As manobras de parlamentares em prol da impunidade
Assistimos estupefatos, descrentes e aturdidos ao deflagrar de uma manobra ardilosa, com esteio na lei, protagonizada pelo deputado Federal Waldemar da Costa Neto, do PL, que tende a ensejar, em cascata, outras tantas do mesmo jaez, frustando a opinião pública em momento crucial da vida política nacional e obsequiando a impunidade que de há muito campeia no País.
terça-feira, 2 de agosto de 2005
Atualizado às 08:52
As manobras de parlamentares em prol da impunidade
Gustavo Adolfo Hasselmann*
Assistimos estupefatos, descrentes e aturdidos ao deflagrar de uma manobra ardilosa, com esteio na lei, protagonizada pelo deputado Federal Valdemar da Costa Neto, do PL, que tende a ensejar, em cascata, outras tantas do mesmo jaez, frustando a opinião pública em momento crucial da vida política nacional e obsequiando a impunidade que de há muito campeia no País. Referimo-nos à sua renúncia ao mandato de depuitado federal, o que corrobora a denúncia do Deputado Roberto Jefferson e o exime do julgamento, pelo Conselho de Ética da Câmara, que culminaria, certamente, com a sua cassação, a exemplo de outros episódios (anões do orçamento, escândalo do painel eletrônico, Jader Barbalho etc) que tanto denegriram a imagem do País.
Essa postura vil, num momento em que se espera, malgrado a grave crise de credibilidade nas instituições, notadamente no Parlamento, refundar a República, com profundas mudanças estruturais, sobretudo a famigerada reforma política, frise-se, não nos moldes em que tramita no Congresso, está escudada em lei que permite ao renunciante, ao evitar a cassação do mandato, não perder os seus direitos políticos e submeter-se, logo em seguida , ao voto popular em nova eleição, o que fará, efetivamente, que tudo termine em pizza.
No diapasão de novas medidas legislativas e administrativas estruturais e fundantes que seguramente, ao fim e ao cabo, decorrerão da presente crise política (as crises são dolorosas, mas dão azo importantes mudanças estruturais e ao amadurecimento da população), nada mais oportuno que banir do nosso meio político e jurídico tão nefando estratagema. As alterações legislativas nessa senda longe de atentarem contra a democracia (dir-se-ia o povo tem o governo que merece e, portanto, tem o direito de errar nas urnas), reverenciam o sistema republicano, as moralidades e probidades administrativas, a cidadania etc., princípios estes insculpidos na Carta da República e que gozam de extrema preeminência em sua tessitura. Sabemos, e a prática demonstra, que o voto popular não é infalível e indene a críticas, métodos outros existindo, em nosso ordenamento jurídico, que exaltam e homenageiam a democracia direta, como o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de leis e a pressão no parlamento de segmentos organizados da sociedade civil. Ademais, medida coibindo a reeleição de corruptos, por prazos dilargados, como no caso do impeachement do Presidente da República (cassação dos direitos políticos pelo prazo de oito anos) ou para sempre, seriam veiculados legitimamente por lei votada pelos próprios representantes do povo e porque não já, agora, imediatamente, na reforma política que se colima e se afigura imprescindível.
Não nos esqueçamos do caso Collor, em que o Presidente do Supremo na época, o eminente Ministro do STF Sidney Sanches, acolhendo questão de ordem suscitada após a renúncia do Presidente da República, segundo a qual a renúncia obstaria a cassação dos direitos políticos daquele, pois não havendo mais Presidente não se haveria que se excogitar da aplicação de tal sanção, de acordo com a tese de que o principal segue a sorte do acessório. O eminente Ministro do STF, que presidia o Senado no Impeachement, á vista da lacunosa e vetusta lei de regência desse instituto político - jurídico extremo, não recepcionado em muitos aspectos pela CF de 1988, após consultar renomados juristas, inclusive o seu ilustre colega e par Celso de Mello, segundo ele próprio declarou em entrevista à TV Justiça, no programa intitulado " Biografias", submeteu a decisão ao plenário do Senado, que determinou a cassação dos direitos políticos do então Presidente por 8 anos, decisão esta , embora tentativas malogradas, não reformada pelo STF.
Fica a indagação: porque dois pesos e duas medidas, máxime em se tratando, naquele caso, da mais alta Autoridade do País? Urge, pois, dentro da reforma política e, salvo engano, dando seguimento a projeto que já tramita no parlamento, coibir tal prática logo, expulsando da vida pública delinqüentes que malversam, às escancaras, o dinheiro público, resgatando da população a credibilidade, tão debilitada nesse momento, nas instituições, e fazendo com que tudo, realmente, não termine em pizza.
Conclamamos a população, a OAB o Ministério Público, o Judiciário, a sociedade civil organizada e próprio Parlamento para a luta e alcance desse desiderato impostergável.
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*Procurador do município do Salvador - BA e advogado militante
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