Por que parou? Lista de A a Z de motivos
Ontem, a maioria dos juízes Federais realizou um dia de paralisação para chamar a atenção da cúpula dos poderes constituídos sobre as condições atuais da magistratura Federal. O protesto não visou prejudicar a população, por dois motivos básicos: os casos urgentes foram julgados normalmente e todos sabemos que, logo após a paralisação, o trabalho será devidamente compensado.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Atualizado às 09:11
Por que parou? Lista de A a Z de motivos
George Marmelstein*
No dia 27 de abril de 2011, a maioria dos juízes Federais do Brasil realizou um dia de paralisação-protesto para chamar a atenção da cúpula dos poderes constituídos sobre as condições atuais da magistratura Federal. O protesto não visou, de modo algum, prejudicar a população, por dois motivos básicos: (a) os casos urgentes foram julgados normalmente e (b) todos sabemos que, logo após a paralisação, o trabalho será devidamente compensado. Foi, portanto, apenas um dia de protesto para que os nossos pleitos sejam ouvidos pela cúpula (leia-se: STF, CNJ, CJF, Legislativo e Executivo). Se não resultar em nada, ou seja, se continuarmos a ser solenemente ignorados nas nossas reivindicações, aí sim poderemos pensar em uma medida mais drástica, já que aqueles que não lutam pelos seus direitos não os merecem, como já ensinava Ihering.
Pois bem. E qual o motivo da paralisação-protesto?
São vários motivos, na verdade. Existe uma bola de neve de motivos que vem se acumulando ao longo do tempo. A questão salarial é apenas uma delas, mas não é a única, nem talvez a mais importante. Vai aqui uma pequena lista de motivos de A a Z, ressaltando, desde já, que o objeto específico do protesto é mais restrito, pois se restringe aos primeiros itens:
(a) vários juízes Federais vivem em situação de total intranquilidade em razão de sua atividade, havendo vários casos de ameaças de morte ainda pendentes de solução: a Ajufe pleiteia uma série de medidas visando salvaguardar a segurança dos juízes, sendo esse um dos motivos que encabeçam a lista do protesto;
(b) a carga de trabalho dos juízes Federais aumentou drasticamente com o aumento da litigiosidade sem que tenha sido criada a estrutura adequada e necessária para acompanhar o crescimento da demanda; desse modo, urge serem aprovadas as leis que ampliam a estrutura da Justiça Federal, até para que a qualidade do serviço prestado possa corresponder ao que a sociedade nos exige;
(c) o esforço dos juízes Federais em cumprir as metas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça não é acompanhado de um esforço da cúpula dos poderes constituídos para melhorar e ampliar a estrutura da Justiça Federal, nem as condições de trabalho dos juízes;
(d) a produtividade quase desumana que vem sendo exigida dos juízes não tem sido acompanhada de medidas para compensar o sacrifício, já que sequer temos direito a adicional noturno, horas-extras ou direito de compensar o excesso de trabalho, nem acompanhamento médico ou algo do gênero;
(e) cada vez mais são aprovadas medidas para controlar os juízes, inclusive interferindo na independência jurisdicional, como demonstram as ameaças de punição de juízes por decisões proferidas no exercício da função jurisdicional, a revogação de ordens judiciais, inclusive já transitadas em julgado, por ato administrativo do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho da Justiça Federal e a orientação explícita para que as decisões dos juízes sigam a cartilha ditada pelos tribunais como requisito para a promoção por merecimento;
(f) praticamente, todos os pleitos administrativos e judiciais formulados pelos juízes Federais têm sido negados pelo CJF, CNJ e STF. Porém, as raras decisões que beneficiam os juízes Federais são solenemente descumpridas pelos órgãos de administração da Justiça Federal, inclusive a decisão do CNJ que reconheceu que os juízes Federais devem ter um tratamento, no mínimo, idêntico aos dos procuradores da República;
(g) o mero fato de a magistratura Federal pedir de joelhos para receber um tratamento pelo menos igual ao do Ministério Público Federal já demonstra a que ponto chegamos, merecendo ser ressaltado que o juiz Federal já começa a carreira ganhando um subsídio 5% menor do que um procurador da República recém-ingresso, além do que, ao contrário dos membros do Ministério Público, os juízes Federais não podem ser indenizados em caso de férias não-gozadas, nem possuem a licença-prêmio ou auxílio-alimentação;
(h) as poucas normas que beneficiam os juízes Federais são sistematicamente desrespeitadas pelos poderes constituídos, em particular a que garante a revisão geral anual dos subsídios, devendo-se ressaltar que os subsídios sofreram uma desvalorização de mais de 20% desde 2006;
(i) durante a aprovação do teto, criado para acabar com os super-salários, bem como com a criação do regime de subsídios, que visou sistematizar o regime remuneratório dos agentes públicos, foram criadas medidas para garantir (a) que as atividades mais complexas e que exigissem mais responsabilidade seriam melhor remuneradas e (b) que o subsídios seria reajustado anualmente. Nada disso está sendo respeitado;
(j) os juízes Federais, ao contrário do resto da humanidade, não são remunerados pelas atividades administrativas que exercem (direção do foro e da subseção, presidência de turma recursal, coordenador de central de mandados, membro de banca de concurso etc.), nem pela atividade exercida em turma recursal: urge, pois, que se aplique um tratamento idêntico ao que é dado aos demais órgãos do Poder Judiciário, inclusive no âmbito dos Tribunais Superiores, que remuneram devidamente seus magistrados por essas atividades;
(k) os juízes Federais, ao contrário do resto da humanidade, não recebem nada pelos plantões trabalhados, mesmo quando isso implique em acordar de madrugada, num fim de semana, para apreciar um pedido de habeas corpus urgente; essa atividade também sequer é passível de compensação, sendo considerado, por todos nós da magistratura Federal, mais dos inúmeros trabalhos escravos a que estamos sujeitos;
(l) os juízes Federais, ao contrário de todos os servidores públicos Federais do Brasil, não podem receber auxílio-alimentação, pois, segundo o entendimento da cúpula, somente são devidos aos magistrados os direitos previstos na LOMAN (clique aqui);
(m) embora a LOMAN preveja que os juízes possuem o direito a uma casa na comarca em que trabalhem ou, em sua falta, o direito ao auxílio-moradia, a LOMAN, nesse ponto, é solenemente ignorada, com base na desculpa esfarrapada de que não existe lei regulamentando a matéria, como se fosse necessária uma lei para regular outra lei;
(n) embora o motivo declarado aos juízes Federais para se negar o direito ao auxílio moradia seja a falta de lei regulamentando a LOMAN, os ministros dos Tribunais Superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal, recebem o referido auxílio-moradia com base em regulamentações administrativas, o que é totalmente incoerente com a postura adotada em relação aos juízes Federais;
(o) embora os subsídios dos juízes Federais sejam fixados com base no subsídio dos ministros do STF, estes têm inúmeras vantagens extra-subsídios que não são estendidas aos juízes, como direito a plano de saúde, passagens aéreas, carro oficial, apartamento funcional, entre outras;
(p) os juízes Federais, ao contrário do resto da humanidade, possuem uma série de limitações ao exercício de outras atividades, não podendo sequer ser síndico de prédio, para se ter uma ideia da dedicação monástica que nos impõe;
(q) o tratamento dado aos juízes Federais é ambíguo: aplicam o regime dos servidores públicos na parte que nos prejudique (p. ex. previdência), mas para aplicar os direitos garantidos aos servidores públicos dizem que somos agentes políticos;
(r) os juízes Federais não participam da escolha dos dirigentes administrativos dos tribunais, nem da tomada de decisões que afetam a administração judiciária, sendo muito pobre ou inexistente a democracia interna do Judiciário;
(s) embora os membros do Poder Legislativo tenham equiparado seus salários aos do Supremo Tribunal Federal, sabe-se que eles recebem 14º e 15º salários, o que significa que, anualmente, receberão uma quantia bem maior do que aquela permitida pelo teto constitucional;
(t) embora os membros do Poder Legislativo tenham equiparado seus salários aos do Supremo Tribunal Federal, os juízes Federais não possuem verbas indenizatórias de gabinete, nem direito a passagens aéreas, auxílio-moradia, plano de saúde e outras vantagens concedidas aos parlamentares;
(u) os juízes Federais, ao contrário do restante dos trabalhadores, não têm direito a horas extra, adicional noturno, insalubridade, periculosidade, FGTS etc.;
(v) há várias carreiras jurídicas, cujas atividades não são tão complexas quanto às exercidas pelos magistrados, que possuem um subsídio maior do que os juízes Federais. A título de exemplo, em alguns estados e municípios, o subsídio dos advogados públicos são equiparados aos dos desembargadores;
(x) com a interiorização da Justiça Federal, a carreira tornou-se ainda mais desgastante, exigindo do magistrado mudanças constantes para localidades nem sempre desenvolvidas, o que resulta em um enorme sacrifício para ele e sua família;
(z) os juízes não podem exercer política partidária, nem se licenciar para exercer outro cargo, nem podem exercer qualquer outra atividade, pública ou privada, salvo uma de professor.
Obviamente, os juízes Federais não estão pedindo para mudar todos os itens acima indicados. Esse rol tão longo serve apenas para mostrar algumas causas da insatisfação geral. O que reivindicamos é tão somente mais segurança, mais estrutura, cumprimento da decisão do CNJ a respeito da simetria e cumprimento da norma constitucional que garante o reajuste anual. Se for muito, parem o mundo que eu quero descer.
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*Juiz Federal da 9ª vara Federal do Ceará
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