Transitoriedade da conta de lucros acumulados
O intuito primordial do legislador ao proceder tal mudança foi proteger os acionistas minoritários que, não raras vezes, não dispunham de meios para fazer frente ao poder dos controladores quando da retenção dos lucros líquidos do exercício que, ao argumento de não descapitalizar a companhia, destinavam-nos à conta de lucros acumulados.
terça-feira, 1 de março de 2011
Atualizado em 25 de fevereiro de 2011 13:00
Transitoriedade da conta de lucros acumulados
Claudia Soares Garcia*
As alterações sensíveis de algumas normas contábeis sofridas desde a publicação da lei 11.638/07 (clique aqui), que deu nova redação aos dispositivos da lei 6.404/76 (clique aqui), vêm sendo intensamente discutidas entre os operadores do Direito e da Contabilidade.
Entre os temas debatidos está a supressão da conta de lucros acumulados nas sociedades por ações. Segundo entendemos, o vocábulo supressão, neste caso, é erroneamente utilizado, dado que a lei 11.638/07 não eliminou a conta, mas apenas lhe conferiu caráter transitório, de modo que a demonstração de sua movimentação seja apresentada como parte da demonstração das mutações do patrimônio líquido, terminando zerada ao final do exercício social competente.
O intuito primordial do legislador ao proceder tal mudança foi proteger os acionistas minoritários que, não raras vezes, não dispunham de meios para fazer frente ao poder dos controladores quando da retenção dos lucros líquidos do exercício que, ao argumento de não descapitalizar a companhia, destinavam-nos à conta de lucros acumulados.
Com efeito, a prevalência da vontade dos majoritários em reter os lucros sociais afronta os princípios norteadores da legislação societária em vigor, uma vez que a finalidade social da companhia é a percepção de lucros. E, obviamente, o direto essencial do acionista é participar destes lucros.
Nesse contexto, a doutrina nacional recepciona positivamente a lei 11.638/07, justamente porque limita o poder discricionário dos controladores, proporciona maior transparência aos minoritários e, também, maior segurança para novos investimentos na própria companhia.
O impacto de tal mudança ao cotidiano das companhias é grande, já que, na prática, os lucros líquidos de uma sociedade anônima em determinado exercício social, sem destinação específica, serão obrigatoriamente distribuídos.
Dessa forma, a administração da companhia dispõe de duas alternativas para a não distribuição: inclusão de reservas estatutárias ou retenção dos lucros sociais.
Com relação às reservas estatutárias, caso não sejam previstas no estatuto social, a companhia deverá convocar uma Assembleia Geral Extraordinária que tenha como ordem do dia a alteração do estatuto social para a criação da reserva estatutária.
Cumpre salientar que a redação da cláusula estatutária deverá indicar a sua finalidade (de forma precisa), fixar os critérios para a determinação da parcela dos lucros líquidos que serão destinados a sua constituição, bem como estabelecer o limite máximo da reserva. Esses cuidados devem ser obrigatoriamente observados. Afinal, é ilegal a criação de reservas estatutárias que contemplem um objeto amplo ou indeterminado.
Já quanto à retenção dos lucros, a lei do anonimato prevê que a Assembleia Geral poderá, mediante proposta da administração, deliberar a retenção de parcela do lucro líquido do exercício prevista em orçamento de capital por ela previamente aprovado.
Para isso, o orçamento deverá ser devidamente justificado, compreendendo todas as fontes de recursos e aplicações de capital, fixo ou circulante, limitando-se a cinco exercícios, salvo no caso de execução, por prazo maior, de projeto de investimento. E, sendo o caso, as sobras orçamentárias deverão ser distribuídas como dividendos no final do exercício.
Cabe ressaltar que ambas as alternativas para a não-distribuição deverão ser amplamente fundamentadas e não poderão ser constituídas, em cada exercício, em prejuízo da distribuição do dividendo obrigatório, limitando seu saldo ao capital social.
Ainda, vale mencionar que o artigo 3º da lei 11.638/07 estendeu a aplicabilidade das disposições da lei 6.404/76 às sociedades de grande porte (a empresa ou conjunto de empresas sob controle comum que tiverem, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões). Mesmo que elas (as sociedades de grande porte) não sejam constituídas sob a forma de sociedade por ações, como é o caso das limitadas.
Nesse contexto, surge uma indagação natural: afinal, as sociedades de grande porte devem ou não observar as regras da transitoriedade da conta de lucros acumulados?
Não existe um posicionamento firme da doutrina nacional sobre o tema. Há quem defenda que, pela determinação do citado artigo 3º da lei 11.638/07, as demonstrações financeiras das sociedades de grande porte devem ser reelaboradas nos exatos termos da lei 6.404/76. E, por essa razão, deve ser eliminado o caráter permanente da conta de lucros acumulados.
Mas existem opiniões no sentido de que não há a tal transitoriedade da conta de lucros acumulados às sociedades de grande porte. Esta tese está amparada na Resolução 1159/09 (clique aqui), do Conselho Federal de Contabilidade. Segundo tal normativo, somente as sociedades por ações não podem mais apresentar saldos positivos nessa conta a partir do exercício social de 2008.
O que se pode concluir é que, pelas modificações da lei 11.638/07, os acionistas minoritários têm um instrumento que lhes permite receber os lucros auferidos pela companhia, porquanto não é mais autorizado o seu lançamento em contas de lucros acumulados. É possível, entretanto, que a companhia se valha de procedimentos com vistas à não distribuição. Além disso, a obrigatoriedade das novas regras para as sociedades de grande porte que não sejam constituídas sob a forma de sociedade por ações ainda é duvidosa e demanda que cada empresa faça suas reflexões a respeito.
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*Advogada da área societária do escritório Peixoto E Cury Advogados
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