Bin Laden
Num Estado de Direito, o poder jurisdicional - o poder de condenar alguém ao cumprimento de determinada pena - é atribuído ao Poder Judiciário. O Poder Executivo pode, quando muito, exercer o poder de polícia, no sentido de capturar o imputado, para levá-lo a julgamento.
sexta-feira, 6 de maio de 2011
Atualizado em 5 de maio de 2011 14:44
Bin Laden
Luiz Fernando Hofling*
"Eu planejei, comandei e determinei a morte de Osama Bin Laden. A justiça foi feita." - presidente Barack Obama
Num Estado de Direito, o poder jurisdicional - o poder de condenar alguém ao cumprimento de determinada pena - é atribuído ao Poder Judiciário.
O Poder Executivo pode, quando muito, exercer o poder de polícia, no sentido de capturar o imputado, para levá-lo a julgamento.
Se, no curso da tentativa de captura, houver resistência, será admissível que o imputado venha, eventualmente, a sucumbir, por força do princípio da legítima defesa, invocável pelos agentes do órgão policial que viessem a sacrificá-lo.
Não se admitirá, entretanto, em nenhuma hipótese, que, mais além do poder de polícia, o Poder Executivo, na pessoa de seu primeiro representante, coordene a captura, julgue e aplique a penalidade de morte, ao imputado, sem respeito ao devido processo legal, fazendo-a executar, pelos próprios órgãos policiais de que dispõe.
Foi isso que, como cultivadores do Direito, aprendemos, durante toda a vida...
Se assim é na democracia brasileira, não deve ser diferente, no contexto do Direito Público americano, tanto mais que se trata da maior democracia do mundo.
É, pois, inexplicável como possa ter o presidente americano, comparecendo diante dos canais de televisão, declarado que planejara, comandara e determinara a aplicação da pena de morte ao terrorista Bin Laden.
Há uma desconformidade total entre os princípios do Direito americano, como os conhecemos, e essa atitude do presidente, tanto mais estranhável quanto se sabe que seu programa de governo se diferenciou do de seu opositor exatamente pela defesa dos direitos humanos, desconsiderados na gestão anterior.
Não se trata de defender, aqui, o terrorista Bin Laden.
Trata-se de assinalar que o mais elementar direito humano - o da preservação da vida - foi desconsiderado, em relação a ele, o que constitui um pressuposto para que seja desrespeitado, em relação a qualquer outro.
Dir-se-ia que o estado de guerra ao terrorismo, em que se encontram os Estados Unidos da América, justificou a iniciativa do presidente.
O presidente Truman, com não menor franqueza, determinou a utilização das bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki, matando dezenas de milhares de cidadãos pertencentes ao país inimigo.
Tratou-se, porém - sem querer justificá-lo, mas adequando o caso a uma categoria legal conhecida - de uma operação de guerra e não de uma operação policial, como a que eliminou Bin Laden, até porque não se admitiria como possível a declaração de guerra de uma nação contra um grupo de pessoas, ou contra uma pessoa que viesse a liderá-lo.
Se a presidente Dilma comparecesse ao estúdio de televisão e anunciasse que planejara, comandara e determinara a aplicação da pena de morte, em relação a quem quer que seja, não escaparia às garras do Ministério Público, que, possivelmente, a denunciaria por homicídio doloso.
Vantagem para a democracia brasileira: nossa formação jurídica e cultural não se concilia com a admissão de práticas do "far west" na política externa.
O presidente Obama, por maior que seja o aplauso de que virá a desfrutar, entre seus compatriotas, em razão do seu feito, dificilmente resgatará, depois desse episódio, e perante a História, a imagem, que o levou à presidência do país, de político moderado e coerente com os melhores princípios da democracia.
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*Advogado do escritório Höfling, Thomazinho Advocacia
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