Valor da reparação por dano moral no TJ/SP: critério ou desestímulo?
O artigo vale-se de recentes decisões do Tribunal bandeirante para discutir o valor arbitrado para indenizações por danos morais.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Atualizado em 18 de novembro de 2011 11:49
Eduardo Dietrich e Trigueiros
Valor da reparação por dano moral no TJ/SP: critério ou desestímulo?
A tese da função punitiva do dano moral, que remete ao autor do ato ilícito a obrigatoriedade de arcar com valor que lhe ensine a não reincidir, defendida por Bittar e outros, não vingou na jurisprudência.
A posição do TJ/SP, quando da promulgação da Constituição de 88 (clique aqui), foi a de excessivo comedimento na valoração das indenizações a esse título, dando claro recado às partes de que, em São Paulo, a "indústria do dano moral", ao contrário do que ocorre nos EUA, não frutificaria.
De lá para cá, com algumas exceções, observo que há um parâmetro que se firmou na Corte de São Paulo, não escrito em nenhum regimento, de que há um máximo de cinquenta mil reais possíveis à parte de obter a título de reparação por dano moral.
Levando-se em conta o tempo que leva uma ação judicial até ser julgada em grau de apelação, somado ao valor magro das indenizações por dano moral no TJ/SP (qualquer coisa por volta dos trinta mil, em casos extremos), tem-se que, na prática, não vale a pena pagar advogado e custear uma ação exclusivamente objetivando receber danos morais em São Paulo.
É daquelas coisas que existem como direito mais no papel do que na prática, e que só é viável quando conjugada com outros pedidos, dentro de uma mesma ação judicial.
Mas esse teto, que coincide mais ou menos com o salário de um ministro do STF, encontra exceções, como a exceção de uma indenização fixada em 200 salários mínimos a uma magistrada, noticiada recentemente no website do TJ/SP: "A 4ª câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve hoje (10) condenação por danos morais no valor de R$ 109 mil contra advogado que ofendeu uma magistrada. [...] O desembargador Zelinschi encerrou seu voto ressaltando que "a urbanidade no tratamento entre os operadores de Direito deve estar sempre presente, a fim de impedir episódios como o ocorrido, o que é lamentável, sendo desejável que se evite a reiteração do acontecido."
Entretanto a regra do desestímulo fez-se presente neste outro julgamento, em que a indenização foi fixada de 15 salários mínimos, ou 8 mil e poucos reais, também noticiado, algumas semanas antes, no website do TJ/SP:
"A 2ª câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de aumento de indenização a um casal que teve fotos do cadáver da filha divulgadas pela Empresa Jornalística Diário de Assis Ltda. N.R. e O.F.O.R. ajuizaram ação de indenização por danos morais alegando que a empresa publicou na capa do jornal fotos com partes do corpo e do caixão onde foi colocada sua filha, após ser encontrada por policiais em estado de decomposição e parcialmente queimada. A empresa ainda publicou na página 5 do jornal fotos amplas, expondo o corpo da filha em decomposição, fotos de quando era viva, além de comentários sobre a vida pessoal da falecida. O casal informou que em nenhum momento foi procurado para prestar informações ou autorizar a divulgação das fotos, que as imagens em decomposição serviram apenas para atrair compradores para o jornal e que ao verem as fotografias, sofreram choque emocional e psicológico graves, pois estavam sofrendo pela perda da filha. Por isso, pediam indenização de 500 salários-mínimos. A decisão de 1ª instância julgou a ação parcialmente procedente para condenar a empresa ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 15 salários-mínimos.[...]"
Agora, publica o mesmo website, mais uma exceção, de metade do valor da primeira, que foi de 109 mil reais, fixando em 50 mil reais os danos morais no seguinte caso:
"A 3ª câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 7ª vara Cível de Osasco para condenar o Hospital e Maternidade Montreal a pagar indenização por danos materiais e morais à mãe de um bebê recém-nascido que teve paralisia cerebral em razão de negligência na prestação dos serviços. De acordo com a inicial, a mãe foi submetida a uma cesariana aos sete meses de gestação. Apesar de prematura, a criança nasceu bem para o tempo gestacional, mas apresentou imaturidade pulmonar e foi encaminhada à UTI neonatal. O tratamento era de alto custo e foi condicionado à apresentação prévia de garantias, uma vez que os serviços do hospital foram contratados sem a intermediação do plano de saúde. A mãe acusou o hospital de ter transferido sua filha para enfermaria e prestado atendimento precário para minimizar os custos do tratamento. O bebê não teria recebido a assistência médica adequada, o que contribuiu para a piora de seu estado de saúde, tendo o quadro evoluído e ocorrido a paralisia cerebral. A menina vive de modo vegetativo, sem expectativa de normalidade. O desembargador Jesus Lofrano, relator do recurso, afirmou em seu voto que a prova produzida no processo indica que a criança não teve o acompanhamento médico correto. A perícia concluiu que foram poucas as visitas médicas (apenas uma vez ao dia) e não havia monitoração da frequência cardíaca, entre outras deficiências. O hospital deverá arcar com todos os gastos realizados em benefício do tratamento da criança (consultas médicas, medicamentos, equipamentos ortopédicos, serviços de enfermagem, fisioterapia e fonoaudiólogo), além de R$ 50 mil a título de indenização por danos morais. Também votaram a favor da manutenção da decisão de primeiro grau os desembargadores Donegá Morandini e Beretta da Silveira."
Tenha-se esse outro exemplo em mente (fonte - website TJ/SP):
"A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu o valor da indenização a ser paga pela empresa Construdecor S/A a um cliente acusado de furto. O autor alegou que, em agosto de 2008, dirigiu-se a uma das lojas de construção da empresa para comprar tomadas. Não encontrou o que procurava e ao sair do estabelecimento foi abordado por seguranças do local, suspeito de furto. Afirmou, ainda, que foi abordado bruscamente e os funcionários gritavam que ele havia subtraído mercadorias e que precisava ser revistado, chamando a atenção de todos os clientes ali presentes. Revistado na frente dos demais fregueses do estabelecimento comercial, constatou-se que nada havia furtado. Pelo constrangimento sofrido, pleiteou indenização pelo dano moral ocasionado. A decisão de 1ª instância julgou a ação procedente para condenar a empresa requerida ao pagamento de R$ 15 mil reais ao autor. Ainda de acordo com o magistrado, "patente o constrangimento e humilhação suportados pelo autor, taxado injustamente de criminoso diante dos inúmeros funcionários e clientes da empresa ré, o que enseja, sem dúvidas, o direito à reparação moral. O valor arbitrado em R$ 15 mil, porém, merece redução. Considerando que a indenização por danos morais deve ter um caráter intimidativo e compensatório, sem, porém, implicar em enriquecimento do ofendido, reputo razoável o montante de R$ 10 mil", concluiu. "Os desembargadores Roberto Solimene e Percival Nogueira também participaram do julgamento e acompanharam o voto do relator, dando provimento em parte ao apelo, apenas para reduzir o valor indenizatório fixado."
O valor exíguo das indenizações por dano moral deveria, assim, ser repensado, pois se existe um direito ele deve encontrar também no Judiciário paulista condições de ser exercido, o que não ocorre hoje, dada a conjunção dos fatores valor baixo + tempo de tramitação.
É só dessa forma que as exceções seriam estendidas a todos os sujeitos de direito.
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*Eduardo Dietrich e Trigueiros é advogado do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados
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