Execução de acordo de acionistas?
O advogado aponta que é incorreto o uso da palavra "execução" no que diz respeito a acordos de acionistas . Ele desenrola a matéria e esclarece que, ao contrário do que pode parecer, essa discussão não é meramente acadêmica.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Atualizado em 10 de janeiro de 2012 15:26
Guilherme Setoguti J. Pereira
Execução de acordo de acionistas?
É comum que se fale em execução específica de acordo de acionistas. Isso se deve não só ao art. 118, § 3º da lei das S.A. - que estabelece que "Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas" -, mas à doutrina e à jurisprudência, que já antes da promulgação da lei das S.A. - primeiro diploma a prever o pacto parassocial em nosso direito - empregavam a expressão. É, contudo, correto dizer que o acordo de acionistas deve ser executado?
Execução é termo equívoco e que pode assumir significados diversos. No léxico comum, o verbo executar pode ser encarado como um sinônimo para cumprir, efetivar, exercer. Fala-se, por exemplo, em executar uma tarefa ou executar um contrato. Em sentido técnico-jurídico, porém, executar é conceito processual e que significa a prática de (i) atos materiais de invasão patrimonial (penhora e expropriação, por exemplo) ou de (ii) pressão psicológica com vistas a obter o cumprimento de uma obrigação (multa diária, por exemplo). Com esse significado, execução só existe quando se está diante de sentença ou de outro título com conteúdo condenatório. Em qualquer outra hipótese, a rigor, é incorreto fazer menção a execução.
O acordo de acionistas é um contrato constituído entre acionistas de uma mesma companhia e que tem por objeto disciplinar direitos relativos à titularidade das ações. E embora o caput do art. 118 da lei das S.A. estabeleça que "os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede", dando a entender que só são admitidos os chamados acordos de bloqueio - relativos à cessão das ações - e acordos de voto - relativos ao direito de voto -, é possível a celebração de avenças com objetos diversos daqueles tipificados na lei. Na prática, todavia, os pactos mais comuns são aqueles dois.
Nessas modalidades mais rotineiras, os acordos de acionistas estipulam obrigações de fazer ou, mais especificamente, uma espécie de obrigações de fazer: as obrigações de prestar declaração de vontade. O acordo de venda e compra de ações ou de preferência para adquiri-las equivale a uma promessa de contratar e, portanto, de prestar declaração de vontade. Da mesma forma o acordo de voto, já que este, como sabido, é uma declaração de vontade que, unida às dos demais acionistas, culminará na deliberação social.
Diante disso, logo se vê que é incorreto falar-se em execução do acordo de acionistas: as obrigações de prestar declaração de vontade não são passíveis de execução, mas sim de efetivação por meio de uma sentença de conteúdo constitutivo, a qual conferirá os mesmos efeitos que decorreriam do cumprimento espontâneo do pacto parassocial. É como na adjudicação compulsória: tendo o comprador quitado o compromisso de venda e compra de um imóvel e recusando-se o devedor a lhe outorgar a escritura, aquele pode pedir ao Judiciário uma sentença que supra a declaração de vontade não concedida e que, assim, lhe transfira a propriedade do bem. A sentença que efetiva um acordo de acionista descumprido transfere as ações a que se obrigou o acionista inadimplente ou computa os votos deste, no sentido que fora ajustado com o outro sócio, exigindo apenas execução imprópria, isto é, a prática de pequenos atos formais, registrários, como, por exemplo, a transcrição no livro de cessão de ações. Trata-se, pois, de decisão constitutiva - criadora de efeitos novos na ordem jurídica -, e não condenatória. Por isso, não se pode falar, ao menos não propriamente, em execução de acordo de acionistas. E essa discussão, ao contrário do que pode parecer, está longe de ser meramente acadêmica.
A sua primeira relevância prática é a de que toda sentença constitutiva, em regra, produz efeitos apenas após o trânsito em julgado. Ou seja, enquanto não se esgotarem os recursos cabíveis - o que, na realidade da Justiça brasileira, pode demorar anos -, a sentença que, por exemplo, tiver constituído os votos em um dado sentido não valerá nada. Daí a importância de ser concedida tutela antecipada para que o acionista prejudicado possa, imediata e tempestivamente, fruir os direitos que foram afetados. Caso contrário, lhe estará sendo praticamente inviabilizado o exercício de seu direito.
Outra relevância diz respeito ao procedimento a ser adotado. Caso o acordo devesse ser "executado", deveriam ser seguidos os arts. 632 e 638 do CPC: o devedor seria instado a cumprir o acordo e, caso se recusasse, caberia ao juiz impor-lhe multa diária ou outra medida de pressão psicológica; em último caso, restaria apenas converter o descumprimento em indenização. Contudo, como não é caso de execução, o procedimento a ser seguido é o dos arts. 466-A e 466-B do CPC, que, embora incorretamente façam menção à condenação do devedor, devem ser interpretados de modo a que se peça ao juiz sentença de cunho constitutivo e que produza os mesmos efeitos estabelecidos no acordo.
Embora o nome que se atribui à demanda não influa em seu conteúdo, o mais correto é, portanto, que se peça ao Judiciário o cumprimento ou a efetivação do acordo de acionistas (e não a sua execução), mediante a emissão de uma sentença de conteúdo constitutivo. Além disso, importantíssimo é que se formule pedido de tutela antecipada, na petição inicial ou no curso do processo, sob pena de, levando-se anos para que sobrevenha o trânsito em julgado, a tutela jurisdicional venha a se revelar extemporânea e, logo, inútil.
* Guilherme Setoguti J. Pereira