A não incidência do ICMS sobre os denominados salvados pertencentes às seguradoras
No caso em tela quem vende os denominados "salvados" - bens que se assemelham à sucata, uma vez que os veículos foram considerados como perda total em face do seguro - é a segurado na procura de diminuir eventuais prejuízos. Isso caracterizaria a hipótese de incidência do ICMS?
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Atualizado em 25 de fevereiro de 2011 09:27
A não incidência do ICMS sobre os denominados salvados pertencentes às seguradoras
Luiz Fernando Gama Pellegrini*
O STF na sessão do dia 16/2/11 por maioria de votos - ADIn 1648 (clique aqui) e RE 588.149/SP (clique aqui), decidiu que o ICMS não incide na hipótese em que as seguradoras colocam à venda veículos que em virtude de acidentes com perda total, passando a ser denominados de "salvados". Ou seja, trata-se de não-incidência tributária, pela ausência da hipótese de fato gerador e consequente ausência de tipificação.
A decisão é importante, pois não se ignora a fúria arrecadadora dos poderes executivos estaduais - no caso de São Paulo - na procura de aumentar suas receitas, seja a que custo for, inundando os Tribunais com teses absolutamente absurdas, como a presente, em que basta o good sense para se constatar da impossibilidade jurídica das seguradoras serem contribuintes do imposto e consequentemente figurarem no pólo passivo da obrigação tributária, e segundo ficou acertado com repercussão geral artigo 102 parágrafos 2º e 3º da CF/88 (clique aqui), encerrando-se assim com essa pretensão descabida do erário.
O art. 150, II, da CF/88 prevê como competência privativa dos Estados e Distrito Federal, "II operações relativas à circulação de mercadorias e sobe prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior."
Portanto, o que caracteriza o ICMS e tipifica o contribuinte é que sua atividade seja uma atividade mercantil, ou seja, de compra e venda de bens passíveis de comércio - mercadorias -, com habitualidade e dentro do contexto da própria empresa, posto que as operações esporádicas não dão nascimento à obrigação tributária, qual o seja o pagamento do tributo. A decisão levou em conta a súmula 541 do STF (clique aqui).
No caso em tela quem vende os denominados "salvados" - bens que se assemelham à sucata, uma vez que os veículos foram considerados como perda total em face do seguro - é a segurado na procura de diminuir eventuais prejuízos. Isso caracterizaria a hipótese de incidência do ICMS?
Podemos adiantar em que não. E isso é fácil de entender, pois o tributo somente nasce quando houver operações relativas à circulação de mercadorias, e a seguradora não compra aquilo que acaba se tornando "salvados" que nada mais representam o que sobrou daquele determinado veículo ou outro bem móvel.
A função da segurado é apenas e tão somente segurar o veículo. Nada mais.
O CTN por sua vez ao definir o sujeito passivo da obrigação tributária, estabelece em seu artigo 121, parágrafo único e inciso I que: "O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: II contribuinte, quando tenha relação pessoal e direita com a situação que constitua o respectivo fato gerador".
LEANDRO PAULSEN em comentários a esses dispositivos assim preceitua: "Circulação. Circular significa para o Direito mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. (ATALIBA Geraldo. Núcleo de definição constitucional do ICM. RDT, 25/111). Mercadorias... à margem do fator circulação, é preciso que o bem circula seja mercadoria porque é essa a palavra usado no texto constitucional e não entendo como mercadoria o bem senão o bem que se faz objeto do ato de comércio. A coisa não se transforma em mercadoria senão quando circula mediante um ato mercantil de qualquer natureza". (Francisco Rezek. ICMS. Conceito de mercadoria. Mesa de debates sobre tributos federais, em RDT, nº 67. Malheiros p. 97). "A própria designação do imposto, no que consagra o emprego do vocábulo mercadoria, pressupõe o ato mercantil, encontrando-se a definição do termo no Direito Comercial. Em síntese, consubstancia mercadoria coisa móvel destinada à comercialização, que geralmente é adquirida por pessoas do comércio para a revenda..." (excerto voto do Min. Marco Aurélio no AgReg. 131.941SC, RTJ136/416). (Direito Tributário, Livraria do Advogado, Editora, 11. Ed., 2009, p. 343/344).
A repercussão geral está prevista basicamente no art. 102 e seus parágrafos, bem como no Regimento Interno do STF, bem como nos artigos 543-A e B do CPC (clique aqui).
A respeito: "A exigência de repercussão geral vale para todos os recursos extraordinários, independentemente da natureza da matéria neles veiculada (cível, criminal, trabalhista, ou eleitoral)" (STF Pleno, AI 664.567. QO. Min. Gilmar Mendes, j.18.06.07, DJU de 6.9.07)
UADI LAMMÊGO BULOS em comentários sobre a matéria assim se expressa: "A locução efeito vinculante surge pela vez, no Brasil, nesse parágrafo 2º, proveniente da Emenda Constitucional n.3/93, correspondendo à expressão do direito alemão bindungswirkung (efeito vinculante). Designa-se a adesão dos juízos e tribunais à interpretação superior e prévia do órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal. Decisões emanadas de instâncias superiores vinculam as inferiores, gerando uma espécie de efeito endoprocessual da decisão proferida em grau de recurso, que nada tem que ver com a eficácia sentencial." Constituição Federal Anotada, 9ª, ed. Saraiva, 2009, p. 1039).
Enquanto essa matéria não havia sido julgada definitivamente, a súmula 152 do STJ (clique aqui) já havia sido revogada, mesmo porque doravante seria de nenhuma eficácia em face da repercussão geral que foi anunciada pelo presidente do STF no decorrer da sessão de julgamento.
Em outras palavras, o caso em tela versa sobre uma não-incidência tributária.
Enfim, o STF está de parabéns, pois uma vez mais em estrita obediência à sua competência constitucional defenestrou essa absurda pretensão do erário.
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*Desembargador aposentado do TJ/SP
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