Un certain regard sur reality shows
A advogada aponta que o formato de programas tipo reality show não tem proteção no Direito e, se o tivesse, seria via propriedade intelectual. Além disso, não merece proteção no direito autoral porque, tal como um método e uma ideia, as regras de jogos integram o inconsciente coletivo, retratam ações e atitudes corriqueiras, ou seja, "compra formato e paga royalties quem quer", afirma. "Pagar ´direitos de criação´ pela importação dessas brincadeiras é uma inversão danada de valores".
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Atualizado em 19 de janeiro de 2012 16:58
Eliane Abrão
Un certain regard sur reality shows
Mas, afinal, o que é um reality show? Um diário de intimidades, um documentário sobre confinamento, ou a simples transmissão de fatos, sem outra pretensão que a jornalística?
Obviamente a pergunta, neste espaço, mira resposta jurídica. Qualquer análise de conteúdo sobre os dois (não bastaria um!) exibidos pela TV aberta no Brasil, neste momento, será impublicável, embora difícil de vencer a tentação de apontar a farsa do "Mulheres Ricas" que, à exceção da hilária, e pseudomaluca, Narcisa T., exibe duas pobres, "tão pobres, mas tão pobres, que tudo o que possuem é só dinheiro", e duas ricas, cuja única vontade, dinheiro nenhum paga: o retorno à juventude física.
Como outros programas de TV, os realities são obras audiovisuais, que rendem dividendos a quem os produz, aos que os transmitem, aos que os comercializam, e aos participantes. Mas introduzem no mercado do entretenimento audiovisual televisivo um quarto personagem: o criador de formatos. Esse tipo de modelo de negócios (não passa disso) "pegou", tornando milionárias uma dúzia de empresas no mundo (com destaque para duas: Endemol, holandesa, e Cuatro Cabezas, argentina) que se dedicam a elaborar as regras desse jogo midiático.
Formato não tem proteção no Direito, e, se o tivesse, seria via propriedade intelectual. Não merece proteção no Direito autoral, porque, tal como um método, uma ideia, um sistema, as regras de jogos, pertence a todos e a ninguém, integram o inconsciente coletivo, retratam, sem retoques, ações e atitudes corriqueiras, vivenciadas por um certo grupo de pessoas. Como toda regra de jogo, ou como qualquer plano publicitário ou de sorteio, também não goza de proteção pela propriedade industrial, pelas mesmas razões. Os formatos, neste diapasão, encontram-se alinhavados por um elemento comum: a ideia, ou a plano que, quando não tem custo algum, este é baixíssimo, comparado a uma ação efetiva deles decorrentes. Deixam de ser meramente ideias quando se concretizam.
A confecção (produção) de uma obra audiovisual exige o esforço e o trabalho de inúmeras outras pessoas, além dos tais criadores de formatos, para sua gravação, edição e transmissão. Vale dizer, o custo é alto. Partindo de uma mesma ideia todo o segmento de audiovisual pode criar e produzir o seu reality show alicerçado nas mesmas ou em outras diferentes regras dos anteriores, porque diferentes as pessoas envolvidas, cada qual contribuindo com características personalíssimas, que lhes são próprias e intransmissíveis. A tendência de se fazer determinado programa (o formato e o enquadramento dos telejornais, da Al Jazira à NHK japonesa, passando pelas TVs da África do Sul, são rigorosamente os mesmos; o formato e o enquadramento dos seriados de violência-armas-assassinatos-serial killers, idem) não se confunde com concorrência desleal, por si só, uma vez que o Direito exige na sua tipificação o nexo de causalidade, e os pleitos indenizatórios, as provas do prejuízo.
Moral da história: compra formato e paga royalties quem quer. Agora, além de todos os custos de produção, ainda pagar "direitos de criação" pela importação dessas brincadeiras, é uma inversão danada de valores...
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* Eliane Abrão é advogada do escritório Eliane Y. Abrão, Advogados Associados
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