Emenda Peluso e Direito de Defesa
Em meio à polêmica desencadeada pelo projeto de novo CPC, o Exmo. Sr. presidente do STF, e do CNJ, ministro Cezar Peluso, sugere emenda à Constituição que visa a permitir execução imediata e definitiva de decisões judiciais de segundo grau, mesmo pendentes de julgamento recurso especial no STJ, ou extraordinário no STF.
terça-feira, 24 de maio de 2011
Atualizado às 08:37
Emenda Peluso e Direito de Defesa
Almir Pazzianotto Pinto*
Em meio à polêmica desencadeada pelo projeto de novo Código de Processo Civil (clique aqui), o Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Cezar Peluso, sugere emenda à Constituição que visa a permitir execução imediata e definitiva de decisões judiciais de segundo grau, mesmo pendentes de julgamento recurso especial no Superior Tribunal de Justiça, ou extraordinário no Supremo Tribunal Federal.
Na hipótese de promulgação as partes em litígio terão amputado o direito ao "contraditório e amplo direito de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", em nome da bandeira da celeridade desfraldada por S.Exa após assumir a presidência do STF. A morosidade jamais foi objeto de defesa. Imprensa, advogados, membros do Ministério Público, juízes, ministros dos tribunais superiores e do Supremo, apregoam a necessidade de se imprimir rapidez aos processos. A dificuldade está na combinação da celeridade com o direito de defesa, e em fazer com que magistrados, desde o primeiro ao último grau, e dos diversos tribunais, velem pela a rapidez, a começar pelos respectivos gabinetes.
O CPC de 1939 (clique aqui), obra magistral de Pedro Batista Martins, livrou o processo civil de minúcias legadas pelas Ordenações Filipinas. Foi substituído pelo CPC de 1973 (clique aqui), elaborado pelo professor Alfredo Buzaid. Costuma-se dizer que o Código Buzaid foi escrito para advogados. Ainda que verdadeira, a afirmação não o desmereceria. Aos advogados, indispensáveis à administração da Justiça (CR, Art. 133) cabe a missão de expor a causa ao juiz, fundamentá-la e convencê-lo de que o bom direito é o do cliente.
A frondosa árvore do Judiciário cinde-se, grosso modo, em dois grandes ramos: Juízes e Tribunais dos Estados, e Juízes e Tribunais Federais. À esfera da Justiça Federal pertence a Justiça do Trabalho. Por princípio deve ser observado o duplo grau de jurisdição, encerrando-se na segunda instância o reexame de matéria fático-probatória.
Acima da Justiça dos Estados, e dos Tribunais Regionais Federais, paira o Superior Tribunal de Justiça - STJ, a quem compete "julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, quando a decisão recorrida (...) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal". Tal como sucede com o Tribunal Superior do Trabalho, o STJ é Corte consagrada à uniformização da jurisprudência. Não lhe cabe debruçar-se sobre depoimentos pessoais, testemunhais, provas periciais e documentos, para decidir sobre acerto ou erro em matéria fática. As responsabilidades são outras e, entre elas, imprimir alguma harmonia entre julgados conflitantes, originários de Tribunais Regionais Federais, ou do Trabalho, distintos.
À medida que as partes impulsionam a causa às instâncias superiores, os gargalos se estreitam, os requisitos de admissibilidade tornam-se rigorosos, as chances de o vencido obter sucesso se reduzem. O menor número de demandas no STJ, como no TST e STF, resulta de obstáculos legais ao sucessivo reexame do feito. O Relatório Geral da Justiça do Trabalho relativo a 2009, por exemplo, revela que, nesse ano, foram ajuizados 2.107.445 dissídios individuais e coletivos, dos quais cerca de 50% se encerraram mediante conciliação. Aos 24 Tribunais Regionais subiram 537.448, e ao TST 157.335. Isto significa que, aproximadamente, 7% atingem a derradeira instância. A quantidade mais diminui quando pesquisamos os recursos extraordinários impetrados, no TST, ao Supremo: cerca de um mil por mês ou 12 mil ao ano. O provimento dos recursos pode ser considerado mínimo, diante do volume representado pelos que conseguem galgar os degraus superiores da escada. Disso não se deve concluir, todavia, que são inúteis ou revestidos de intuito meramente protelatório. Como antigo advogado e ex-juiz sei que são frequentes as situações nas quais a correta qualificação jurídica do caso foi alcançada no último momento processual, quando as esperanças achavam-se quase perdidas.
Ao dispor sobre o sistema de recursos, a Constituição não o fez para serem figuras decorativas. Teria sido mais apropriado e elegante se a Emenda Peluso propusesse diretamente, sem tergiversar, a revogação do inciso III do art. 102, e III do art. 105, pois, de qualquer maneira, tornar-se-ão letras mortas.
Se a "nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos", causa-me certa perplexidade que se conceda ao relator, "se for o caso", pedir preferência de julgamento. A medida, talvez, nunca será deferida àquele anônimo advogado do interior remoto, sem acesso fácil ou difícil à Brasília.
Atribuir ao recurso especial e ao extraordinário a culpa pela morosidade, com todo o respeito, sugere isolamento do mundo real. A morosidade não é do advogado que observa os prazos e exercita direitos constitucionalmente assegurados, mas fruto de sistema que insiste no amor à burocracia, cujos instrumentos de controle interno são lenientes ou inexistem.
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*Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST
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