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Nulidade da súmula nº 331 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho

Thiago de Mello Almada Rubbo

Por consequência natural do aumento da complexidade das relações sociais, a responsabilidade do tomador de serviços sobre as verbas trabalhistas de empresa interposta tornou-se tema de relevância supra nas discussões doutrinárias e, logo, judiciais.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Atualizado em 19 de abril de 2011 12:33

Nulidade da súmula nº 331 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho

Thiago de Mello Almada Rubbo*

"O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis." - Platão

Por consequência natural do aumento da complexidade das relações sociais, a responsabilidade do tomador de serviços sobre as verbas trabalhistas de empresa interposta tornou-se tema de relevância supra nas discussões doutrinárias e, logo, judiciais.

Acerca do tema já se escreveu deveras, tendo, inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho se pronunciado com a edição da súmula 331 (clique aqui), em que prevê, dentre outras, a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços, em caso de terceirização lícita.

SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21/11/2003

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (lei 6.019 - clique aqui, de 3/1/1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/88 - clique aqui).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (lei 7.102 - clique aqui, de 20/6/1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da lei 8.666 - clique aqui, de 21/6/1993).

Sob um novo olhar, estudiosos apontam a solução para uma releitura da responsabilidade sob o foco na premissa trazida pelo Código Civil (clique aqui), ao contrário das disposições de 1916, de responsabilidade objetiva (artigo 927, parágrafo único).

Este segundo tatbestand - o primeiro é a responsabilidade civil subjetiva - com leitura conjunta dos artigos 933 e 932, III, CC, permitiria ao comitente - o tomador - ser responsabilizado objetivamente pelas verbas trabalhistas do emprego da empresa interposta.

Esta é a tendência da linha de raciocínio.

Contudo, o que se pretende aqui é pugnar pela impossibilidade de se imputar a conhecida responsabilidade subsidiária do tomador, com supedâneo na aplicabilidade da súmula 331 do C. TST.

Com efeito, haverá de se reconhecer pela inaplicabilidade de tal consolidação jurisprudencial, eis que eivada de nulidade de ordem Constitucional.

Cediço que a elaboração de súmulas contempla o entendimento pacificado nos Tribunais por reiteradas decisões convergentes, que passam dia a dia pelo controle difuso de constitucionalidade.

Inquestionável, pois, que uma súmula jamais poderá abraçar preceitos que vão de encontro aos princípios e às disposições mater, de uma visão holística do Direito.

Uma súmula apenas poderá ser editada caso as decisões reiteradas que lhe deram origem não sejam inconstitucionais.

Nesse espeque, a existência da súmula 331 do TST é cravada de nulidade.

Em primeira análise, não se pode concordar haver consonância com o princípio da legalidade, da estrita legalidade, em que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, porque há hialina criação de normas de conduta sem ser por lei.

Lei? Fala-se em lei em sentido estrito.

Nem se fala em afronta clara ao princípio da isonomia e à separação de poderes.

Cada Poder, no sistema tripartite de Poderes adotado, é concebido e estruturado para exercer a sua função típica. Nem é necessário dizer que o do Judiciário é o julgamento das causas apresentadas a ele (é o pronunciamento cogente da aplicação do Direito).

Importante colocar, aqui, a posição do professor André Ramos Tavares:

"No declarar o Direito deverá, preliminarmente, defender a Constituição, inclusive contra as leis editadas em desrespeito àquela". (Curso de Direito Constitucional, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1031).

Não se pode esquecer que todos os ramos didáticos do Direito (Administrativo, Trabalhista, Cível, Criminal, Previdenciário) são subsistemas temáticos do grande complexo jurídico, que se baseia nos ditames da Constituição Federal.

O que se quer dizer com isso?

A moderna processualística deve sempre levar em conta o que preceitua a Constituição Federal, no que argumentos de cunho puramente processual jamais poderão prevalecer em face de afronta à Pétrea Missiva, o que deveras vezes ocorre - a mesma sorte acompanha o direito substantivo.

Com o pensamento, os direitos e garantias fundamentais devem sempre ser o norte das relações humanas, especialmente a organização administrativa do País.

Nestes termos, repita-se, cada um dos três Poderes deve exercer as funções típicas (administração, jurisdição, legislação).

Claro, os Poderes, cada qual com a sua limitação, têm as funções atípicas, que, por sua vez, são as típicas dos demais.

Assim, o Poder Judiciário poderá legislar internamente com as Resoluções e Provimentos internos e poderá administrar os seus órgãos internos.

Intrinsecamente ligado a isso é o princípio da legalidade, aqui violado pela criação de normas de conduta pelo Judiciário.

Além de tudo, o sistema legislativo bicameral rigoroso, formador das leis em sentido estrito, tem por escopo garantir que a vontade da população se efetive em norma de conduta, garantindo-se os princípios constitucionais.

É para isso que há uma organização típica para tal função: o Poder Legislativo.

Agora, admitir que o Poder Judiciário se utilize da uniformização de entendimento jurisprudencial para, aí, criar norma de conduta arrepia os princípios da legalidade e da separação dos poderes (Título IV da Constituição Federal).

É cediço que a imputação de responsabilidade solidária e subsidiária (chamada por alguns de solidariedade imprópria ou com benefício de ordem ou, melhor, de responsabilidade acessória subsidiária, como entende Carlos Henrique da Silva Zangrando - Curso de Direito do Trabalho - Tomo II. São Paulo: LTr, 2008, p. 1016) é possível apenas em virtude de lei (lei, aqui, é lei em sentido estrito, que deverá passar pelo sistema bicameral e ser discutida, logo, pelos representantes do povo) ou vontade de partes - o que nunca ocorre na relação comercial da terceirização, in casu.

As súmulas jurisprudenciais são extremamente úteis e devem existir para uniformizar entendimento e esclarecer posicionamentos e sombras doutrinárias, sendo-lhe vedada a sua utilização para fins normativos (não se pode misturar a vertente do poder normativo do Judiciário trabalhista com a elaboração de súmulas!).

Quando utilizada com este fim há afronta ao princípio da legalidade, que é o basilar do Estado Democrático de Direito, nas palavras de José Afonso da Silva.

Nesse passo, qualquer postura de outrem, órgão ou Poder Público que pretenda a alguém, pessoa física ou jurídica, a obrigação de um comportamento sem previsão legal expressa, viola este princípio, o que se perdurar corresponde a verdadeiro arbítrio.

Logo, admitir-se a legislação advinda de súmula é negar o Estado Democrático de Direito, eis que viola as mais importantes garantias das pessoas (artigo 44 da CF).

Não bastasse a violação aos princípios da separação dos Poderes e da legalidade, o que já bastava para negar validade à súmula 331 - nem precisamos falar em efeitos, olhem, pois sem validade, produção de efeitos não há - observa-se afronta ao princípio da isonomia.

Tratar-se da isonomia no Direito do Trabalho é complicado, especialmente se se admitir validade à súmula 331, o que é absurdo, ao passo que viola o artigo 5º, caput.

Veja. Tanto nas faces material e formal há vedação em se tratar pessoas de mesma categoria de formas totalmente diversas, dando mais garantias a uma do que a outra, sem qualquer justificativa jurídica - o Direito não pode ter lugar para casuística.

Com a criação legislativa nula, vê-se que é mais vantajoso ser empregado terceirizado do que próprio.

Explicamos.

Tendo em conta que, pela súmula em testilha, o empregado tem dupla garantia de receber suas verbas (do empregador e do tomador de serviços). De fato há maior possibilidade daquele que apenas a tem do tomador, seu empregador.

Isso seria capaz de servir de estímulo ao trabalhador laborar nas empresas terceirizadas somente?

A violação apontada ao caput do art. 5º, CF, é nesse sentido. Não é diferença de tratamento justificada, é diferença baseada em norma de conduta nula e que não poderia jamais produzir efeitos.

Ainda não se pode deixar de pensar haver fomentação à insegurança jurídica, com a súmula 331 do TST.

Além, é claro, de ocorrer subversão da ordem Constitucional, a responsabilização ilegal de outrem, que mantém relação comercial com o empregador, não pode prosperar.

A relação do tomador de serviços só existe com o prestador, jamais com seus empregados, tanto que não há pessoalidade na relação. E a responsabilidade subsidiária extracontratual imputada gera insegurança jurídica.

Com a justificativa na proteção de uma classe, não se pode esquecer das regras comuns e dos princípios que mantém a sociedade em funcionamento. É salutar se adaptar ao ambiente, mas sempre mantendo consigo os princípios da ética e da moral - esta é a chave para não levar ao estado caótico.

Não se pode negar, entretanto, que a criação legislativa não acompanha a evolução das relações sociais - mas é esse o preço que se paga pelo modelo de sociedade escolhido com princípios e segurança jurídica.

Com isso, não se pode justificar que a elaboração de 'súmula legislativas', como a 331, deve-se ao fato de adequar as normas às necessidade sociais.

As normas precisam de constantes mudanças, claro. Mas devem ser feitas pelas vias legais e lícitas.

Se observada a incompatibilidade entre as normas em vigência e a situação fática do mundo, faltando espaço para a subsunção, os ínclitos Ministros do E. TST, os Desembargadores dos Tribunais Regionais, os nobres Magistrados de origem, as organizações sindicais e os cidadãos devem exercer os seus direitos políticos e provocar os políticos em que votaram.

São eles, integrantes do Poder Legislativo, que têm o condão de elaborar leis.

Não se deve admitir que com a elaboração de súmulas legislativas, o Tribunal Superior tente concertar uma injustiça criando outra.

Muito embora seja louvável a intenção, o estudioso do Direito não pode reconhecer validade a normas que não respeitam o processo legislativo.

Assim, não pode ser outra conclusão senão a de que é mister imediata revisão da súmula 331 do TST, para que se adéque à organização sócio-legal do Brasil, em respeito aos ditames da Constituição Federal, deixando para uma lei em sentido estrito a normatividade necessária.

Como consequência, as decisões pautadas em súmulas nulas serão sempre inconstitucionais, haja vista haverá criação legislativa pontual - nos mesmos argumentos trazidos para defender a nulidade de tal súmula.

Sob tais fundamentos, e não sobre a validade ou não de súmula, a Corte Constitucional poderá se manifestar, por que se restabelecerá a segurança jurídica outrora violada.

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*Advogado do escritório Gomes & Hoffmann, Bellucci e Piva Advogados

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