Ainda a esperança
A partir de um episódio ocorrido no Japão, país devastado por catástrofes naturais e humanas, o cronista tece considerações sobre a necessidade de se manter a esperança diante do desalento e da solidão.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Atualizado às 07:57
Edson Vidigal
Ainda a esperança
Uma notícia vinda do Japão na semana passada ainda me ocupa aquele espaço que a gente costuma reservar para as divagações próprias dos momentos cada vez mais difíceis para algum retiro espiritual.
Digo cada vez mais difíceis porque um momento de sossego no qual a gente possa estar só com a gente, sem interferências ou ruídos do mundo em derredor, um tempo para pensar nas coisas que vão acontecendo, buscando obter da reflexão ensimesmada algum sinal confiável para a gente não se perder na estrada, um momento assim para reflexões está mesmo a cada dia mais difícil, tamanhas as interrupções a que as imposições das rotinas do dia a dia nos submetem.
Há dias que essa notícia vinda do Japão, não me sai da cabeça. No começo deste ano, como vocês se lembram, um terremoto e uma onda tsunami devastaram o país, inclusive causando uma explosão numa usina nuclear, deixando centenas de milhares de pessoas ao desabrigo, muitos até sem água para beber.
A capacidade do povo japonês em se soerguer das cinzas às quais volta e meia é atirado, vulcões, terremotos, tsunamis, explosões em usinas nucleares, bombas atômicas, isso tudo não só impressiona o resto do mundo como também nos avisa de que todos nós, mundo afora, ainda temos muito que aprender com os japoneses.
Num banheiro público em Sakado, um pequeno município na periferia de Tóquio, alguém encontrou um envelope com 131 mil dólares e um bilhete.
No Japão, a coisa perdida não é de quem a encontra. E no caso do envelope com os dólares havia um bilhete indicando que aquele dinheiro era uma doação em favor das vítimas das catástrofes que quase dizimaram o país.
O envelope com o dinheiro foi deixado num banheiro público de Sakado, mas o doador anônimo fez questão de dizer no seu bilhete que o benefício deveria ser destinado para os moradores de Tohoku, um município da região nordeste, a mais afetada pela explosão da usina nuclear de Fukushima, onde morreram cerca de 20 mil pessoas.
O Governo municipal de Sakado, onde o dinheiro foi encontrado, anunciou que aguardará por três meses uma manifestação do legítimo dono do dinheiro. Esse legítimo dono até aqui não é mais que um ilustre japonês ou uma ilustre japonesa de rosto anônimo na multidão.
Dentro de três meses, não aparecendo o dono do dinheiro e autor do bilhete, os 131 mil dólares serão entregues à Cruz Vermelha que os destinando em ajuda às vítimas das catástrofes do começo do ano estará realizando a vontade do doador. "Estamos espantados e também agradecidos", disse o porta-voz da municipalidade de Tohoku, Massumi Sakiguchi.
Essa história poderia ser apenas uma a mais no repertório das filantropias, inusitada conquanto, se o bilhete do doador anônimo não registrasse, de passagem, um pequeno detalhe - estou só, não tenho mais futuro.
É sobre isso que eu tenho pensado. Se nada pode ser pior a uma pessoa que a solidão e a falta de futuro, imagine um desalento desses se esparramando sobre um Povo inteiro. Um Povo sem líderes confiáveis, rodeado por políticos, na maioria, desonestos ou despreparados, tem todas as razões para se sentir só. E não almejar mais a futuro algum.
Vamos parar com isso, gente.
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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA
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