O CNJ e os tribunais
Sem olvidar as melhorias conquistadas pelo CNJ, o desembargador critica a ampliação das folgas aos magistrados e a interferência na organização interna dos tribunais.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Atualizado em 23 de setembro de 2011 12:53
Antonio Pessoa Cardoso
O CNJ e os tribunais
O Conselho Nacional de Justiça criado pela EC 45 (clique aqui), no ano de 2004, é competente para exercer o "controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes...", art. 103-B, parágrafo 4º. São denominados de conselheiros seus quinze membros, eleitos para mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos uma vez; fazem parte do órgão juízes, ministros e desembargadores, além de representantes do Ministério Público, dos advogados, mais dois cidadãos indicados um pelo Senado Federal e outro pela Câmara dos Deputados. Na hierarquia dos poderes, o CNJ submete-se apenas ao Supremo Tribunal Federal.
Nesses anos de existência, foi muito elogiado e bastante censurado, mas é marcado por iniciativas de interesse público; mostrou-se agressivo e confuso em alguns momentos, ao ponto de merecer reprimendas do STF, além de protestos de associações de magistrados, de ministros e de desembargadores.
A instalação do CNJ deu-se em 2005 e sua atividade foi iniciada com medidas de impacto na magistratura nacional, como foi o combate ao nepotismo, principal ação moralizadora, implementada no Judiciário, responsável pela extinção de distribuição de cargos bem remunerados para os familiares dos ministros e desembargadores; todavia, até hoje ainda se vê resquícios desse tempo, consistente no prolongamento das famílias até as Cortes de Justiça. Por isso que, a extinção do nepotismo foi um grande trunfo para o aprimoramento dos serviços judiciais.
O controle estatístico do trabalho dos magistrados, a observância de mérito para promoção dos juízes, o respeito ao teto salarial, a busca de unificação de procedimentos, a implantação dos avanços tecnológicos, contribuíram para o respeito e a credibilidade do sistema perante o jurisdicionado.
Mas a ação do CNJ não ficou por aí.
Uma das providências que o órgão devia liderar seria para mudar algumas leis absurdas que continuam em vigor e que devem ser aplicadas pelo magistrado, merecendo por isso a censura do jurisdicionado. A LOMAN (clique aqui), por exemplo, continua imponente, apesar de gerada no período negro da recente história do Brasil.
A lei 5.010/66 (clique aqui), por exemplo, responsável pela organização da Justiça Federal, é questionada no que se refere às folgas contempladas aos magistrados; essa lei, passados mais de quarenta anos, enumera feriados para a justiça Federal nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro, de quarta-feira a domingo da Semana Santa e o 1º e 2 de novembro.
Acontece que o CNJ, ao invés de se preocupar em extinguir boa parte desses feriados, 20 de dezembro a 6 de janeiro, quarta e quinta-feira da Semana Santa, 1º de novembro, exclusivo da Justiça Federal, baixou Resolução para ampliar as folgas também para a Justiça estadual; criou a figura do recesso judiciário, para os dias de dezembro e janeiro, interrompendo, nesse período, todo o sistema judicial do país.
O plantão não se presta para cobrir as atividades jurisdicionais, pois as secretarias lacram suas portas e o pequeno número de serventuários disponibilizados não socorre ao consumidor que fica sem o "pão diário" até o fim do recesso; nem se fala sobre a paralisação total dos processos, vez que não há audiências, nem correm os prazos processuais.
Foi infeliz o CNJ, pois ao invés de diminuir as férias e feriados, não criar a figura do recesso, aumentou as folgas, dilatando também para os serventuários que, antes da medida, não tinham essa benesse.
O CNJ quis agradar aos advogados que se queixavam de inexistência de férias no seu trabalho; satisfez a uns poucos e prejudicou a muitos; não se pode suspender o serviço público, o Judiciário, para beneficiar um segmento privado, a OAB.
E mais: essa resolução 8, de 29/11/05, que instituiu o recesso, como já dissemos em outro trabalho, criou dificuldades de ordem processual para a Justiça estadual, além de desrespeitar a lei, quando suspendeu os prazos; acontece que o CPC (clique aqui), arts. 178 e 179, lei Federal, fixa a continuidade de prazos, inadmite a interrupção dos serviços judiciários em feriados para permitir somente no período de férias; recesso não se pode entender como férias; então, pela lei não se suspende prazos processuais no período do recesso, mas o CNJ, contrariando a lei, admitiu essa suspensão. Ficou então assim: a lei Federal 5.010/66 criou mais um feriado, repita-se, somente para a Justiça Federal, e o CNJ estabeleceu como recesso para todo o Judiciário aqueles feriados da Justiça Federal. Os prazos poderiam ser suspensos somente no caso de férias, mas o CNJ procedeu por resolução. Aliás, alguns tribunais resistiram na concessão do recesso, mas terminaram aceitando a benesse do CNJ.
O resultado é que os cartórios judiciais, as secretarias de câmaras, os fóruns, os tribunais fecham suas portas, por completo, durante os dezoito dias, inovação trazida pelo CNJ.
Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei Complementar 6.645/06 que passou por várias modificações; a última delas, no Senado Federal, fruto do parecer 383/08, altera o art. 175 CPC para suspender os prazos processuais entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro; só assim legaliza a suspensão dos prazos, promovida pelo CNJ, através de Resolução; modifica a lei 5.010/66, atingindo a resolução 8 e acabando com o recesso forense, contemplado na resolução, e com os feriados anunciado nessa lei, entre os dias 20 de dezembro e 6 de janeiro.
Mesmo assim, não há uniformidade, nesse aspecto, entre a Justiça Federal e estadual, pois os feriados da Semana Santa, quarta e quinta-feira, e o 1º de novembro, continuam sendo gozados somente pela Justiça Federal.
À novidade do recesso, que não está contemplado na lei, segue-se a dificuldade do acesso do jurisdicionado à justiça.
Juntamente com esse imbróglio, criado pelo CNJ, no mesmo ano, outra resolução complicou os serviços judiciais. Trata-se das férias coletivas.
No ano de 2005, o CNJ editou a resolução 3, de 16/08/05, extinguindo as férias coletivas nos Juízos e Tribunais de segundo grau, matéria já tratada pela Constituição Federal; logo depois, outra resolução de 24, de 24/10/06, revogou o art. 2º da resolução 3, que extinguia as férias coletivas, admitindo-as, portanto, em contrariedade com a Constituição; mais uma Resolução, a de 28 de 18/12/06, aparece para revogar a resolução 24 e tudo voltar ao que era antes, prevalecendo, portanto, o disposto no art. 93, inc. XII da Constituição (clique aqui).
Três resoluções expedidas sem valor algum!
Além disso, o CNJ entrou em conflito com tribunais e com órgãos de classe. Com o TST, o desentendimento originou-se de decisão monocrática do conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, em Pedido de Providência da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que questionava a eleição do ministro Oreste Dalazaen para a presidência do TST. Liminar em MS no STF garantiu a posse de Dalazaen. Na decisão, o ministro Dias Toffoli criticou o conselheiro, representante do OAB, no CNJ.
O Tribunal de Justiça e a Associação dos Juízes de Minas Gerais, ANAMAGIS, protestaram contra a indevida interferência do CNJ na organização interna dos tribunais, aumentando a carga horária sem compensação alguma para os serventuários. A Resolução 88, de 8/9/09, determinava o expediente forense "de segunda a sexta-feira, das 9 às 18 horas, no mínimo", além de mandar reduzir o número de cargos comissionados na estrutura do Judiciário e admitir pagamento de horas extras somente após a oitava hora diária de trabalho.
A AMB ingressou, em maio último, com a ADIn 4.598, questionando essa resolução.
Na Bahia, em 2010, o STF suspendeu decisão do CNJ que determinava descumprimento de lei para evitar pagamento de adicionais a servidores.
Os presidentes dos Tribunais de Justiça, reunidos na Bahia, 87º Encontro, os Corregedores, no 56º Encontro, em Recife, lançaram notas de protestos contra a interferência indevida do CNJ.
O ministro Marco Aurélio, em dezembro/06, em reunião do STF, e na condição de presidente do TSE, criticou o CNJ por interferência em repasse de recursos da União para a Justiça Eleitoral.
O STF suspendeu condenações de magistrados aplicadas pelo CNJ, sob o fundamento de que a esfera competente está nos Estados e somente depois de omissão do órgão é que o CNJ pode interferir. O ministro Cezar Peluso reformou decisão do CNJ que afastou serventuários de cartórios extrajudiciais do Maranhão, considerando-os vagos.
Enfim, como disse o ministro Marco Aurélio, o CNJ, ao invés de promover o controle externo do Judiciário, está, na verdade, enquadrando os Tribunais do país.
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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA
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