o fato de que as cooperativas de táxi especial até o momento não faliram todas, mesmo mediante a concorrência de um serviço que custa metade dos valores por elas cobrados.

Já do ponto de vista do direito deve ser colocado que, a uma, no Brasil vigoram os princípio de liberdade individual, autonomia privada, liberdade contratual e de contratar, livre concorrência e iniciativa, e liberdade empresarial, devendo a atividade regulatória do estado ser exercida de forma subsidiária, conforme pregam os artigos 5o. e 170 da Carta Magna, que restarão violados se as cooperativas de táxi especial forem obrigadas a cobrar o mesmo que as de táxi comum.

Tércio Sampaio Ferraz Junior, com base na lição de Miguel Reale, afirma que:

"Os mais autorizados intérpretes da Constituição de 1988 têm chamado a atenção para a importância da inserção, pela primeira vez, no ordenamento constitucional brasileiro, do conceito de livre iniciativa como fundamento da ordem econômica (art. 170) e não como um princípio que estaria no mesmo patamar daqueles princípios previstos nos incisos I a IX do art. 170 (função social da propriedade, soberania nacional, defesa do consumidor, pleno emprego, defesa da concorrência etc.). Mais do que isso, a Constituição coloca a livre iniciativa como um fundamento da própria República (art. 3°) (assim Miguel Reale, "A ordem Econômica Liberal na Constituição de 1988", in Constituição de 1988 - O Avanço do Retrocesso, org. Paulo Mercadante, Rio de Janeiro, 1990, p. 19)" 2

Paulo de Tarso Sanseverino, é ainda mais específico: "A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido espaço para outros princípios (como o da boa-fé), apresenta-se, ainda, como pedra angular do sistema de direito privado. Esse princípio sintetiza o poder reconhecido pela ordem jurídica aos particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente econômicos (autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos." 3

A duas, pois a existência no mercado de um serviço melhor, ou mais barato, não constitui defeito do serviço ou onerosidade excessiva, em havendo real concorrência., nos termos dos artigos 14 e 51 do Código de Defesa do Consumidor, afinal este não ressuscitou a finada (e já tardiamente) Comissão Interministerial de Preços.

Na ausência de concorrência, aplaude-se a ação das autoridades para manter a modicidade dos preços e proteger o consumidor (como fez o MP de Sergipe, que exigiu que no aeroporto local fosse instalado ponto de táxi comum para concorrer com os especiais)4, mas havendo escolha, deve ser respeitada a livre concorrência. Afinal, não se afigura razoável que o MP processe uma padaria requintada por vender um pão francês a R$ 1,00, quando outras vendem a R$ 0,40, nem uma manicure que cobre R$ 20,00 para fazer as unhas de uma freguesa, quando outras fazem por R$ 10,00.

Mesmo que o sistema de concorrência não estivesse funcionando bem, o que não é o caso, existem autoridades regulatórias na área concorrencial (CADE) que poderiam atuar em tal defeito do mercado, como aliás, já tiveram oportunidade de fazer no aeroporto de Brasília na década de 905.

Por isto se afigura equivocada a ação do MP. Na prática, seu único resultado será a extinção de um serviço legítimo que tem seu público consumidor, uma vez que se tiverem que cobrar o mesmo preço dos táxis comuns as cooperativas de táxi especial não terão qualquer incentivo a prestar um serviço diferenciado.

E aqui chegamos ao ponto nodal da questão - não o fato dos serviços serem ou não diferenciados, mas a quem cabe esta análise. O MP não tem o direito de arrogar-se como tutor de cidadãos capazes e suprimir sua liberdade de escolha. Não podemos ceder à tentação do Estado Babá6 e sim tomar nós próprios nossas decisões. Quem tem que decidir se o serviço de táxi especial vale o dobro do comum somos nós consumidores, e não o MP. Porque, repetimos, há opção! Quem quiser utilizar-se de um serviço pretensamente melhor e mais caro, utiliza o táxi especial, quem não quiser tem a opção de utilizar o táxi comum, mais barato. São poucos passos de distância um do outro. Querer suprimir a escolha de cidadãos capazes porque "o Estado sabe mais" é argumento de uma ideologia terrivelmente autoritária. É realmente muito triste que o Estado pense que seus cidadãos não tem a capacidade sequer de decidir que táxi querem pegar.

É por isso que temos que ter cuidado.. Nossa liberdade de escolha é muito importante para que abdiquemos tão singelamente dela. E mesmo que o MP esteja certo quando afirma que não existe diferença entre os serviços, e que as cooperativas de táxi especial não tenham falido até hoje por alguma razão mística, e quem decida pagar o dobro por um táxi especial não passe de um tolo, devemos lembrar as palavras de Chesterton: "O homem livre é seu próprio dono. Ele pode se prejudicar comendo ou bebendo; pode se arruinar jogando. Se ele o fizer, certamente é um tolo e possivelmente sua alma está perdida. Mas se não puder fazer, é um homem tão livre quanto um cachorro." 7

Assim, vamos torcer para que esta ideologia autoritária não prospere. Hoje o Estado quer escolher o tipo táxi que queremos pegar. Nesta toada, não tardará o dia que também quererá escolher o destino, e nossa liberdade de escolha cairá irremediavelmente na bandalha.

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1 Em: https://oglobo.globo.com/rio/mp-requer-que-cooperativas-de-taxis-especiais-nao-cobrem-em-dobro-para-transportar-passageiros-3916346

2 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio in O Poder Normativo das Agências Reguladoras à Luz do Princípio da Eficiência in ARAGÃO, Alexandre dos Santos(coord.). In O Poder Normativo das Agências Reguladoras. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, 2. tiragem, p.275.

3 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira, in Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a defesa do Fornecedor, Ed. Saraiva, 2a. Edição, pp. 35 e 36)

4 Aqui: https://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_consumidor-e-ordem-economica/mpf-se-processa-infraero-e-prefeitura-por-monopolio-de-taxis-no-aeroporto

5 Aqui: https://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2000/not20000914p9355.htm

6 HARSANY, David. O Estado Babá: como radicais, bons samaritanos, moralistas e outros burocratas cabeças-duras tentam infantilizar a sociedade. Rio de Janeiro: Litteris, 2011.

7 CHESTERTON, Gilbert Keith, apud HARSANYI, David in Op. Cit., p. 01

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* Mário André dos Santos Chaves de Oliveira é advogado do escritório Mario Oscar Oliveira & Advogados Associados

Mario Oscar Oliveira e Advogados Associados

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