A marcha do STF
Em sessão realizada no último dia 15/06, o STF julgou procedente pedido formulado na ADPF 187, para conferir ao art. 287 do Código Penal interpretação conforme a Constituição, "de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos".
terça-feira, 28 de junho de 2011
Atualizado em 21 de junho de 2011 16:54
A marcha do STF
Rafael Lorenzo-Fernandez Koatz*
Em sessão realizada no último dia 15/06, o STF julgou procedente pedido formulado na ADPF 187, para conferir ao art. 287 do Código Penal interpretação conforme a Constituição, "de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos". Com a decisão, o STF encerrou polêmica em torno da realização das "Marchas da Maconha", pacificando o entendimento de que qualquer pessoa pode manifestar-se publicamente em defesa da descriminalização de drogas, sem, com isso, incorrer no crime de apologia.
O que estava em causa, como bem ressaltou o ministro Celso de Mello, não era a liberalização do consumo de entorpecentes, mas o respeito aos direitos constitucionais de reunião e de expressão - previstos nos arts. 5º, IV, IX, XVI, e 220 da Carta de 1988 -, que asseguram a todas as pessoas o direito de se manifestarem, publicamente, contra uma determinada política de governo. Como disse o ministro Marco Aurélio Mello, "a liberdade de expressão não pode ser tida como um direito de falar aquilo que as pessoas querem ouvir. A liberdade de expressão existe para proteger manifestações que incomodam agentes públicos e privados". O julgamento pôs em destaque que a liberdade de expressão está vocacionada, dentre outras coisas, para a proteção do direito de protesto e crítica.
Com essa histórica decisão, o Supremo Tribunal Federal deu mais uma importante contribuição para a afirmação e o desenvolvimento das liberdades de expressão e de imprensa no Brasil. Seguindo tendência de vanguarda, o STF vem atribuindo a tais liberdades uma posição preferencial dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Essa posição preferencial se justifica pelo fato de que as liberdades de expressão e de imprensa, a um só tempo, permitem o desenvolvimento de atributos inerentes à pessoa humana, bem como servem de instrumento para o exercício de outros direitos fundamentais, como a democracia e o autogoverno.
Nesse sentido, a decisão da ADPF 187 corrobora e reafirma a posição de centralidade que a Suprema Corte brasileira vem atribuindo às liberdades de expressão e imprensa em recentes pronunciamentos. Posição essa que já tinha sido defendida em pelo menos 3 outros casos. No RE 511.961, o STF ressaltou que a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista poderia constituir um óbice à liberdade de expressão e de imprensa. Na ADPF 130, que declarou a não recepção da lei de imprensa, o Tribunal enfatizou a importância de a imprensa desenvolver sua atividade de forma livre. E na ADIn 4.451, a Suprema Corte deferiu liminar para suspender artigos da legislação eleitoral que restringiam a realização de sátiras humorísticas durante o período que antecede as eleições, ressaltando a importância da liberdade de expressão e de imprensa para o desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente democrática.
É verdade que ainda estão pendentes, no STF, casos importantes que envolvem temas relacionados à liberdade de expressão (como, por exemplo, a ADIn 2.404, que versa sobre a classificação de espetáculos públicos; a ADIn 2.566, que trata da proibição de proselitismo em rádios comunitárias; a ADIn 3.311, que discute a constitucionalidade das restrições paternalistas impostas aos fabricantes de produtos fumígenos; e a ADIn 4.077, que diz respeito à constitucionalidade da limitação imposta por lei ao acesso público a documentos sigilosos e confidenciais, para proteção da honra e da segurança nacional). Nada obstante, não há dúvidas de que o Supremo Tribunal Federal é hoje um dos tribunais constitucionais que mais se importam com as liberdades de expressão e de imprensa no mundo. Essa preocupação tem-se refletido, como visto, em decisões que, cada vez mais, levam em consideração a necessidade de proteção desses direitos fundamentais.
Embora o STF venha dando significativos passos em defesa das liberdades de expressão e de imprensa, é preciso avançar ainda mais. Na medida em que nos distanciamos historicamente da ditadura militar que assolou o país, corremos o risco de esquecer o que significa ausência de liberdade, o que representa a censura e os graves danos que ela causa. Por isso, é importante que estejamos sempre vigilantes em sua defesa. As liberdades de expressão e de imprensa são fundamentais não só para o desenvolvimento da democracia, como também da própria autonomia individual. Essas garantias precisam se solidificar na sociedade brasileira. E o STF não só pode como deve continuar desempenhando importante papel nesse processo de consolidação.
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*Professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas - FGV/Rio. Advogado do escritório Binenbojm, Gama & Carvalho Britto Advocacia
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