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Ressurretos

Não sei se já te aconteceu de estares num lugar e de repente te ocorrer a ideia de que em algum tempo num passado bem remoto já teres estado ali.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Atualizado em 12 de julho de 2011 08:37


Ressurretos

Edson Vidigal*

Não sei se já te aconteceu de estares num lugar e de repente te ocorrer a ideia de que em algum tempo num passado bem remoto já teres estado ali.

Passeias o olhar na paisagem conferindo os prédios, as arvores e até uma janela aberta, um pouco mais acima, te parece um tanto familiar.

Ou nunca te aconteceu de cruzares com uma pessoa numa rua e teres a impressão, ainda que um tanto desfocada, de que já a conheces de alguma outra época naquele mesmo lugar?

Neste exato momento há milhões de pessoas neste mundo esparramando curiosidades querendo saber sobre estas e outras coisas sobre as quais as religiões às custas da fé asseguram, as filosofias especulam e a ciência em sua lógica tenta entender querendo explicar.

Melhor mesmo, muitas vezes, é não querer saber. Atrai polêmicas intermináveis. Ainda mais agora com esse frio que me deixa muito encorujado.

Mas essa notícia de que 890 mortos no Brasil saíram de suas tumbas, alguns talvez até reincorporando-se das cinzas restantes de seus corpos cremados, e assim, ressurretos, se internaram em hospitais, fizeram cirurgias e depois mandaram as contas para o Sistema Único de Saúde, melhor dizendo para nós outros, os contribuintes, pagarmos, essa noticia pode ser inscrita hoje entre as mais alvissareiras.

Imaginas tu num hospital para a visita a um amigo enfermo e em lá chegando dás de cara com aquele outro amigo que imaginavas morto há tempos. Não é deveras surpreendente?

Talvez fosse até o caso desses hospitais avisarem aos produtores dos noticiários de televisão para que a chegada dos ressurretos fosse noticiada para o mundo inteiro. Não é incrível, não é fantástico, não é extraordinário?

Os milagres das ressurreições dos mortos que adoeceram, quero dizer dos que adoeceram depois de mortos, não se encerra nesses 890 que saíram de suas tumbas retornando a este nosso mundo em busca de cirurgias nos hospitais.

Nem só de cirurgias necessita esse contingente de mortos brasileiros.

Há um outro grupo de defuntos, este muito mais numeroso, algo em torno de 17 mil, carente apenas de remédios, todos eles subsidiados pelo governo, ou seja por nós, disponíveis nas chamadas Farmácias Populares.

A julgar pelo resultado, este de as famílias poderem reencontrar, nos hospitais particulares ou nas farmácias dos remédios subsidiadas, os seus entes queridos mortos há anos, essa despesa apurada de 14 milhões de reais até que, no custo-benefício, morto voltar a viver, não parece tão salgada.

Houve um tempo no Maranhão em que os mortos às centenas de milhares saiam de suas tumbas apenas para votarem nas eleições.

A maioria dos vivos não gostava porque eram sempre eles, os mortos, que faziam a diferença dando vitória arrasadora aos candidatos da situação.

Por enquanto, não há prova alguma de que algum desses defuntos tenha saído do seu cemitério para ser operado em hospital do Maranhão.

Na rede pública de saúde de lá o risco é grande. O cara que ressuscitar pode ser operado e morrer. E aí vai querer ressuscitar de novo?

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*Ex-presidente do STJ e professor de Direito da UFMA

 

 

 

 

 

 

 

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