Desarmamento sob novo referendo
Apesar de mais de 60% da população já ter votado contra a proibição ao comércio de armas, acho que a aplicação do Estatuto do Desarmamento que aponta claramente para a retirada das armas de fogo das mãos dos bandidos e dos cidadãos foi bem recebida pela população que tem aderido às campanhas de desarmamento.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
Atualizado em 14 de abril de 2011 11:19
Desarmamento sob novo referendo
Francisco Alexandre de Paiva Forte*
Escutei com atenção, pela TV Senado, o pronunciamento, na tarde deste 12 de abril, do Senador e ex-ministro da Justiça Renan Calheiros defendendo a realização de um novo plebiscito, capitaneado pela iniciativa do Presidente do Senado José Sarney.
Tem razão o Senador Calheiros quando afirma que as leis não são eternas e que a sociedade evolui, sendo recomendável retomar o debate da proibição ao comércio de armas.
Em 2005 votei contra a iniciativa do governo e do Congresso Nacional, um Congresso comprometido, ao menos midiaticamente, com o escândalo do mensalão, tanto que chegou a ser noticiado que uma centena de parlamentares teria recebido dinheiro do esquema do mensalão para acompanhar o governo na proposta de referendo, todos a favor do desarmamento.
Hoje o cenário leva-nos a mudar de lado. Menos pela tragédia no Rio de Janeiro que, embora chocante, denota muito mais tratar-se de um problema de saúde mental, e mais pelas estatísticas sobre homicídios com armas de fogo.
Apesar de mais de 60% da população ter votado contra a proibição ao comércio de armas, sendo que nos Estados de fronteira cerca de 80% ou mais votou contra a iniciativa do governo, por razões históricas e fronteiriças bastante compreensíveis, acho que a aplicação do Estatuto do Desarmamento que aponta claramente para a retirada das armas de fogo das mãos dos bandidos e dos cidadãos foi bem recebida pela população que tem aderido às campanhas de desarmamento.
Excetuando alguns poucos casos de linchamento registrados no país, a população tem gradualmente dado crédito ao Estado na implementação da política de desarmamento.
Mas, é preciso que o governo tenha uma atuação mais firme no desarmamento à criminalidade desorganizada. Pois, muito se fala em crime organizado. Sendo que o grosso das armas, o volume de pistolas que circula no país, anda nas mãos dos bandidos sem organização alguma, muitos analfabetos e semi-analfabetos que constituem uma mão-de-obra suja para todo tipo de vileza, inclusive pistolagem da mais barata que se possa imaginar: basta ver o número de usuários de crack assassinados por dívida de bagatela.
Ao mudar de opinião nessa matéria não pretendo fazer coro com uma visão pacifista que se vangloria de apregoar uma cultura de paz com o velho bordão "não reaja".
A paz não se faz com mantra de rendição e subserviência à opressão, mesmo que seja a opressão momentânea de um gângster que quer tomar de assalto o patrimônio. A esse respeito é bom lembrar que Gandhi - uma autoridade incontestável em matéria de paz - repreendeu a população de um vilarejo, na Índia, que se deixara ser agredida por militares britânicos sem esboçar o mínimo gesto de defesa. O que um pacifista não deve fazer é agredir o agressor. Mas, defender-se diante de uma agressão atual e iminente é uma obrigação e um direito.
É preciso que a sociedade encontre mais e mais um substituto para as armas de fogo, algo que forneça uma sensação de segurança com o menor risco possível e o maior bem estar coletivo.
A prática de determinadas artes marciais, como, por exemplo, o Tai Chi Chuan deveria ser incentivada pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério da Saúde.
Até porque um efetivo desarmamento passa pelo desarmamento dos espíritos. E espíritos desatentos, dispersos, estressados, frustrados e despreparados jamais estarão aptos a uma cultura de paz. Basta ver o que se faz com foices, machados, facas, facões, pedras e gargalos de garrafas por esse continental país, às vezes por uma simples batida de carros.
Por uma questão de coerência seria de bom alvitre que o porte automático de armas para certas autoridades também fosse abolido. Não faz muito tempo e um juiz do Ceará envolveu-se numa tragédia por dispor do direito de portar arma, um direito que dispensa qualquer preparo e comprovada necessidade.
E, mais ainda, coerente com a proposta de desarmamento do Senador Sarney, faz-se imprescindível proibir que um cidadão, por mais rico que seja, contrate segurança armada para escoltá-lo. As empresas de segurança privada deveriam ser limitadas a complementar a segurança pública, como é o caso da guarda e transporte de valores e para atuar em locais públicos.
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*Analista Judiciário e mestre em Direito Constitucional pela UFC - Universidade Federal do Ceará
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