Uma possível emenda ao novo CPC no que tange à assistência judiciária gratuita
É necessário fazer algumas reflexões acerca do projeto do novo CPC (PL 8.046/10), mais especificamente sobre a Assistência Judiciária Gratuita. Sabe-se que o sistema atualmente vigente tem admitido a mera declaração unilateral como único requisito formal para a concessão do benefício da isenção de custas, despesas processuais e honorários sucumbenciais e periciais.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
Atualizado em 12 de abril de 2011 09:05
Uma possível emenda ao novo CPC no que tange à assistência judiciária gratuita
Arthur Mendes Lobo*
1. Aspectos polêmicos da Assistência Judiciária Gratuita
É necessário fazer algumas reflexões acerca do Projeto de novo Código de Processo Civil (PL 8.046/10 - clique aqui), mais especificamente sobre a Assistência Judiciária Gratuita.
Sabe-se que o sistema atualmente vigente tem admitido a mera declaração unilateral como único requisito formal para a concessão do benefício da isenção de custas, despesas processuais e honorários sucumbenciais, periciais (conforme art. 3º e 4º da lei 1.060/50 - clique aqui).
A sistemática atual, ao dispensar a comprovação do estado de pobreza da parte requerente, tem sido alvo de inúmeras críticas na doutrina e jurisprudência, pois a um só tempo: i) contraria o texto constitucional que garante o benefício aos "comprovadamente" pobres, e não aos "declaradamente" pobres; ii) frustra o direito dos advogados de recebimento dos honorários sucumbenciais, dos oficiais de justiça aos emolumentos, dos peritos aos honorários periciais e assim por diante; iii) esvazia os cofres do Judiciário e impede a ampliação de sua infraestrutura; e iv) incentiva a cultura do "demandismo", diante da inexistência de risco de pagamento de verbas sucumbenciais, ou seja, não há óbice às chamadas aventuras jurídicas.
2. O Projeto do Novo CPC
O Projeto de Lei 8.046/10, que institui o Novo Código de Processo Civil, tenta solucionar o problema estabelecendo, na Seção IV, art. 99, que:
"Art. 99. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas e as despesas processuais e os honorários de advogado gozará dos benefícios da gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1º. O juiz poderá determinar de ofício a comprovação da insuficiência de que trata o caput, se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos requisitos legais da gratuidade da justiça.
§2º. Das decisões relativas à gratuidade, caberá agravo de instrumento, salvo quando a decisão se der na sentença." (g.n.)
O Novo CPC, portanto, prevê uma chamada cláusula geral, conferindo ao juiz a faculdade de dispensar ou não a comprovação da condição de pobreza.
Tal raciocínio, entretanto, contraria a Constituição. Já que o art. 5º, LXXIV, dispõe que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (g.n.)
A comprovação é conditio sine qua non ao benefício.
Facultar ao juiz a determinação ou não da comprovação, além de ofender o texto constitucional, favorece o casuísmo e a insegurança jurídica, atrasa o andamento do processo e, imagina-se, dará ensejo a inúmeros recursos.
Por outro lado, exigir-se que qualquer requerente comprove, já no início do processo, a condição de pobreza, além de tumultuar o andamento do feito, obstrui, em certa medida, o amplo acesso à justiça.
Basta pensar nas ações em que o autor além da assistência judiciária pede tutela de urgência. A comprovação, ab initio, poderá agravar o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
Em suma, a despeito de solucionar alguns problemas, o art. 99 do Projeto de Novo CPC, em algumas situações, poderá apresentar "efeitos colaterais", tais como: i) dificultar o acesso à Justiça; ii) atrasar o andamento processual; iii) gerar insegurança jurídica, pois favorecerá o casuísmo; e iv) prejudicar a celeridade e economia do processo, pois todo esforço da parte requerente para demonstrar a situação de pobreza no curso da demanda poderá se mostrar inócuo se ela sair vencedora ao final da ação.
Como, então, solucionar o problema, sem ferir as garantias fundamentais?
3. Uma proposta de possível emenda ao Novo CPC
Sem ter a pretensão de esgotar o assunto, propõe-se uma nova sistemática, que parece ser um "meio termo" entre a sistemática do CPC atual e a sistemática contida no projeto de novo CPC, preservando-se as garantias constitucionais:
Art. 99. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
I - das taxas judiciárias e dos selos;
II - dos emolumentos e custas devidos às Secretarias Judiciais, aos Cartórios, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;
III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;
IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público Federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;
V - dos honorários de advogado e peritos;
VI - das despesas com a realização do exame de código genético - DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade;
VII - dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal.
Art. 100. A Assistência Judiciária Gratuita poderá ser requerida em qualquer momento processual e em qualquer grau de jurisdição, bastando para sua concessão, em caráter provisório, que o requerente junte declaração de pobreza, assinada de próprio punho ou a rogo.
Art. 101. Após o trânsito em julgado, se a parte sucumbente estiver no gozo do benefício provisório da assistência judiciária prevista no artigo 100, ela deverá comprovar o seu estado de pobreza ao Juízo, para ratificar o benefício.
§ 1º - O estado de pobreza ou de dificuldade financeira poderá ser provado por todos os meios de prova em direito admitidos, em autos apartados, em especial pelos seguintes documentos:
I - exposição de motivos assinada pelo requerente do benefício esclarecendo, objetivamente, as razões pelas quais não tem condições de pagar as custas, despesas processuais e honorários sucumbenciais sem prejuízo de seu próprio sustento e de sua família;
II - holerites, extratos bancários, balancetes contábeis ou outros comprovantes de remuneração, vencimentos de qualquer natureza ou aposentadorias;
III - declaração de imposto de renda;
IV - comprovantes de que o requerente do benefício tem dívidas perante terceiros e que tais dívidas foram assumidas antes da formação da relação processual ou foram assumidas em estado de necessidade;
V - comprovantes de despesas ordinárias do requerente e da família, caso tenha dependentes, tais como aluguel residencial, mensalidades escolares, planos de saúde, energia elétrica, dentre outros.
§2º - Os documentos referidos no parágrafo anterior são meramente exemplificativos e podem ser exigidos separada ou cumulativamente, a depender do caso concreto.
§3º - O juiz poderá determinar a expedição de ofício a empregadores, fazendas públicas e órgãos de proteção ao crédito para confirmar a veracidade dos documentos e informações apresentadas pelo beneficiário, respondendo o mesmo civil e criminalmente por eventual falsidade.
Art. 102. Durante a comprovação do estado de pobreza, se verificar que o assistido pode pagar ainda que parcialmente os ônus sucumbenciais mencionados no art. 99, o juiz poderá, segundo a possibilidade econômico-financeira do assistido, deferir parcialmente a gratuidade ou parcelar o débito.
Parágrafo Único - O deferimento do parcelamento ou da isenção parcial observará o princípio da proporcionalidade, de modo a harmonizar a garantia do acesso à justiça, com o interesse público das custas processuais e a natureza alimentar dos honorários periciais e advocatícios.
Art. 103. Caso fique comprovado que a parte beneficiada provisoriamente na forma do artigo anterior não tem condições econômico-financeiras para promover o pagamento das custas, despesas e honorários, periciais ou advocatícios, o juiz deferirá a isenção.
Art. 104. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.
§1º - Se dentro de cinco anos, a contar da decisão que julgou a comprovação referida no artigo anterior, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.
Art. 105. A parte que ver indeferido, total ou parcialmente, o seu pedido de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e não pagar as custas e despesas processuais e honorários, periciais ou advocatícios, no prazo e condições estabelecidos pelo juiz, terá seu nome inscrito no cadastro de inadimplentes e não mais poderá fazer jus ao benefício em outro processo, a menos que prove que fato superveniente tornou impossível o pagamento da dívida.
Art. 106 - Ficam revogados os artigos 3º e 4º da lei 1.060/1950.
4. Conclusão
Como visto, a jurisprudência predominante tem dispensado a comprovação do estado de pobreza da parte requerente. O projeto do Novo Código de Processo Civil estabelece que o juiz "poderá" exigir essa comprovação. Tanto um, quanto outro sistema são alvos de muitas críticas. O primeiro, porque assola o Judiciário e a classe dos advogados. O segundo, porque pode dificultar o Acesso à Justiça, bem como pode comprometer a celeridade e economia processual já que, não raro, a parte pobre sai vencedora da demanda, tornando inócua toda a discussão sobre a sua situação econômico-financeira.
A proposta aqui apresentada, sem ter qualquer pretensão de esgotar o tema, surge como uma semente para os debates. É uma alternativa que parece estar em harmonia com as garantias fundamentais que desde a vigência da lei 1.060/50 estão em conflito e prejudicam a eficiência da Função Jurisdicional.
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*Vice-Presidente da Comissão de Advogados Corporativos da OAB/PR e advogado do escritório Wambier & Arruda Alvim Wambier Advocacia e Consultoria Jurídica
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