Obama versus Osama
Osama Bin Laden merece de sobra toda a soma de indignação de que vem sendo alvo. Mas depois de desqualificar Osama como fanático, louco, monstro e inimigo público número um da humanidade, resta prestar atenção na sua figura, definir seu perfil histórico impresso no imaginário coletivo não só do Islã, como do ocidente e do mundo inteiro.
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Atualizado em 12 de maio de 2011 00:16
Obama versus Osama
Gilberto de Mello Kujawski*
Osama Bin Laden merece de sobra toda a soma de indignação de que vem sendo alvo. Mas depois de desqualificar Osama como fanático, louco, monstro e inimigo público número um da humanidade, resta prestar atenção na sua figura, definir seu perfil histórico impresso no imaginário coletivo não só do Islã, como do ocidente e do mundo inteiro.
A figura de Osama é a de um profeta. Ele foi, essencialmente, um profeta, com cara, barba, e o discurso delirante dos profetas. Profeta não é quem simplesmente prevê o futuro. Ou melhor, o profeta enxerga o futuro ao anunciar os desígnios de Deus, ao fazer-se porta-voz das maldições e das bênçãos divinas reservadas para seu povo.
Barack Obama, o presidente americano, quase homônimo de Osama, é o contrário de um profeta. Obama é um político da cabeça aos pés, no direito e no avesso. Não ouve vozes do além, não age por inspiração sobrenatural, nem se impõe como alguém movido por predestinação divina. Obama se pauta pela razão, pelo comedimento e pela tolerância, e seu estilo é sempre diplomático e elegante. O profeta e o político são como água e azeite, não dão liga. No entanto, alguém já observou que o político é quem deve governar, não o profeta; mas que seria bom o político saber ouvir o que grita e insinua o profeta, uma espécie de para-raio do invisível.
Ao ordenar o 11 de Setembro, Osama desencadeou o estado de guerra contra os Estados Unidos e o Ocidente. É isso o que muita gente não entende. Vivemos em "estado de guerra" contra o terrorismo, desde o ataque às Torres Gêmeas. O terrorismo mundial veio para ficar. Não se trata de guerra fria, mas de guerra cruenta, bárbara e sanguinária, de caráter continuado, embora com ataques intermitentes.
Quem estudou a fundo o fenômeno da guerra foi o filósofo alemão Max Scheler, em livro publicado no ano de 1915, "O gênio da guerra e a guerra alemã". Scheler desfaz várias confusões e lugares-comuns que circulam como certezas insofismáveis na opinião pública e entre muitos autores respeitados.
Em primeiro lugar - sustenta Scheler - a guerra nada tem a ver com a luta pela existência, própria do reino animal. Trata-se de algo especificamente humano, não a mera expansão da violência física. A guerra consiste na controvérsia de poderio e vontade entre Estados, que são organizações acima e distintas da natureza. A guerra é a luta pelo poder na qual se persegue algo superior à existência, a conquista do poderio, e, em última análise, a liberdade política. O que significa que a finalidade última da guerra é algo de ordem espiritual. Ela não visa o extermínio de outros grupos humanos, e sim nova repartição do poderio coletivo entre esses grupos.
Em segundo lugar, a motivação da guerra não é o interesse econômico, material, como se pensa. Ela pode disparar-se como conflito de interesses, mas não se identifica com este. O conflito básico na guerra é o conflito de poderios, no fundo uma controvérsia espiritual, na qual vão incluídos valores, concepções de vida, princípios, crenças e ideias. Maneiras e opções de conceber e viver a vida.
Neste ponto levanta-se a objeção de outro filósofo, Ortega y Gasset, à descrição do fenômeno da guerra segundo Scheler. Tudo bem que a guerra consista na luta entre poderes nacionais, com suas culturas específicas, e não naquela miserável ambição econômica de que tanto se fala. Só que a partir desta posição, perfeitamente lúcida e razoável, a descrição de Scheler sofre um desvio inaceitável. O pensador alemão escamoteia do conceito da guerra a essencial e intrínseca violência na qual ela consiste. Insiste Ortega em que a violência não é nenhum dado extrínseco da guerra. Embora movida por um impulso espiritual, que é a vontade superior de organização, não se passe por alto que a guerra implica, necessariamente, no exercício da violência.
Em outras palavras: "a guerra é para a ética um caso particular do direito de matar". Há outros casos do direito a matar, como a legítima defesa, o estado de necessidade, reconhecidos por lei, e outros nem tanto, como a eutanásia e o aborto.
Isto posto, voltamos ao que foi dito antes, a saber, que desde o ataque de 11 de Setembro, os Estados Unidos e o Ocidente encontram-se em estado de guerra continuada contra o terrorismo. De onde se segue que, se nos encontramos em guerra declarada contra o terrorismo, não é preciso pedir licença para matar terroristas. E nem se deve prender os terroristas para levá-los a julgamento. Toda essa celeuma levantada sobre a pretensa violação dos direitos humanos em relação a Osama, sobre se estava ou não armado, não tem razão de ser. Quando combatentes de bandeiras opostas se encontram face a face, um atira no outro, sem precisar pedir licença a ninguém, nem pensar em levar o outro a julgamento por crime de guerra.
Em suma: a execução de Bin Laden foi uma operação de guerra. E no curso da guerra o direito de matar está implícito. Os americanos atiraram em Osama e o mataram. O saudita poderia ter feito o mesmo. No estado de guerra os direitos são recíprocos. Bin Laden foi morto em combate, legitimamente, no conflito que ele mesmo provocou na sua obsessão mórbida de exterminar o "Grande Satã" (USA e o Ocidente).
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*Ex-promotor de Justiça. Escritor e jornalista
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