Proposta de sustentação oral eletrônica
Fazendo uma análise da evolução histórica do direito processual, constata-se que a linguagem escrita foi incorporada como forma oficial de manifestação das partes, por ter o condão de registrar as alegações e mantê-las inalteradas.
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Atualizado em 21 de julho de 2011 14:42
Proposta de sustentação oral eletrônica
Arthur Mendes Lobo*
Fazendo uma análise da evolução histórica do direito processual, constata-se que a linguagem escrita foi incorporada como forma oficial de manifestação das partes, por ter o condão de registrar as alegações e mantê-las inalteradas. Optou-se pelas petições expressas (reduções a termo - art. 169 do CPC - clique aqui) em razão da segurança jurídica, pois se o julgamento se desse apenas por debates orais, não se teria o registro das alegações para a interposição de recurso, execução do título judicial, etc.
Ocorre que, não raro, as petições são demasiadamente extensas e o tempo dos julgadores muito escasso, o que dá ensejo a alguns vieses, como por exemplo, demora na prolação das decisões, pois a leitura atenta exige um tempo razoável; ou até mesmo a não-leitura das petições, por ausência de tempo ou desânimo do julgador, propiciando a prolação de decisões infundadas, que, consequentemente, ensejam a propositura de recursos.
Na sistemática atual, o princípio da oralidade, que é corolário do princípio da celeridade processual, tem sido relegado a situações pontuais. Faculta-se a sustentação oral das partes em apenas alguns dos recursos possíveis. As alegações finais orais normalmente são substituídas pelas alegações escritas, por ordem do juiz ou por acordo entre os procuradores das partes. As reclamações do juizado especial nas ações que dispensam advogados são reduzidas a termo.
Não sem razão, alguns advogados preferem manifestar-se por escrito porque a oratória é algo difícil, pois exige do orador:
i) enorme poder de síntese do tema sobre o qual falará;
ii) maior segurança/convicção quanto aos fundamentos apresentados;
iii) domínio da matéria fática debatida. E nem sempre é fácil sustentar oralmente, pois a palavra lançada não volta, portanto, não se tolera errar e corrigir o que foi falado, como é possível fazê-lo em se tratando de petição escrita.
Contudo, essa dificuldade seria bastante mitigada se o processo admitisse a inserção de vídeo contendo a gravação da sustentação oral feita pelo advogado da parte. Imaginemos a seguinte situação, considerando os avanços tecnológicos que a internet e os computadores proporcionam: o advogado grava, no conforto de seu escritório ou de sua residência, um vídeo de no máximo 20 min, expondo oralmente o que abordou em sua petição inicial. Ele pode gravar e regravar, até ficar satisfeito com seu desempenho diante da câmera. Imaginemos que fosse facultado a este advogado anexar aos autos esse vídeo, ou até melhor, informar na sua petição inicial escrita o link (endereço eletrônico) da internet que hospedará e exibirá a referida sustentação oral referente àquela peça processual, tanto ao juiz, quanto à parte adversa.
Ainda nessa situação hipotética, o juiz poderia, antes mesmo de ler a petição inicial, assistir ao vídeo indicado pelo advogado. Para se inteirar da causa e da relevância das provas mencionadas pelo autor. Ao fazer essa prévia "telespecção" o juiz estaria mais familiarizado com o conteúdo da peça processual que irá ler e, portanto, a lerá em menor tempo, principalmente se a peça tiver mais de 15 laudas, o que acontece com freqüência na praxe forense. Enfim, o juiz terá condições de se inteirar mais do processo, terá mais intimidade com as provas e com os advogados das partes. Não raro, quando a matéria é exclusivamente de direito, o juiz sequer vê os advogados das partes. E quem entende um pouco de psicologia sabe que, muitas vezes, uma mentira pode ser detectada pelo semblante da pessoa, pela percepção de sinais em sua face, pelo tom de voz, o que não pode ser apercebido pelo julgador em uma petição escrita e fria.
Por outro lado, o julgador poderia assistir ao supramencionado vídeo a qualquer hora, em qualquer lugar, até mesmo "de pijama", pois também não é raro ver juízes levando diversos autos para casa, para dar conta do acúmulo de serviço em seu gabinete.
Se o sistema admitisse que, nas principais peças processuais (petição inicial, contestação, impugnação, alegações finais, recursos etc) fosse admitido indicar o link do vídeo hospedado em um site oficial (por exemplo, o site do próprio Tribunal Estadual ou TRF), franqueando o acesso a ele aos advogados em geral, quando não se tratar de segredo de justiça, haveria um imenso ganho não apenas à celeridade processual, mas também no que tange à troca de experiências entre os advogados, pois uns poderiam se espelhar nos outros (mais virtuosos) fazendo com que houvesse um desejo pela melhora técnica dos profissionais. Isso é muito comum em sessões de julgamento. Qual advogado não adora ver uma brilhante sustentação oral. Qual advogado não se espelha no colega que domina um assunto e sabe dizê-lo sem rodeios, com segurança e sem gaguejar. A seleção natural fará com que os advogados menos habilidosos possam visualizar (no conforto do seu lar) os mais hábeis e aprender com eles. Isso sem ter que se ausentar do trabalho e ficar esperando uma boa sustentação oral em algum recurso. Isso sem falar que, diante de uma ótima sustentação, um colega pode enviar, por e-mail, o link para o outro a fim de que ele assista ao vídeo e tire suas próprias conclusões.
Essa nova sistemática ainda reduziria os custos do processo, porque dispensaria as sessões de julgamento. Não haveria necessidade de vários desembargadores se reunirem em um mesmo local, em um mesmo horário para assistirem às sustentações orais. Em que pese haver um grande charme em se sustentar nos púlpitos, essa mobilização e estrutura física têm custo alto para o Judiciário. Isso seria dirimido pelo vídeo disponibilizado no site do Tribunal.
Por outro lado, haveria outros benefícios, como por exemplo:
1) é possível restringir a postagem de vídeos a determinadas pessoas, como por exemplo, advogados;
2) é possível criar um sistema Push para vídeos novos postados, de forma que, se determinado vídeo for postado por uma parte, a parte contrária receba um e-mail imediatamente;
3) é possível restringir o acesso aos vídeos (a possibilidade de assisti-los) a determinadas pessoas, como por exemplo, juízes, advogados e promotores;
4) é possível impedir que quem postou o vídeo fique impedido de apagá-lo posteriormente;
5) é possível vincular o link do vídeo ao número do processo cadastrado no Tribunal. De forma que ao procurar pelo andamento do seu processo no site do Tribunal a parte interessada possa assistir aos vídeos vinculados àquele mesmo processo;
6) a sistemática proposta estaria pari passu com o processo eletrônico, que tende a substituir papel por manifestações virtuais;
7) a sistemática proposta privilegia a celeridade processual, na medida em que economiza tempo do julgador, podendo, após a incorporação da oralidade na cultura forense, o que se daria em algumas poucas décadas, tornar a oralidade por meio de vídeos como regra e a linguagem escrita como exceção;
8) a sistemática proposta privilegia a publicidade, pois permite que uma pessoa do outro lado do planeta saiba o que está acontecendo no processo, sua fase e as principais questões debatidas;
9) privilegia-se, ainda, o contraditório, na medida em que permite que uma parte saiba exatamente o que a parte adversa disse ao juiz, evitando que somente as conversas realizadas em gabinete, sem o contraditório, sejam consideradas na decisão;
10) contempla-se o acesso à justiça, pois existem juízes que não atendem os advogados, ao argumento de que "tudo o que o advogado disser oralmente pode e deve ser colocado no papel e juntado aos autos". Contudo, sabe-se que em inúmeras situações a manifestação oral, a título de esclarecimento das razões da parte, é bastante relevante, o que nos corredores forenses apelidou-se de "embargos auriculares". É possível vincular a validade da decisão do juiz à abertura e exibição completa do link onde está hospedado o vídeo com a sustentação oral. Isso não garantirá que o juiz prestou atenção ao vídeo com a sustentação oral, mas pelo menos garantirá que ele abriu e que o vídeo foi exibido integralmente na tela do seu computador. Essa garantia não ocorre nas petições escritas que podem ser, e em algumas circunstâncias efetivamente são, ignoradas pelo julgador, seguindo-se à decisão sem leitura completa da peça processual ou ciência da prova. Esta situação é mais comum em processos volumosos ou em processos em que há mudança de magistrado no curso do processo (por promoção, férias, licença, etc), pois o novo julgador nem sempre terá a mesma afinidade com o feito, como o juiz que primeiro acompanhou o trâmite da ação. Assim, a nova sistemática garantiria, pelo menos, que a decisão seja proferida com prévia visualização/oitiva das razões orais das partes.
11) e nem se diga que haveria risco de o advogado escrever algo na petição e, na sustentação oral, desdizer o que escreveu. Esse risco ocorre até mesmo na sistemática atual, pois um advogado, mais desavisado, pode alegar um fato na inicial e contradizê-lo nas alegações finais. Essa má técnica, que felizmente é uma exceção na praxe forense, não pode ser um óbice à inovação do processo. Pois, para se inovar um sistema deve-se partir da premissa de que os advogados agirão coerentemente e dentro da boa técnica processual.
Conclusão
Em suma, é necessária uma mudança na sistemática atual das manifestações das partes no processo. Deve ser aperfeiçoada a regra do art. 169 do CPC, que exige apenas manifestações escritas das partes, bem como as normas dos Regimentos Internos dos Tribunais, que admitem sustentações orais apenas em determinados recursos.
A sociedade atual incorporou o uso da internet e dos microcomputadores, que se tornou acessível a milhões de pessoas, diante do barateamento progressivo dos equipamentos e dos serviços dos provedores.
Hoje, é raro encontrar um cidadão hoje, por mais simples que seja a pessoa que não tenha e-mail. Isso será cada vez mais raro, até que todos tenham acesso à internet, e-mails, celulares, etc.
O direito processual não pode desperdiçar a oportunidade de se valer de mecanismos, como o aqui sugerido, que possam complementar a marcha do processo e acelerar a formação do convencimento do julgador.
Assim, passa-se a sugerir uma breve minuta de texto para um artigo no anteprojeto de novo Código de Processo Civil:
Art. É facultado às partes, ao Ministério Público, ao Administrador Judicial e aos terceiros interessados, por meio de seus respectivos procuradores, postar, no endereço eletrônico oficial do Tribunal, uma gravação em áudio e vídeo da sustentação oral sobre os fundamentos constantes em sua manifestação escrita, de no máximo 20 (vinte) minutos e dentro do prazo legal da mesma, com o objetivo de reforçá-los, sendo-lhe vedado inovar ao quanto restou escrito e protocolizado nos autos.
§ 1º Para que o vídeo da sustentação oral seja analisado é ônus da parte informar na petição escrita o respectivo link.
§ 2º Para que a decisão interlocutória ou sentença proferida posteriormente à sustentação oral de que trata o caput sejam consideradas válidas, o juiz deverá, previamente, visualizar o(s) vídeo(s) de que trata(m) este artigo, devendo o site oficial fazer o registro desse fato. Quando, por qualquer motivo, não for possível visualizar ou ouvir a sustentação oral, o juiz deverá justificar o fato na fundamentação de sua decisão, sob pena de nulidade.
§ 3º A nulidade de que trata o §2º é relativa, e se convalescerá se a parte interessada não a alegar por meio de embargos de declaração.
§ 4º É facultado aos advogados das partes, ao Ministério Público, ao Administrador Judicial e aos advogados dos terceiros interessados cadastrar seu e-mail no site oficial do Tribunal para receber, automática e imediatamente, via sistema push, e-mail contendo o link de qualquer vídeo postado nos processos em que atue.
Enfim, a proposta não irá obrigar os advogados a fazer a sustentação oral nas peças. Será um plus às manifestações. Uma faculdade que poderá ser bem aproveitada em busca da celeridade, sem comprometer a boa técnica e a reflexão dos julgadores.
A condição de validade, imposta pelos §§ 2º e 3º, é demasiado importante na medida em que os advogados saberão que não vão gravar um vídeo em vão. É uma garantia de que seu trabalho será visto e suas razões orais conhecidas pelo julgador, ainda que refutadas.
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*Advogado do escritório Wambier & Arruda Alvim Wambier Advocacia e Consultoria Jurídica
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