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Direção biônica nos Tribunais

O desembargador critica o processo eleitoral da mesa diretora dos Tribunais brasileiros por considerá-lo antidemocrático e atrasado, sendo resquício de um sistema implantado pela ditadura militar.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Atualizado em 16 de novembro de 2011 16:40

Antonio Pessoa Cardoso

Direção biônica nos Tribunais

São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso tentaram inserir a prática democrática de escolha da mesa diretora nos Tribunais de Justiça; São Paulo através de Emenda à Constituição do Estado; os outros por meio de interpretações da lei 35/79 (clique aqui), compatíveis com a realidade atual, baixando Regimentos Internos.

O processo eleitoral nos Tribunais de Justiça e em todos os Tribunais superiores é antidemocrático e atrasado, resquício do sistema implantado pela ditadura militar em 1964. Afinal, não se pode considerar democrático um sistema que não busca nem respeita a vontade da maioria para escolha de seu comando político administrativo.

O pior é que o Executivo e o Legislativo modernizaram-se e acompanharam os avanços democráticos da Constituição Cidadã (clique aqui), enquanto o Judiciário manteve os princípios de escolhas de governantes, semelhante ao período negro do Brasil, quando se criou os prefeitos, governadores e senadores biônicos, porque o presidente apontava os nomes e eram referendados por seus áulicos. O mesmo governo que editou o denominado Pacote de Abril/1977, criando absurdos democráticos, fez aprovar a Lei Orgânica da Magistratura, lei 35 de 14 de março de 1979, pela qual o presidente e os outros membros das diretorias dos Tribunais de Justiça deveriam ser formados, em obediência a regras inadequadas para um país democrático.

Em decisões sobre o assunto, o STF tem entendido que a Constituição recepcionou essa lei, elaborada durante o regime militar, apesar de seu nítido caráter ditatorial; alguns dispositivos da norma foram reformados porque inaplicáveis face à nova realidade, a exemplo daquele que proíbe juízes de dar entrevistas ou o que determina que as sessões administrativas dos tribunais sempre sejam secretas. Sob o regime da lei 35/79, o presidente do Tribunal limitava-se a ser mero representante do Poder; a Constituição atual consignou autonomia financeira para possibilitar a administração de orçamentos que passam às vezes de um bilhão de reais.

É incompreensível a sistemática adotada, pois como prever eleição e, ao mesmo tempo, fixar que só podem ser postulantes os cinco desembargadores mais antigos, num universo de 360, como é o caso de São Paulo. Se for eleição democrática não se pode excluir nenhum dos membros da Corte, mas se é indicação biônica está correto o sistema e o Judiciário mantém essa esdrúxula forma de escolha da diretoria dos Tribunais. O conceito do termo eleição não aceita a interpretação oferecida de selecionar um grupo que pode ser eleito e rejeitar outro que pode votar, mas não pode ser eleitos.

Afinal trata-se de eleição ou de indicação?

Os desembargadores e somente eles, minoria entre os magistrados, reúnem-se e escolhem, entre os cinco mais velhos na carreira, o presidente, vices e corregedores. Estes irão governar os juízes e os serventuários da Justiça, liderando um universo de mais de dez (10) mil pessoas diretamente beneficiados ou atingidas pelos seus atos.

É a forma que se encontrou para a continuidade dos governos nos Tribunais sem a oxigenação e renovação que tanto se reclama.

O STF segue interpretando a lei pela sua literalidade, sem adentrar nas mudanças havidas entre o período ditatorial e a atualidade democrática, implantada pela Constituição de 1988, que não repetiu o texto constitucional de 1967/69; enquanto nesta, emenda 1/69, parágrafo único, art. 112, havia clara determinação para que fosse observada a LC 35/79, art. 102, para a eleição da diretoria dos Tribunais, a Constituição atual omite sobre o tema. A Lei Orgânica da Magistratura não admite eleição livre e ampla para escolha dos membros de direção dos Tribunais, guardando perfeita sintonia com os princípios ditatórias da época; pelo contrário, determina forma esdrúxula de escolha do presidente e membros da cúpula que se processa através da votação somente nos cinco mais antigos desembargadores ou ministros; além de enumerar quem pode ser candidato, a lei limita o número de quem pode votar, não aceitando juízes de primeira instância e servidores, mas apenas os desembargadores ou ministros de cada Tribunal.

Interessante é que a culpa por essa situação não é do legislador nem do Executivo, mas do próprio Judiciário, porque desde 1988 deveria tomar a iniciativa constitucional de elaborar e remeter um anteprojeto de lei complementar ao Congresso Nacional que votaria o novo Estatuto da Magistratura, em substituição àquele gerado na ditadura. Assim não procedeu e deixou o vácuo ocupado pela lei militar.

Os princípios democráticos da Constituição popular de 1988 contrapõem-se à autoritária e ilegítima Constituição outorgada em 1967 e remendada em 1969.

Entre outras decisões do STF, sobre as eleições da mesa diretora dos Tribunais, registra-se a que anulou a eleição do TRF da 3ª região, em 2009, que adotou prática ali sedimentada no sentido de permitir ao desembargador que ocupasse cargo diretivo por dois mandatos consecutivos o direito de concorrer à presidência, desde que afastasse dias antes do término do mandato.

Também na Justiça do Trabalho vigorava o entendimento adotado pelo TRF da 3ª região; normalmente, quem chegava à chefia da Corte trabalhista, já tinha ocupado a vice-presidência e a corregedoria.

Através da ADIn 3.566 (clique aqui), o STF declarou a inconstitucionalidade dos artigos 3º, caput, e 11, I, "a" do Regimento Interno do TRF da 3ª região, responsável pela ampliação dos elegíveis para a diretoria do Tribunal. A Reclamação 5.158 (clique aqui) serviu para que alguns membros daquela Corte se insurgissem contra a eleição da direção do Tribunal, realizada em abril/2007. A ocorrência provocou a substituição do Corregedor, porque não se obedeceu ao que dispõe o art. 102 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

São Paulo com a Emenda Constitucional 7 (clique aqui), de 11/3/1999, art. 62, procurou reparar o erro e fixou abertura para as eleições nos seguintes termos:

"Art. 62 - O Presidente e o 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça e o Corregedor Geral da Justiça, eleitos, a cada biênio, pela totalidade dos Desembargadores, dentre os integrantes do órgão especial, comporão o Conselho Superior da Magistratura".

O desembargador Celso Limongi foi eleito para o biênio 2006/2007 na vigência da Constituição paulista, em desacordo com a retrógada Lei Orgânica; posteriormente, foi editada a Resolução 555/2011 para a eleição de 7/12/2011, questionada no STF que julgou a ADIn 2.012 (clique aqui), por maioria, declarando a inconstitucionalidade do art. 62 da Emenda Constitucional paulista. Isso se deu no dia 27 de outubro/2011.

O ministro Marco Aurélio divergiu sob o argumento de que o processo eleitoral estava consignado na Lei Orgânica, mas quando vigente a Constituição anterior, diferentemente da atual que não traçou a mesma regra.

O Brasil acabou com os prefeitos, os governadores e os senadores biônicos, mas o Judiciário continua com a presidência dos tribunais biônica, simplesmente porque os próprios magistrados do STF não tomaram a iniciativa constitucional de remeter o novo texto do Estatuto ao Congresso Nacional, isso com vinte e três (23) anos de atraso. Não mandaram o projeto, não promoveram emenda ao artigo 102 da lei 35/79 e nem a interpretaram, considerando os avanços democráticos, em nítido apoio ao ranço antidemocrático das eleições dirigidas.

No Rio Grande do Sul vigorou o entendimento consensual de que mesmo os desembargadores que não integram o órgão especial podem candidatar à cúpula do Tribunal de Justiça.

O presidente desembargador Leo Lima, biênio 2010/2012, era o 9º da lista, mas foi eleito porque os mais antigos foram recusando a antiguidade.

Em Minas Gerais, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça permitia que os membros integrantes da metade mais antiga da Corte que ainda não tenham exercido o cargo de Presidente teriam legitimidade para postulá-lo; essa metade seria computada, depois de excluídos os desembargadores inelegíveis, os impedidos e os que declarassem desinteresse na candidatura. Todavia o STF, ADIn 4.108 (clique aqui), declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos, porque, segundo entendimento, a matéria é de competência da LOMAN que estabelece outra forma.

Tramita na Câmara dos Deputados, aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça, a PEC 526 (clique aqui), de 2010, que acrescenta parágrafo único ao art. 96 da Constituição Federal, dispondo sobre a participação dos servidores e dos juízes na eleição dos membros da diretoria dos Tribunais.

O CNJ foi o responsável direto pelo fim do nepotismo, pela limitação do teto salarial e por muitas outras iniciativas de agrado popular e de moralização do Judiciário, mas não mostra interesse na resistência do STF para cumprimento do disposto no art. 93 da Constituição, que confere a essa Corte a iniciativa de enviar Projeto de Lei Complementar para dispor sobre o Estatuto da Magistratura. Essa providência tem atraso de mais de vinte e três (23) anos e a Corte maior insiste em manter legislação antidemocrática e perniciosa aos interesses da coletividade.

Trata-se o tema como se fosse de ordem corporativista e chegam a saudar a Lei Orgânica da Magistratura como "lei saudável", esquecendo-se de que o presidente de um Tribunal além de dirigir os destinos do Judiciário é o chefe de um dos Poderes do Estado.

Enfim, a manutenção dessa lei, urdida sob os escaninhos do obscurantismo político, aplica soluções antidemocráticas, Constituição/1967 e lei 35/79, para um tempo democrático, alicerçado na Constituição de 1988.

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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA





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