Características gerais dos títulos de crédito, com foco nomercado financeiro
Novas formatações de operações no mercado financeiro de capitais surgem a cada dia, muito distintas entre si e ao mesmo tempo semelhantes. O advogado expõe as bases legais sobre as quais as operações de crédito são construídas e de que forma a confiança, que vai além da legislação, agrega segurança ao sistema financeiro.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Atualizado em 16 de dezembro de 2011 13:06
Leandro Machado Cunha
Características gerais dos títulos de crédito, com foco no mercado financeiro
Esta matéria tem por objetivo expor o norte a ser seguido e explorar bases legais sólidas sobre as quais as operações de crédito, estruturadas no âmbito do mercado financeiro nacional, devem ser construídas, considerando sua dinâmica e individualidade, em que estas, ainda que particularizadas aos interesses das partes, não devem nascer sem a devida observância ao arcabouço legal basilar que lhe conferirá sua sustentação necessária, sua existência e, por conseguinte, sua validade.
1. Introdução
Não raro se observa, a cada dia, a formatação de novas e inteligentes operações no Mercado Financeiro de Capitais, em que são originados títulos com diferentes tipos de obrigação, fluxos financeiros ou garantias. Entretanto, para todos estes documentos, podemos traçar características comuns que, com base em nossa legislação, conferem a estes títulos sua natureza inegável de "Título de Crédito", seja este previsto expressamente em nosso ordenamento ou formatado com base nas fixações de contratos e negociações em âmbito particular.
Mas, quais são esses princípios básicos que permitem que estes documentos possam trazer segurança ao mercado? O que prevê a Legislação quanto à formalidade que tais títulos devem observar?
2. Conceito
Primeiramente, iniciando nossas considerações, devemos conceituar o termo "Título de Crédito".
Nosso Código Civil Brasileiro, então vigente, baseia-se quase que literalmente na brilhante e suficiente definição dada pelo italiano César Vivante, que expôs: "...Título de Crédito é um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado."
Dada esta premissa inicial, notamos que estes títulos inserem-se sob o livro I da lei 10.406/02 (clique aqui), estando sob a luz do Direito das Obrigações que, fundamentalmente, assenta-se no festejado Princípio da Autonomia da Vontade.
Álvaro Villaça Azevedo, em sua obra "Teoria Geral das Obrigações" (Azevedo, 2004), deixa clara a premissa de que (in verbis) "o Direito das Obrigações, dos ramos do Direito Civil, é o que menos se torna sensível às mutações sociais." Em seguida, complementa que "entretanto, não se pode dizer que seja ele Imutável, pois o Direito não deixa de ser a própria vida social normatizada, regulamentada pelas normas."
Com as evoluções sociais e econômicas, surgem novas estruturas que, dada a sua complexidade, carecem de atenção especial tanto do legislador (que em seguida poderá prevê-las), quando daquele que julgará seus pleitos, uma vez que este necessitará reunir todo o arcabouço jurídico já construído e, por certas vezes, aplicar a analogia para julgar a validade e existência de um determinado negócio jurídico "novo".
Entretanto, ainda que seja este negócio jurídico, um título inovador, ele deve se ater às premissas básicas que lhe conferirão validade, e esta será a abordagem deste estudo.
2.1. Características Comuns
Conforme exposto acima, o Legislador, ao recepcionar a definição clássica do que seriam os "títulos de crédito", adicionou a previsão: "somente produz efeitos quando preencha os requisitos da Lei", ou seja, permitiu-se que cada título de crédito tenha características próprias que poderão ser dispostas pelo legislador.
Fundamentalmente, esses documentos deverão ser dotados de:
a) "Cartularidade", ou seja, deverão ser materializados por meio de instrumentos válidos, documentos em si, cártulas, os quais precisam ser portados para garantir e comprovar o direito de seu portador;
b) "Literalidade", já que o título deve carrear de forma clara a obrigação para a qual ele foi criado;
c) "Autonomia", não sendo estas obrigações eivadas por relações anteriores entre o credor e os devedores antecedentes, o que nos leva à segurança do negócio jurídico que possibilita o endosso do título ao mercado sem lhe embutir vicissitudes/vícios, conferindo-lhes, portanto, liquidez;
d) "Abstração", em que o título pode circular sem vinculação ao negócio que lhe deu origem; e
e) "Legalidade" ou "Tipicidade": Têm forma e existência definida em lei.
Assim os títulos de crédito podem ser constituídos, observando-se suas premissas básicas, as quais lhe conferirão a possibilidade de que o portador possa, em momento seguinte, endossar tal direito a terceiros ou mesmo cobrar a dívida, observando pressupostos próprios.
Surgem daí, dois princípios de grande importância: "Inoponibilidade das Exceções ao Terceiro de Boa Fé" e a "Abstração".
O portador que de boa fé recebe o título endossado, ou seja, tendo a cártula circulado no mercado, este não pode se ver impedido em seu direito por exceções levantadas pelo Devedor, cuja possibilidade de oposição de tais objeções apenas será efetiva caso o título ainda não tenha ainda circulado.
Lançando uma luz acerca das considerações acima, podemos entender que, em uma relação jurídica em que Tício, devedor de um determinado título, não honra com sua obrigação perante Mévio, portador endossatário do titulo em que Caio era Credor, Mévio tem direito pleno a receber de Tício o que lhe é de direito, independentemente se este informa que a relação jurídica firmada com "Caio" tenha sido prejudicada por vício. Esta afirmação poderia ser dotada de eficácia caso "Caio" ainda seja o portador do título que não chegou a correr em mercado.
De mesma sorte, os Títulos de Crédito, sendo representantes cartulares de um direito líquido e certo, devem observar outro princípio, qual seja, o formalismo, em que este deverá se revestir de todas as características trazidas pela Lei para que possa surtir seus efeitos.
Entretanto, situação diferente ocorre na Cessão Civil. Nesta o Cessionário, ou seja, aquele que recebe o título cedido, adquire todos os direitos do Credor. Entretanto o Devedor poderá sim opor suas exceções, ou seja, hipóteses que podem macular o título em sua origem (vícios de vontade, conforme artigos 138 e seguintes, artigo 145 e seguintes e artigo 151 e seguintes, todos do Código Civil Brasileiro - clique aqui).
Enquanto que no Endosso (cujas modalidades veremos abaixo) o Endossante responde pelo valor em questão (podendo demandar regressivamente o devedor original), bem como fica dispensada a prévia anuência do Devedor, na Cessão Civil o cedente responde pela inexistência do crédito, e não por seu valor, não restando por coobrigado, podendo ainda sofrer com a exceções oponíveis pelo Devedor Original.
2.2. O Mercado Financeiro Nacional
Conforme foi exposto acima, desde a fixação dos primeiros acordos na antiguidade, consolidada a natureza das obrigações cíveis pelo Direito Romano, o Direito Civil, em sua dinâmica, tem acompanhado a formatação de novos títulos, conferindo-lhes o "formalismo" para garantir ao mercado, sua segurança jurídica.
O Mercado Financeiro é basicamente movido por "Confiança", ou seja, a confiança de que os títulos que circulam por sua estrutura são limpos e válidos, conferindo-lhes, então, sua liquidez.
Parte dessa certeza advém da estrutura da operação que foi realizada, com suas garantias devidamente registradas e fluxo totalmente definido. Entretanto, mais do que a própria estrutura da operação, a confiabilidade surge dos princípios que dão sustentação a essas estruturas.
Pode-se dizer que o mercado financeiro é regulado não apenas pelos normativos emitidos pelos órgãos reguladores ou autorreguladores. Existe ainda um intrincado sistema de normas "periféricas" que não podem ser olvidadas, cuja necessidade é ímpar.
Diversos, senão todos, os títulos vendidos no mercado ou estruturados para investidores, sejam estes simples, qualificados ou super qualificados, têm como lastro (base) outros títulos de crédito, nascidos em momento anterior, que deram origem ao nascimento destes novos títulos.
Citamos aqui o exemplo dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (regidos pela Lei 9.514/97 - clique aqui), que podem ter como lastro Cédulas de Crédito Imobiliário, nascidas de recebíveis originados no mercado imobiliário (contratos de aluguel, por exemplo). Ou mesmo Cédulas de Crédito Bancário (Lei 10.931/04 - clique aqui), que pode ter lastro em recebíveis originados em Contratos de Prestação de Serviços, Duplicatas, dentre outros documentos. Também os FIDC's - Fundos de Investimento em Direitos Creditórios -, cujas cotas são integralmente voltadas aos Direito de Crédito propriamente ditos.
Que seriam de tais títulos compostos e genialmente originados se os documentos que lhe davam base forem tidos por "Nulos" de pleno Direito? Ou forem "Anulados" posteriormente?
O Mercado, como um todo, assenta-se nesta "confiança", daí umas das razões de sua flutuação: O aumento ou queda da confiança do Investidor, que injeta recursos ou os retira de circulação.
Dentro disso, devemos considerar que, essencialmente e independentemente de sua "nomenclatura", os títulos de créditos podem ser executados extrajudicialmente. Ou seja, não é necessária a movimentação da máquina judiciária em processo de conhecimento quando se tem um título devidamente formalizado, dentro dos princípios que lhe conferem validade.
Aliado ao que acima foi exposto, sendo este título "cartular" e "literal", todos os termos, incluindo o montante devido, estão lá determinados, o que dispensa processo para apuração de responsabilidades e/ou valores originados.
2.2.1. Garantias
Distribuída a execução, o credor pode chamar, para satisfação de seu crédito, as garantias oferecidas pelo Devedor, que poderiam ser:
REAIS - Nesta modalidade de garantia, o devedor destina parte de seu patrimônio para garantir a emissão e cumprimento do título, estando compreendidos o Penhor, a Alienação Fiduciária, a Anticrese e a Hipoteca. Estes dois últimos institutos têm pouca utilização. Em particular, a Anticrese não permite o Jus Vendendi, mas sim, o Jus Fruendi do imóvel, pelo qual, o imóvel não pode ser vendido, mas sim, usufruído pelo Credor, que lhe retirará os frutos para quitação das PMT's da Dívida. A Hipoteca, por seu turno, também tem pouco exercício em nosso país, já que não foi abrangida nas hipóteses de exclusão em Recuperação Judicial ou Falência do devedor Pessoa Jurídica.
Dentre estas, a mais utilizada para bens imóveis é a Alienação Fiduciária, disposta na lei 9.514/1997. Sua instrumentalização não possui alto grau de complexidade, assim como sua execução, já que esta pode ser integralmente notarial. Após "bifurcada" a propriedade com a fixação desta garantia, o bem imóvel não participa da recuperação judicial ou falência eventualmente sofrida pela Pessoa Jurídica devedora.
Em decisão bastante recente contida no processo 0107850-18.2011.8.05.0001, no despacho proferido no dia 25/11/2011, o Juiz da 28ª Vara dos Feitos de Rel. de Cons. Civ. e Comerciais - Salvador, expõe com propriedade a questão "FIDUCIÁRIA" (Recuperação Judicial, 2011):
(...) Os bens são coisas materiais (corpóreos), concretas, de utilidade para o homem e com expressão econômica, portanto, suscetíveis de apropriação, onde se incluem também as de existência imaterial (incorpóreos) economicamente apreciáveis. Bens corpóreos são os suscetíveis de existência física, com isso podem ser tangidos pelo homem. Bens incorpóreos são os que têm existência abstrata, mas de valor econômico, como o direito autoral, o crédito, a sucessão aberta etc. Os bens têm alcance amplo, isto é, sobre todos os objetos que são suscetíveis de valor econômico, enquanto coisa tem restrição aos bens corpóreos. O Código Civil de 1916 não fez distinção entre os termos COISA e BEM, todavia, ora usava um, ora utilizava outro, ao se referir ao objeto do direito. Entrementes, o novo Código Civil, por seu turno, utiliza sempre, na parte geral, a expressão BENS. Como o Código Civil vigente não fez alusão ao termo coisa, esta se encontra abrangida pela nomenclatura bem, com isso ambos devem ser considerados como sinônimos. Dessarte, não havendo divergência sobre o conceito de "BENS MÓVEIS" na doutrina pátria, compreendo que a cessão fiduciária de direitos creditórios sobre coisas móveis esteja adstrita ao adminículo jurídico do art.49, parágrafo 3.º, da Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, ou seja, por serem os direitos de crédito bens móveis para os efeitos legais, a teor do art.83, inciso III, do CC.
(PAULO ALBIANI ALVES - JUIZ DE DIREITO)
FIDEJUSSÓRIAS - Do latim fidejussio, proveniente de fidejubere, são garantias pessoais prestadas por terceiro garantidor, seja ele pessoa física ou jurídica. Temos aqui a figura do Avalista. O Aval é a principal garantia fidejussória aplicável aos Títulos de Crédito que, por sua autonomia, não permite a oposição de exceções pelo garantidor no que se refere ao título principal.
3. Conclusão
O Mercado Financeiro em si, é constituído com base em confiança no que se refere ao cumprimento das obrigações firmadas pelos títulos de crédito, os quais, por sua vez, nada seriam sem os princípios norteadores que lhe atribuem validade para resguardar o direito de seus participantes.
Com isso, a estrutura intrincada e dinâmica dos novos títulos de crédito que, dia a dia, nascem em nosso mercado financeiro, ainda está adstrita às leis básicas que, sem elas e sem o apoio de um advogado ou assessor jurídico hábil a observá-las, pode nascer daí um título maculado que pode prejudicar o investidor, razão pela qual, este trabalho teve por objetivo resgatar tais normas de base.
In Fine, mostramos que a dinâmica do mundo jurídico ocorre com o movimento de duas pontas distintas: A ponta vanguardista e a ponta clássica, cujas velocidades ão diferentes, sem entretanto, perderem-se de vista, o que resultaria na criação de uma mera ilusão de um "bom direito", sem a devida validade.
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Bibliografia
Azevedo, A. V. (2004). Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Atlas S.A.
Gonçalves, F. A. (29 de 07 de 2008). Título de crédito dá às partes relação comercial eficaz. Consultor Jurídico .
Recuperação Judicial, 01078501820118050001 (28ª Vara dos Feitos de Re. de Cons. Civ. e Comerciais Novembro de 2011).
UQBAR. (2009). Títulos de Crédito no Mercado de Finanças Estruturadas Brasileiro.
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* Leandro Machado Cunha é advogado em Mercado Financeiro pela BI|Invest
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