A competência do Conselho Nacional de Justiça e o seu controle pelo Supremo Tribunal Federal
Recentemente, tem se constatado uma série de situações em que são contrapostas duas grandes forças atuais do Poder Judiciário brasileiro: O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, sendo que o primeiro é o guardião da Constituição Federal desde 1889; e o segundo foi criado no ano de 2004, como instrumento de controle externo do Poder Judiciário.
sexta-feira, 25 de março de 2011
Atualizado em 23 de março de 2011 16:43
A competência do Conselho Nacional de Justiça e o seu controle pelo Supremo Tribunal Federal
Carlos Eduardo Ortega*
Recentemente, tem se constatado uma série de situações em que são contrapostas duas grandes forças atuais do Poder Judiciário brasileiro: O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, sendo que o primeiro é o guardião da Constituição Federal desde 1889; e o segundo foi criado no ano de 2004, como instrumento de controle externo do Poder Judiciário.
Observa-se que diversos atos normativos do CNJ vêm sendo impugnados perante o STF, especialmente por meio dos controles concentrado e difuso de constitucionalidade, fato que fez com que muitos juristas passassem a temer que o CNJ tivesse a sua importância esvaziada.
Antes mesmo de qualquer ponderação a respeito de suposto esvaziamento do CNJ pelo STF, é importante estabelecer exatamente quais são as competências de cada um dos dois órgãos, com a devida análise das suas relações.
O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal (clique aqui), sendo composto por 11 Ministros, brasileiros natos com mais de 35 anos e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal1.
Dentre as principais competências destacam-se "a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro2"
Além disso, "na área penal, destaca-se a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, entre outros3".
Por fim, "em grau de recurso, sobressaem-se as atribuições de julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão, e, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição4".
Importante destacar que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal passou a apresentar cada vez maior preponderância no cenário institucional brasileiro, defendendo um Estado Democrático de Direito emergente, em clara sintonia com o movimento de judicialização do Direito que vem ocorrendo em todo o mundo.
Esse papel foi amplamente reforçado com o advento da EC 45/2004 (reforma do Poder Judiciário - clique aqui), transformando o Tribunal em uma verdadeira Corte Constitucional, tendo-se em vista que:
a.) O alcance das decisões nas ações declaratórias de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade foi ampliado;
b.) Foi criado o instituto da Repercussão Geral, regulamentado pela lei 11.418/06 (clique aqui); e
c.) Assim como o da Súmula Vinculante.
A principal consequência dessas inovações foi uma drástica redução no número de processos que hoje tramitam hoje na Corte, que passaram a totalizar 88.834, representando uma redução de 41,2%5 no número de processos em trâmite desde 2007.
Além de se reforçar o papel do Pretório Excelso, a EC 45/2004 também criou um órgão de controle externo do Poder Judiciário, que é o Conselho Nacional de Justiça, que é composto por 15 membros, sendo:
a.) O Presidente do Supremo Tribunal Federal;
b.) Um Ministro do Superior Tribunal de Justiça;
c.) Um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho;
d.) Um desembargador de Tribunal de Justiça;
e.) Um juiz estadual;
f.) Um juiz de Tribunal Regional Federal;
g.) Um juiz Federal;
h.) Um juiz de Tribunal Regional do Trabalho;
i.) Um juiz do trabalho;
j.) Um membro do Ministério Público da União;
k.) Um membro do Ministério Público estadual;
l.) Dois advogados; e
m.) Dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
O CNJ foi criado para que a prestação jurisdicional seja realizada com Moralidade, Eficiência e Efetividade, em benefício da sociedade, sendo um verdadeiro instrumento para efetivo desenvolvimento do Poder Judiciário, tendo como principais trabalhos a.) o planejamento estratégico e a proposição de políticas judiciárias; b.) modernização tecnológica do Judiciário; c.) ampliação do acesso à Justiça, pacificação e responsabilidade social; e d.) garantia do efetivo respeito às liberdades públicas e execuções penais6.
A competência do CNJ foi estabelecida no artigo 103-B, § 4º da Constituição Federal, que lhe conferiu atribuições para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
a.) "Na Política Judiciária: zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, expedindo atos normativos e recomendações;
b.) Na Gestão: definir o planejamento estratégico, os planos de metas e os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário;
c.) Na prestação de Serviços ao Cidadão: receber reclamações, petições eletrônicas e representações contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializado;
d.) Na Moralidade: julgar processos disciplinares, assegurada ampla defesa, podendo determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço, e aplicar outras sanções administrativas;
e.) Na Eficiência dos Serviços Judiciais: melhores práticas e celeridade: elaborar e publicar semestralmente relatório estatístico sobre movimentação processual e outros indicadores pertinentes à atividade jurisdicional em todo o País.7"
Com base nisso, importante destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a constitucionalidade da criação do Conselho Nacional de Justiça na ADI 3.367/DF (clique aqui), asseverou que as suas atribuições são de natureza exclusivamente administrativa, financeira e disciplinar da magistratura, destacando, também, o seguinte:
"(...)
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Emenda Constitucional nº 45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Precedentes e súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional.
(...)
PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra "r", e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Competência. Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão administrativa. Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e constante do Projeto que resultou na Emenda Constitucional nº 45/2004.
(...)8"
Ademais, é necessário salientar que no mesmo aresto o STF deixou claro que o CNJ não tem nenhuma competência sobre a Corte e seus ministros. Entretanto, em atenção à função do próprio Conselho, que visa a Moralidade, a Eficiência e a Efetividade do Poder Judiciário, seguir as suas orientações e determinações constitui um bom exemplo para os demais órgãos deste Poder.
Portanto, observa-se que o próprio Pretório Excelso reconhece a importância do CNJ como forma de controle externo do Poder Judiciário, zelando pelo seu bom funcionamento, sem, contudo, autorizar que este exceda as suas competências, ou seja, não há que se falar em esvaziamento do CNJ, mas sim em controle do exercício das suas atribuições.
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1 Clique aqui.
2 Idem.
3 Idem.
4 Idem.
5 Clique aqui.
6 Clique aqui.
7 Idem.
8 Supremo Tribunal Federal - Tribunal Pleno - Min. Rel. Cezar Peluso - ADI n.º 3.367/DF - Data do julgamento - 13/4/2005 - DJ 17/3/2006 - pp 00004 e DJ 22/9/2006 pp. 00029 - Ement. vol. 02225-01 pp. 00182.
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*Advogado e membro da Comissão de Direito Tributário e de Precatórios da OAB/Paraná
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