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A favor da lei 8.009/90

Sobre a lei da impenhorabilidade do bem de família e as alterações previstas na reforma do CPC, na qual imóveis suntuosos deixarão de ser impenhoráveis, o advogado defende que, ao contrário do que muitos afirmam, a lei não protege o devedor ilíquido ou o insolvente, mas sim a família do devedor.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Atualizado em 2 de fevereiro de 2012 09:00

Sylvio do Amaral Rocha Filho

A favor da lei 8009/90

A lei 8.009/90 não veio defender o devedor ilíquido ou o devedor insolvente: ela veio defender a família do devedor, às vezes até dele mesmo, contrariamente ao que o pensa o vulgo ao imaginar quantas coisas escusas - nenhuma! - a tal lei acoberta.

Aliás, literalmente, na sua apresentação, ela dispõe sobre "a impenhorabilidade do bem de família" (e não do devedor contra seus credores).

O fundamento é a proteção da família independentemente de o pater famílias, ou os cônjuges, ou a entidade familiar, ter ou não se valido do disposto no art. 1.711 do CC, o que poderia ter feito, anteriormente, com a maior tranquilidade.

Assim quem negocia com alguém ou com uma empresa e com seus garantidores, sabe, de antemão, que as garantias vão até a calçada do local em que habita o contratante/contratado, que da calçada para dentro ele não pode dispor, pois estão garantidas a proteção, a tranquilidade e a dignidade da sua família (desprotegidos, claro, obras de artes, objetos suntuosos, luxuriantes, que sobrarem...). Não há como reclamar depois! Todos os bens do devedor garantem sua performance menos sua residência.

Pessoas mal intencionadas que ouviram dizer de quem ouviu dizer de quem não sabia nada a respeito, invocavam como grande argumento contrário o caso Banco Santos e a famosa residência, como prova da futilidade da lei 8.009: hoje a mansão está administrada pelos credores, pois não se enquadrava nos dispositivos legais, o que sepulta a questão.

Ao contrário: quem advogou nas décadas de 1970/80 sabe bem das dificuldades que enfrentava ao propor um acordo ao conglomerado credor e perceber que a recusa escondia a volúpia de um diretor que por si ou interposta pessoa tinha interesse na residência do devedor e criava dificuldades para se aproveitar de preço baixo ou vil, no leilão, para só depois discutir um acordo em cima do remanescente. Este é um dos, apenas um dos, aspectos benéficos da lei 8.009.

Pretendem, agora, alterar a lei de impenhorabilidade do bem de família.

Absurda tal pretensão que desestabilizará a dignidade do devedor e de sua família obtida somente a partir da lei 8.009/90.

Nunca deixar de lembrar que esta lei visa - antes de mais nada - a proteção da família do devedor, às vezes dele mesmo, e não a proteção do devedor sozinho, premiando-o.

Imóveis de alto valor são imensa exceção neste país.

Imóveis de valor razoável constituem a maioria dos bens da população normal.

No caso de um imóvel ser arrematado por 40% do seu valor, o que é regra no praceamento de imóveis, a quantia que sobrar poucas vezes aproveitará o credor, mas deixará a família do devedor sem casa, sem honra, sem dignidade e - ainda - com débito a saldar.

Nestes casos haverá vingança da sociedade e não satisfação do credor!

A família perderá o imóvel onde reside em paz, terá (eventualmente em uma das propostas) numerário para comprar outro imóvel de menor valor e o saldo remanescente de sua dívida permanecerá, sem qualquer alteração no "statu quo ante" a não ser a retirada violenta da família da casa onde morava.

Não há, portanto, qualquer reflexo prático nesta alteração da lei 8.009 a não ser pretensão vindicante.

Propõem alguns - nobre solução - que a impenhorabilidade recaia sobre mil salários mínimos, linearizando o Brasil continental: no sul de Minas Gerais a quantia parece adequada; no Rio de Janeiro não inicia qualquer negociação, salvo nos subúrbios; em Higienópolis em São paulo um apartamento de cem metros quadrados com dois quarto fica entre seiscentos e setecentos mil reais; na Vila Olímpia o mesmo apartamento não sai por menos de oitocentos mil reais/um milhão de reais.

Esta solução não é adequada, pois.

Cabe aqui um argumento mais refinado (que não terá entendimento de todos, portanto): a dignidade constitucional que tem que ser preservada é a da família no estágio em que estava antes da queda. Esta família não pode ser removida, deslocada, evacuada, de um lugar para outro, sem perda concomitante da dignidade que se quer preservar. A remoção provocará humilhação da família, perda de amigos, de contatos, de referência, acarretando principalmente nos filhos perda emocional irreparável que, dificilmente, será reposta no decorrer da vida. Ao contrário, a permanência no local de sempre permitirá à família, com calma, resolver seus problemas e partir para novas conquistas e superação, com amplo aproveitamento da sociedade (inclusive pagamento das dívidas pretéritas).

Advogados mais desavisados comemoram a Justiça do Trabalho como orientadora de nova postura por não aceitar como impenhoráveis imóveis suntuosos (O que são? Como se identificam? Por qual critério?) e que determina seu leilão com uma reserva de 30% do valor arrecadado (quase sempre 40% do valor de avaliação) para o devedor (que fica, pois, com 12% do valor de mercado de seu imóvel).

Legislam assim, e erradamente, os Juízes do Trabalho: criou-se um mito que diz que o Legislativo não legisla quando deve e que legisla mal quando cumpre com seu dever, logo o sábio Juiz do Trabalho em nome da sociedade que não o elegeu vai corrigir o equívoco.

Hoje esta situação revolucionária e rebelde não mais perdura e há vários Juízes do Trabalho acatando a lei 8.009 (e a Constituição, portanto!), com a postura digna que deveriam manter em sua condição.

Ora, sabe-se que nas Justiças cível e federal o devedor arcará com seu débito na medida de suas forças; a Justiça Federal do Trabalho criou outro jargão: se alguém deve, alguém pagará.

E qual o critério?

A mais sincera e singela definição do critério norteador foi dada no Jornal do TRT-SP : a Presidente do TRT da 2a Região, Juíza Maria Aparecida Pellegrina ao falar da presença do então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na inauguração do Fórum Trabalhista de 1a Instância de São Paulo disse: "Para nós será uma grande honra ter um Presidente da República que foi operário inaugurando essa Casa do Trabalhador", comemorou.

Pois bem: o obreiro sempre hipossuficiente merece proteção; há que se equilibrar a balança e o critério é investir contra o empresário voraz. E isto será feito na Casa do obreiro hipossuficiente, o Trabalhador.

Se o devedor original não tem bens, por uma nova conceituação do "Disregard of Legal Entity", cria-se uma cadeia sucessória que atinge o infinito e pode pegar desprevenido quem mui remotamente teve alguma ligação com o devedor original. Deste modo, com a nova interpretação da lei 8.009, este ser remotamente apanhado - e desavisado, não integrante do processo nem de sua fase executória - poderia perder sua casa de maneira cruel e repentina!

Várias vezes isto ocorreu.

Óbvio que esta situação também não pode persistir.

Novamente - diga-se - alguns Juízes, agora, repudiam esta solução e limitam-se à Lei.

Pergunto olhando nos olhos dos detratores da lei 8.009 (com o filósofo): qual sua sede, qual sua fome, qual seu objetivo escondido pelas belas palavras, pela bela retórica igualitária, invólucros edulcorados da sua verdadeira intenção?

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*Sylvio do Amaral Rocha Filho é sócio do escritório Amaral Rocha Sociedade de Advogados

 

 

 

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