Trabalho à distância e subordinação. Exegese sadia da lei 12.551/11
A lei 12.551/11 que regulariza o trabalho à distância vem causando falsas impressões aos operadores do Direito em nosso país, afirma o desembargador do TRT da 3ª região. Ele esclarece que o trabalhador que desenvolve atividade por meios telemáticos ou informatizados para determinada pessoa, mas o faz em regime de total autonomia, não está inserido na malha tutelar da CLT.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Atualizado em 18 de janeiro de 2012 14:27
Julio Bernardo do Carmo
Trabalho à distância e subordinação. Exegese sadia da lei 12.551/11
A lei 12.551, de 15 de dezembro de 2011, vem causando falsas impressões aos operadores do direito em nosso país, principalmente quando afirmam que o mero exercício de trabalho por meios telemáticos e ou informatizados caracterizaria a relação de emprego e de roldão o direito do trabalhador de beneficiar-se de imediato de toda a malha protetora da Consolidação das Leis do Trabalho.
Nada mais falso.
Vejamos primeiro o que diz a lei 12.551/2011 para depois analisarmos sua consequência no âmbito laboral.
A lei 12.551/2011, como é consabido, altera a redação do artigo 6o da Consolidação das Leis do Trabalho, nestes termos :
Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
E o parágrafo único do mesmo dispositivo enfocado, com clareza solar, estatui que
"os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação juridica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".
Pelo caput do novo artigo 6o da Consolidação das Leis do Trabalho podemos perceber claramente que a relação de emprego pode ocorrer seja no estabelecimento do empregador, no domicílio do empregado ou em qualquer lugar, quando o trabalho for realizado a distância , por meios telemáticos ou informatizados, sendo que as três situações mencionadas no dispositivo em epígrafe partem do pressuposto de que, em quaisquer das modalidades de trabalho aventadas, por estarem presentes os requisitos gizados nos artigos 2o e 3o da CLT (pessoalidade, continuidade, subordinação juridica e econômica, inclusive a objetiva) o trabalho será desenvolvido sob a proteção da malha tutelar da Consolidação das Leis do Trabalho.
O parágrafo único do novo artigo 6o da Consolidação das Leis do Trabalho enfatiza que, uma vez existente a relação de emprego nas três modalidades citadas, não poderá haver entre elas discriminação na forma de exercício do poder de comando ou diretivo do empregador.
Nada mais lógico, uma vez que presente a relação de emprego, o seu figurante não poderá sofrer discriminação em relação a direitos sociais só pelo fato de desempenhar o seu trabalho por meios telemáticos ou informatizados, desde que esteja igualmente sob o guante e controle direto do empregador.
Esta é a razão de ser do parágrafo único do artigo 6o da Consolidação das Leis do Trabalho, cuja redação, com clareza solar, estatui que :
"os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação juridica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".
O que deve chamar a atenção do operador do direito quando fizer a exegese escorreita do parágrafo único do artigo 6o da Consolidação das Leis do Trabalho :
a) que a intenção do legislador foi, independentemente da forma como o trabalho é executado, desde que exista comando, controle e supervisão do empregador, garantir ao empregado a integralidade dos direitos sociais legalmente previstos ?
b) desde que o trabalhador esteja executando um trabalho em benefício de outrem por meios telemáticos ou informatizados, mesmo sem comando, controle e supervisão do empregador, o relacionamento jurídico aí travado será sempre o de emprego, com aplicação automática da malha tutelar da Consolidação das Leis do Trabalho ?
Como a relação de emprego e a garantia de gozo de direitos sociais por parte do trabalhador pressupõe a existência do poder diretivo ou de comando do empregador, nada mais lógico inteligir que nem todo trabalho executado por meios telemáticos ou informatizados será automaticamente classificado como relação de emprego, pois para que este ultimo relacionamento jurídico reste configurado será necessária a presença de todos os requisitos gizados nos artigos 2o e 3o da CLT, dentre eles, principalmente, o exercício do poder de comando do empregador.
Assim, se um trabalhador desenvolve atividade por meios telemáticos ou informatizados para uma determinada pessoa, física ou juridica, mas o faz em regime de total autonomia, a lei 12.551/2011 não incidirá neste tipo de trabalho.
Pouco importa que o trabalho supra mencionado seja realizado a distância, sob a forma de teletrabalho, pois não estando seu executor inserido no âmbito de uma relação de emprego, logo inalcançável pelo poder de comando ou diretivo do dador de trabalho, nenhum direito trabalhista ser-lhe-á assegurado, pois não se trata de empregado inserido na malha tutelar da CLT.
Ou seja, o que o parágrafo único do novo artigo 6° da Consolidação das Leis do Trabalho privilegia não é o trabalho realizado por meios telemáticos ou informatizados, apenas, e sim que tal trabalho, telemático e informatizado, seja prestado sob a forma de relação de emprego, devendo bem por isso estar presente o poder de comando do empregador para que o trabalhador possa invocar em seu prol a incidência de direitos sociais específicos.
Essas observações já são suficientes para deixar claro que, mesmo sendo empregado, o trabalhador que desenvolva suas atividades por meios telemáticos ou informatizados só poderá, por exemplo, exigir horas extras, quando, encerrada a jornada normal de labor, continuar sob o guante do poder diretivo ou de comando do empregador, que mediante ordens expressas, devidamente identificáveis, exerça qualquer espécie de controle ou supervisão sobre seu trabalho, exigindo-lhe a extrapolação da jornada de trabalho para que seja realizada ou completada determinada tarefa que lhe tenha sido confiada.
Pouco importa se, trabalhando a distância, porte o trabalhador celular, pessoal ou corporativo, lap top, pager ou qualquer outro equipamento informatizado, pois só terá direito a horas extras se restar plenamente evidenciado o comando, o controle ou a supervisão do empregador sobre suas atividades, como pode acontecer, v.g., com o envio de um e-mail, poucos minutos antes da jornada de trabalho ser encerrada, através do qual o empregador comande que o trabalhador continue exercendo sua atividade, ou lhe acometa nova tarefa, pois só assim, estando sob a supervisão e controle de seu patrão, é que poderá ser beneficiado com o direito à percepção de horas extras.
Dentro deste contexto continua em plena vigência a súmula n. 428 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que não tem direito a horas extras de sobreaviso o trabalhador que, sob a égide de uma relação de emprego, faça uso de aparelhos de intercomunicação ( telefone celular, BIP ou pager ), uma vez que o simples fato de portar tais equipamentos não gera por si só o direito do empregado receber horas extras, máxime quando não impõe obrigação de o trabalhador esperar em casa ou em qualquer compartimento onde execute seu labor, por algum chamado do empregador, podendo, desta forma, deslocar-se normalmente para onde lhe aprouver, até que venha a ser acionado pelo seu patrão.
A lei 12.551/2011 não impõe a revisão da súmula n. 428 do Colendo TST, simplesmente porque, como já enfatizado alhures, para que o empregado faça jus a horas extras, mesmo de sobreaviso, não é suficiente que porte qualquer equipamento informatizado e sim que receba ordens diretas do empregador para ampliar a sua jornada de trabalho, já que a nova lei condiciona o direito à percepção de todos os direitos sociais, em sua acepção plena, somente ao trabalhador que, ultimada a jornada de trabalho, continue sob o poder, controle ou supervisão do empregador.
O simples uso de aparelhos de intercomunicação (Bip, pager, lap-top, etc ) por parte do empregado não induz, jure et de jure, que esteja executando atividades em prol do empregador, sendo necessária para que o mesmo faça jus a horas extras, mesmo a de sobreaviso, a prova iniludível de que recebeu ordem direta do dador de trabalho neste sentido, e que, ipso facto, se encontrava durante o elastecimento da jornada de trabalho sob seu comando, controle ou spervisão.
Por esta razão não se pode de forma simplista afirmar que o trabalho realizado à distância é tempo de serviço cobrável automaticamente do empregador, já que uma coisa é o empregado encontrar-se à distância portando aparelhos de intercomunicação e outra bem distinta é encontrar-se no mesmo lugar, porém, desenvolvendo atividades em prol da empresa, por imposição de uma ordem dela emanada que denote plenamente que o seu labor continuou, após o término de sua jornada de trabalho, sob o poder diretivo do empregador, porque emanado diretamente de seu comando, supervisão ou controle.
Ou seja, havendo uma jornada de trabalho previamente estipulada, durante ela o empregado, trabalhando ou não, independentemente da forma como execute o seu labor, mesmo por meios telemáticos ou informatizados, estará sim à disposição do empregador, porque ajustada a jornada de trabalho o que se infere, jure et de jure, é que o trabalhador, durante seu decurso, esteja sempre à disposição do empregador, executando ou aguardando ordens.
Finda a jornada de trabalho contratualmente ajustada, a exigência de horas extras, mesmo de sobreaviso, por parte do empregado, pressupõe a existência de um comando de trabalho por parte do empregador, situação que abrange igualmente o trabalho a distância.1
Sem este grão de sal (poder de direção extravasado em ordens que impliquem comando, supervisão ou controle patronal) o mero uso de aparelhos de intercomunicação por parte do trabalhador é um zero à esquerda, sem qualquer significância no contexto da relação de emprego.
O que a nova lei 12.551/2011 pretende enfatizar é que não se pode fazer nenhuma discriminação entre o poder diretivo exercido pessoalmente pelo empregador ,no âmbito interno da empresa , daquele exercido por meios telemáticos ou informatizados, pois ambos se equiparam, singularidade que também conduz ao raciocínio de que, mesmo sendo o trabalho desenvolvido a distância (teletrabalho), não se pode prescindir do comando, supervisão ou controle do empregador sobre a atividade exercida pelo empregado para que sejam detonados fatos jurígenos granjeadores da percepção por este último de direitos sociais legalmente previstos.
O contrato de trabalho é um contrato-realidade, não porque altere a realidade das coisas, e sim porque preserva a realidade dos fatos.
Dentro deste contexto teleológico fica muito fácil inferir que, quem, mesmo a distância, utilizando aparelhos de intercomunicação, esteja cumprindo efetivamente ordens do empregador, sob sua manifesta supervisão, comando ou controle, faz jus à percepção de direitos sociais legalmente previstos, situação que difere totalmente daquele trabalhador que, por mera circunstância encontrando-se a distância, simplesmente porte aparelhos de intercomunicação, sem deles fazer uso por ordem expressa do empregador.
Este é o verdadeiro espírito da lei que deverá estar presente em toda e qualquer exegese que dela se queira fazer, sob pena de restar conspurcada a sua finalidade social.
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1 Em se tratando de trabalho realizado, sob a égide de relação de emprego, por trabalhador que se utilize exclusivamente de meios telemáticos ou de informatização, a situação pode na prática ficar bem complicada, quando por exemplo o trabalho é realizado por peça ou tarefa e não simplesmente dentro de uma jornada de trabalho específica prevista no contrato laboral. Neste contexto e em outros semelhantes o ideal é que o empregador crie um código digital através do qual se possa aferir o tempo trabalhado pelo empregado, isto quando seu labor for totalmente exercido por meios telemáticos ou digitais. Este código digital, que, aliás será muito útil em todo e qualquer espécie de trabalho telemático, poderá prevenir conflitos entre as partes, a par de remunerar de forma equitativa o trabalhador.
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*Julio Bernardo do Carmo é desembargador do TRT da 3ª região, integrante da 4ª turma e da 2ª SDI.
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