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Pronto-socorro Judiciário

Os plantões do Judiciário tem se transformado em plantões médicos. Isto porque, não raro, aparecem pedidos de pessoas desesperadas que tentam, por via judicial, um atendimento médico que o Estado não consegue prestar. Isso é um fato já sabido, mas o que é que pensam os juízes sobre isso. Ouçamos a opinião, acompanhada de um estarrecedor relato, do magistrado mato-grossense.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Atualizado às 07:37

Gabriel da Silveira Matos

Pronto-socorro Judiciário

Estando de plantão no último sábado, eis que surge, às 20h30, na comarca na qual tenho a honra de exercer a magistratura, um pedido para que fosse judicialmente autorizada a transferência médica de uma jovem, casada e com filho, que estava à míngua no hospital municipal em estado gravíssimo, com insuficiência renal e precisando urgentemente de uma UTI com hemodiálise.

O leitor, certamente, irá perguntar se a cidade em questão não tem leitos de UTI. E respondo: sim, tem uma dezena deles. No entanto, estão fechados por falta de pagamento do Estado. Mas, mesmo se estivessem funcionando, infelizmente não possuem aparelho de hemodiálise.

De fato, embora a cidade tenha mais de 40 mil habitantes, e a hemodiálise, nos padrões que hoje se conhece, seja de meados dos anos 60, até hoje não se tem o milagroso aparelho na cidade, assim como em centenas de municípios brasileiros.

Enfim, voltando ao caso da jovem, a inicial do parquet dizia que foram baldadas as tentativas do médico responsável de arrumar leito na "Central de Regulação" na capital do Estado. A propósito, a chamada "Central de Regulação" é o órgão responsável por recolocar pacientes do Estado.

O fato é que antes até de fazer nova tentativa, pensei onde seria a UTI mais próxima. Consultando o mapa, e na região onde estou as distâncias são continentais, percebo que a UTI mais próxima ficava a 497 km. Feito isso, ligo para o Secretário Municipal de Saúde daquela localidade. Ele, apesar do adiantar da hora do sábado, me atende e diz que possui vaga em UTI e ainda o tal aparelho para o referido procedimento.

Organizada a vaga, defiro o pedido do MP e faço questão de ir acompanhar a saída da paciente, certificando-me pessoalmente que a transferência se deu.

Tudo isso, aqui narrado, parece ter transcorrido placidamente. Entretanto, foram algumas boas horas de exaustiva e desesperadora tentativa, haja vista a premente situação da jovem, fato este, aliás, que motivou a rápida atuação do integrante do Ministério Público.

O fato é que passados estes momentos passei a refletir se é esse o mister para o qual fui investido? Se é esse o ofício dos magistrados brasileiros?

Parece-me, salvo engano, que não. Não estamos aqui para sermos salvadores ou, quiçá, justiceiros. Não.

É certo, como ensinou Vicente Ráo, que o direito tende à proteção e ao aperfeiçoamento do homem. E nossa Carta Magna (clique aqui) já prevê que o direito à saúde é um dever do Estado.

E por que, então, não se efetiva esse Direito?

Dir-se-á que há uma judicialização da saúde. No entanto, ouso dizer em nome dos magistrados, que juiz nenhum gosta de obrigar o Estado a dar um remédio, a executar um procedimento médico, a internar um paciente. Nenhum. Faz-se isso a contragosto, porque isso não é tarefa do juiz. E o pior é que a cada dia essa situação vem se agravando: as ações não param de pipocar, e o atendimento não cessa de degringolar.

Os leitores talvez não compreendam essa narrativa, pois vivem, melhor dizendo, vivemos (de fato, eu também me incluo nesse rol, porque não é o momento para hipocrisia) a salvo do SUS, acastelados em nossos planos de saúde.

Mas a grande maioria da população, quando está mais fragilizada (moral e fisicamente), tem que correr, pessoalmente ou por meio de familiares, para o MP ou para a Defensoria Pública. Estes, por seu turno, correm para o Judiciário com petições feitas de afogadilho, comumente num átimo, sob a pressão psicológica do sangue vazando do paciente no leito hospitalar, ou da vida já quase exangue... Ora se isso não é a falência absoluta da gestão de um sistema que obviamente não foi feito para ser impulsionado por decisões liminares da Justiça, totalmente satisfativas, que funcionam como verdadeiras "carteiradas" para empurrar o paciente pra dentro de um nosocômio.

Isso, não se espantem leitores, quando há tempo hábil. Em grande número dos casos - em situações que podiam ser perfeitamente evitáveis - o pedido nem chega a ser feito, e quando o é, a decisão já não tem mais razão. O paciente se foi.

Qual será o fim disso?

No último domingo, depois da decisão que narrei no início (que foi mais uma entre tantas que, idênticas, diariamente aportam na Justiça), mais uma vez oficiei às inúmeras instituições que, acredito, poderiam se movimentar para, se não resolver, ao menos movimentar a engrenagem estatal para que possamos vislumbrar um futuro menos tenebroso como o que agora se apresenta.

Um país tão rico, que se prepara para ser a propalada 5ª economia do mundo, que tem "Planos de Aceleração de Crescimento", que se propôs a ser sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas, não pode mais conviver tal paradoxo.

Afinal, não pode a Justiça fazer as vezes de pronto-socorro hospitalar.

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*Gabriel da Silveira Matos é juiz de Direito no interior de Mato Grosso

 

 

 

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