Cidadania ameaçada
Luiz Eduardo Lopes da Silva e Lais A. Rezende de Andrade
Atônitos, nós brasileiros assistimos nos últimos tempos a graves ameaças à estrutura da ordem constitucional brasileira. Mandados judiciais sem qualquer especificação, não obedecendo às regras processuais de prática de atos judiciários, e por vezes fora dos limites das Comarcas onde foram gerados, são cumpridos pela Polícia Federal em "operações" montadas com grande estardalhaço através da divulgação pela mídia.
sexta-feira, 1 de julho de 2005
Atualizado às 08:31
Cidadania ameaçada
Lais A. Rezende de Andrade**
Atônitos, nós brasileiros assistimos nos últimos tempos a graves ameaças à estrutura da ordem constitucional brasileira.
Mandados judiciais sem qualquer especificação, não obedecendo às regras processuais de prática de atos judiciários, e por vezes fora dos limites das Comarcas onde foram gerados, são cumpridos pela Polícia Federal em "operações" montadas com grande estardalhaço através da divulgação pela mídia.
E o que é mais grave: estes desmandos, que estão lamentavelmente se tornando rotina, chegam até ao extremo da invasão de escritórios de advocacia! De forma desastrosa e indiscriminada, documentos de clientes são apreendidos - inclusive os de pessoas que em nada se relacionam com os que estão eventualmente sob investigação de órgãos públicos.
A conduta exacerbada de ambos os agentes - dos juizes ao deferir mandados genéricos, e da Polícia Federal, ao cumpri-los de forma abusiva e acintosa - representam, antes de tudo, um inaceitável ataque à ordem jurídica nacional. Advogados têm sido presos por exercerem seus mandatos ou por se recusarem a violar a regra de sigilo nas relações entre profissional e cliente, indispensável para exercitar a efetiva defesa dos princípios assegurados aos cidadãos. Isso sem contar a divulgação de documentos particulares e alheios a qualquer possível situação investigatória (fala-se até em um testamento cerrado de advogado aberto pela Polícia Federal em violação da lei portanto - e juntado ao inquérito público).
Diante deste quadro, aos que nos perguntam para que serve afinal um advogado, respondemos: Ele é uma figura imprescindível à administração da Justiça, de acordo com o artigo 133 da Constituição da República Federativa do Brasil. E não foi por acaso que esse dispositivo foi inserido na nossa Lei Maior. A nação brasileira se estrutura em um Estado de Direito. Para tal, é fundamental garantir aos cidadãos a aplicação de regras e princípios básicos acima de pressões, injustiças, e outras violações de direito típicas de regimes totalitários.
O "Estado Democrático de Direito" apoia-se em conceitos básicos e vitais. O primeiro deles é o "devido processo legal", que evita arbitrariedades ou a fixação de regras novas durante o processamento. Já o "princípio da inocência até prova em contrário" coíbe perseguições pelos detentores de momento do poder. E há também o "princípio do contraditório", que garante à parte o prévio conhecimento do que se alega a seu respeito, para permitir a resposta articulada aos elementos de que dispõe.. Quem é encarregado da aplicação destes princípios? Os operadores do Direito. Juizes, Promotores Públicos e Advogados.
Esta é a razão do reconhecimento constitucional da imprescindibilidade da advocacia na prestação da Justiça. São eles que conduzem a argumentação em prol de seus constituintes. São eles também que lutam pela apreciação adequada de cada causa. Ou, no linguajar jurídico, "na justa medida de adequação de eventual sanção ao fato ou ato inquinado ao cidadão que se defende". Em resumo: tratam de adequar o fato às regras legais e de seu trabalho resulta, se insuficiente, a condenação. Se suficientemente forte, induzirá à absolvição.
Trocando em miúdos, o advogado contrapõe-se às acusações, e assegura que a Justiça seja feita de forma regular, dentro da lei e na medida do que foi apurado e comprovado. O advogado, portanto, é um agente da cidadania. Representa os cidadãos ao exercer as funções de defesa dos princípios do "Estado Democrático de Direito". Por isso, fatos como os registrados recentemente violam os direitos e comprometem a ordem jurídica nacional. Precisam, portanto, ser refutados com vigor. E é para coibir a prática de tais atos obscenos que entidades representantes da advocacia começam a se movimentar.
Neste cenário, é surpreendente tanto a postura do Judiciário e do Ministério Público que, através de suas entidades representativas, insistem em defender o abuso, quanto o silêncio do Ministro da Justiça, advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-presidente da Ordem dos Advogados - Secção de São Paulo e do Conselho Federal da OAB a quem, profissionalmente e por formação, os princípios violados são - ou deveriam ser - muito caros. Por isso, aguardamos a recuperação do bom senso do Judiciário e a reação do ministério visando restabelecer a ordem e a regularidade que permitam a preservação da estrutura constitucional.
Afinal, não interessa a ninguém, e muito menos ao Poder Judiciário e ao Ministro da Justiça, abrir mão de tanto esforço, e o alto preço pago ao longo do tempo, para garantir à sociedade brasileira o Estado de Direito conquistado.
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*Advogado do escritório Lopes da Silva e Guimarães Advogados Associados
**Advogada do escritório Amaral de Andrade Advogados Associados
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