Botox
Ao tentar definir o perfil de líderes políticos em apenas uma única palavra, o filósofo baseia-se na maquiagem que reveste a economia argentina para escolher a característica marcante de Cristina Kirchner.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Atualizado em 31 de outubro de 2011 12:44
Gilberto de Mello Kujawski
Botox
O jornalismo ganha muito em clareza e perspicácia quanto mais economiza palavras. Seria muito interessante, por exemplo, definir o perfil dos políticos por uma única palavra que resumisse num relance seu caráter, seu projeto nacional e seu estilo.
Lula poderia ser sintetizado na palavra comediante. Seus dons histriônicos e de comunicação superam de longe a arte dos Sílvios Santos da vida. É, sem a menor dúvida, o maior comunicador do país.
Fernando Henrique merece outra palavra: lucidez. O sociólogo e intelectual brilhante fazem um só com o político equilibrado e clarividente.
Dilma Rousseff merece respeito pela sua coragem na luta contra vários tipos de limitação, desde na saúde até no déficit de comunicação e de feeling político. Pela bravura no esforço de superar suas limitações pessoais merece o nome de desafiadora.
E Cristina Kirchner, a presidente argentina, com sua maioria estrondosa de 54% dos votos na eleição do último domingo, 23 de outubro, consagrada como a mais popular dirigente argentina desde o caudilho Juan Domingo Perón, e transformada da noite para o dia na mais arrogante e poderosa líder de massas do continente?
A que se deve tamanha identificação da sociedade argentina com esta fria senhora Cristina Fernández de Kirchner, a viúva negra? Seu sucesso eleitoral não se deve ao carisma político, que ela não tem. Nem ao charme de Evita Perón, mulher de teatro que nunca saiu da ribalta. O sucesso da viúva se deve às taxas asiáticas do crescimento econômico de seu país nos últimos dois anos, e à impressionante máscara com que cobriu o seu rosto durante a campanha eleitoral. Sim, eleição se ganha também com a cara. E o rosto rebocado de maquilagem da presidente coincide em tudo e por tudo com a maquilagem que reveste a economia, as estatísticas e a sociedade argentina.
A economia argentina está maquilada, seu crescimento tem bases precárias e futuro nebuloso, ameaçado pela desaceleração da economia brasileira e pela eventual retração chinesa. Suas estatísticas são reconhecidamente forjadas e sem o mínimo de credibilidade. E a sociedade do país vizinho está ainda mascarada pelo culto ao cadáver de Perón. Os argentinos, literalmente, não sepultam os seus mortos.
Foi um humorista que acertou em cheio na imagem artificilizada de Cristina na festa de vitória: "O mais impressionante na vitória de Cristina Kirchner na Argentina foi a quantidade de botox gasta na campanha pela Reeleição. Na festa peronista da noite de domingo, a presidente foi do choro à gargalhada sem mudar a expressão facial" (Tutty Vasques, Estadão, 25/10/11).
Na sua fisionomia estavam impressos os rostos gelados de Perón e Evita, graças ao artifício que transformou a presidente eleita na própria dama do botox.
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*Gilberto de Mello Kujawski é ex-promotor de Justiça. Escritor e jornalista
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