A violação literal e direta
A principal nota que diferencia o ser humano das outras espécies é a linguagem. Outros seres evidentemente têm suas formas de comunicação, porém básicas, como emitir sinais de perigo ao grupo, sinais de domínio da área territorial quando outro macho arrisca invasão, e coisas do gênero.
terça-feira, 31 de maio de 2011
Atualizado em 30 de maio de 2011 11:11
A violação literal e direta
Mário Gonçalves Júnior*
A principal nota que diferencia o ser humano das outras espécies é a linguagem. Outros seres evidentemente têm suas formas de comunicação, porém básicas, como emitir sinais de perigo ao grupo, sinais de domínio da área territorial quando outro macho arrisca invasão, e coisas do gênero. Mas o homem desenvolveu algo bem mais complexo, consistente em códigos de fonemas (sons) com correspondentes em letras (escrita), cujo significado vai muito além das mensagens básicas: transmitem ideias elaboradas, fruto da inteligência superior que algumas religiões, como a católica, permitem ao homem ser comparado ao Ser Supremo por "semelhança".
Assim, a linguagem escrita, como a falada, não são facilmente decifráveis só pelo seu conteúdo e aparência. Normalmente há necessidade de investigar o contexto e a intenção. Quando investigamos contexto em hermenêutica, nomeamos essa forma de buscar o sentido da mensagem cifrada de interpretação sistemática. É como adequar o conteúdo de uma norma de conduta isolada ao conjunto de normas de conduta do sistema, a fim de não haver contradições. Já quando buscamos o impulso original de quem elaborou a norma, queremos saber onde se queria chegar ao se estabelecer o regramento analisado, qual o efeito concreto que o legislador objetivou alcançar. A essa maneira de interpretar um texto legal chamamos de interpretação finalística, isto é, a que foca o resultado esperado da norma.
Um texto escrito, que é como se expressa materialmente a norma legal, portanto, nem sempre oferece facilidade de conhecimento de seu verdadeiro conteúdo e alcance, porque certamente a criatividade mental é maior do que as palavras faladas e escritas podem cifrar, por melhor que seja o redator da norma. A concepção psicológica, interna, de uma ideia, sempre será mais expansiva e ilimitada do que quando for retratada nas amarras da linguagem escrita e falada. A transformação de uma ideia mental num conjunto de sons (fonemas) e letras (signos escritos) sempre trará alguma redução, simplificação, porque a comunicação é bem mais restrita do que a imaginação. Em geral, portanto, a interpretação literal e "direta" não se apresenta possível, porém toda norma deve ter alguma maneira de se chegar a tal, sob pena de termos normas passíveis de controle jurisdicional pelos Tribunais Superiores e outras não, como que privilegiando algumas, cujas ideias, talvez por mais simples, foram mais fáceis de representar na linguagem escrita e falada do que outras. O sistema legal não pode estabelecer diferenciação no controle da legalidade entre normas com ideias mais complexas de normas com ideias menos complexas, pois seria como condenar os jurisdicionados a menos instâncias (as ordinárias) só porque seus direitos estariam garantidos em normas de conduta mais diretamente fáceis de exteriorizar do que outras.
A noção de Justiça não pode ser confinada aos limites da linguagem humana. As ideias escritas mais complexas, que dependem de sentidos mais apurados para serem decifradas, também devem sofrer o controle jurisdicional das instâncias superiores, sob pena de se reduzir a revisão extraordinária apenas às literalidades onde elas são bastantes. Se uma ideia, portanto, não pode ser simplificada numa frase ou numa sequência de sons que exprima essa frase escrita, exigindo do intérprete que vá além, nem por isto esse direito estará condenado a menos instâncias revisoras do que as facilitadas, pela linguagem e conteúdo, aos direitos cuja expressão idiomática se faz sem maior esforço.
Isto vale, por exemplo, para os recursos de revista e de embargos trabalhista (Súmula 221/TST - clique aqui), como vale para o recurso especial para o STJ e extraordinário para o STF. A concretização da Justiça não pode ser amesquinhada às deficiências da linguagem humana.
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*Advogado trabalhista, pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho
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