Intenções
Em tom enamorado e onírico, o cronista exalta a brisa marítima, as nostalgias noturnas, os ensaios fotográficos de noivas e o contemplar do pôr do sol.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Atualizado em 5 de outubro de 2011 15:50
Edson Vidigal
Intenções
Vamos à beira do mar, garota.
O vento vindo não sei de onde empurra agora a água turva que chegando ao fim, quase morrendo lentamente na praia, se transmuda em ondas claras, ondas que não são como aquelas altas, volumosas, violentas, de surfistas. Ou como aquelas outras fortíssimas e apressadas às quais chamamos de tsunamis.
Vamos sair deste calor, garota, deste clima abafado.
Um giro pelo centro antigo, bem antes da praia, nos inundando de saudades, nos fará bem, trazendo em lembranças cantigas que as pedras das escadarias de tantos becos gravaram e escondem dos que, diferentemente de nós, nem sabem ouvi-las.
Vamos nos embebedar com a brisa que o vento vindo, e agora, sim, eu sei de onde, é o vento que chega pela praia, vamos beber essa brisa que sobe e desce as ladeiras e invade os pulmões da cidade pelos telhados dos bangalôs e dos sobrados.
Vamos, garota. Vamos sair em busca de algumas nostalgias noturnas para ver se, assim, acalmamos um pouco o silêncio das águas paradas nas marés vazantes, silêncio que parece assumir um certo desprezo pelas bocas encardidas, bocas de jarras de esculturas antigas e mal cuidadas de jardins esquecidos de tão antigos.
Andar à noite subindo e descendo as ladeiras, as escadarias de pedras, driblando o lodo nas pedras de cantaria, rever os paralelepípedos sobre os quais os trilhos se encompridavam em itinerários certos para os velhos bondes, que amanheciam com as manhãs incrustrando na cidade suas certezas e malemolências, vai fazer um bem danado, garota, acho, para quando mais tarde voltarmos a sonhar.
Ontem, eu vi um neurocientista dizendo na TV que o sonho é uma salvaguarda do sono, que a gente sonha para segurar o sono e que, por isso, quando o sonho é bom o cérebro faz um esforço danado no inconsciente para o sono não acabar. Até onde isso é mesmo verdade, eu não sei. Mas achei interessante.
Posso te levar, garota, para ver as noivas posando para fotos no fim da tarde, aproveitando o pôr do sol. Não sei de onde saem tantas mulheres vestidas de noivas, diversos modelos de vestidos, bem produzidas, maquilagens e tudo mais que tem direito. Não há noiva que não seja bonita. Os paramentos parecem fazer parte dos despertar dos desejos.
É o dia começar a se despedir de sua faina, o sol ir se amolecendo por detrás daqueles arranha céus, e elas, as noivas, começarem a surgir inspiradoras pelas orilhas do lago.
São longos ensaios naqueles vestidos brancos, a maioria longos, todas as poses, caras e bocas de todo jeito, eu passando por aquelas criaturas da graça divina invocando maneiras muito respeitosas, sei lá o que pode acontecer.
As noivas parecem sair assim do nada quando o sol começa a se entregar à noite. Assim como as garças despontam assim pernaltas, o olhar fixo na água gastando um tempo que parece infinito.
Vem comigo, garota. E eu te levarei a ver as poses das noivas no cair da tarde. E as garças esguias, paradas, brincando de estátuas, no amanhecer no lago.
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*Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA
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