A aplicação indevida de paradigmas na sistemática da repercussão geral
Em 2007, a então novidade de que STF não mais julgaria recursos extraordinários cuja matéria não possuísse repercussão geral foi implementada em nosso sistema processual por meio da Emenda Regimental STF 21/07, a qual regulamentou o §3º do art. 102 da CF/88 e os arts. 543-A e B do CPC.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Atualizado em 17 de fevereiro de 2011 12:18
A aplicação indevida de paradigmas na sistemática da repercussão geral
Luiz Roberto Peroba Barbosa*
Alan Adualdo Peretti de Araujo**
Em maio de
Agora, passados mais de três anos e meio desde o início da vigência da repercussão geral, é possível verificar que o objetivo essencial desse instituto vem sendo atingido, com a queda gradual do número de processos em trâmite no STF. Em abril de 2010, por exemplo, noticiou-se no site do STF que foi a primeira vez, nos últimos dez anos, em que a Corte Suprema contabilizou menos de 100 mil processos em curso.
Na primeira etapa da repercussão geral, a referida Corte efetuou a seleção das primeiras matérias a serem decididas como leading cases ou paradigmas, assim entendidos aqueles casos cuja controvérsia em discussão possui repercussão geral já reconhecida pelo STF. Na segunda e atual etapa, os paradigmas com mérito decidido passaram a ser aplicados pela própria Corte Suprema, bem como pelos Tribunais a quo, para solução dos casos concretos envolvendo matéria ou controvérsia idêntica, conforme §5º do art. 543-A e caput do art. 543-B do CPC.
É justamente nesse momento que surge o risco de aplicação indevida de um paradigma para sobrestar ou mesmo solucionar um caso que não trate de matéria idêntica. Se por um lado a repercussão geral tem o efeito positivo de reduzir o número de recursos interpostos ao STF, por outro as partes não podem ser prejudicadas pelo afã de se evitar a subida de novos recursos àquele Tribunal, com base na aplicação equivocada de paradigma, notadamente quando a controvérsia não for idêntica.
Quando provocado a se manifestar sobre a forma de se questionar essa aplicação equivocada de paradigma, o Plenário do STF decidiu, nos autos da Reclamação 7.569/SP (clique aqui) e da Questão de Ordem em Agravo de Instrumento 760.358/SE (clique aqui), que o recurso cabível contra essa decisão é o agravo regimental ou interno, a ser decidido pelo próprio Tribunal a quo.
Conceitualmente, parece acertada a decisão de que a correção de eventuais erros na aplicação dos paradigmas seja efetuada no âmbito dos próprios Tribunais hierarquicamente inferiores. Caso contrário, o STF voltaria a receber uma série de novos recursos para decisão casuística, o que representaria um retrocesso e colocaria em xeque a eficiência da repercussão geral como meio de se reduzir a quantidade de casos na Suprema Corte.
O problema é que estabelecer a competência para revisão dessa equivocada aplicação de paradigma aos próprios Tribunais a quo, por si só, não parece ser a solução definitiva. Na hipótese de o agravo regimental não ensejar a retratação ou de o órgão colegiado do Tribunal local manter a aplicação indevida do paradigma, a parte deve se resignar e permitir o trânsito em julgado?
Como a sistemática da repercussão geral prevista no artigo 543-A e B do CPC exige que a controvérsia seja idêntica, provavelmente veremos recursos especiais sendo interpostos ao Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), sob o fundamento de violação aos referidos dispositivos de lei Federal, haja vista a aplicação de paradigmas sem que a matéria debatida seja a mesma.
Tampouco será surpresa se novos recursos extraordinários, reclamações, etc. vierem a ser interpostos ao STF, desta vez contra o acórdão do Tribunal de origem que julgar improcedente o agravo regimental/interno, mantendo a equivocada aplicação de paradigma.
Ainda mais preocupante é quando tal equívoco é cometido pelo próprio STF, na medida em que a Corte Suprema vem construindo sua jurisprudência, por meio de decisões monocráticas, no sentido de que a decisão que determina o sobrestamento não causaria prejuízo às partes e não possuiria conteúdo decisório. Baseado nessa argumentação, o STF vem decidindo que o "despacho" que determina o sobrestamento de recursos no âmbito da repercussão geral no STF seria irrecorrível, conforme AgR no AI 696.454/MS (clique aqui), ED no AI 579.739/RS (clique aqui) e RE 611.161/RJ (clique aqui).
É verdade, contudo, que, após provocação das partes, em ao menos dois casos, o STF decidiu rever os seus próprios erros materiais para afastar a aplicação de paradigma equivocado (AgR no RE 612.229 - clique aqui - e AgR no RE 213.974/RS - clique aqui).
O fato é que a aplicação equivocada de paradigmas pelos Tribunais é questão de extrema importância e merece atenção especial dos ministros do STF para se evitar que erros prevaleçam e consolidem injustiças.
Cabe destacar que, embora o STF já tenha sinalizado que os paradigmas não podem ser aplicados por analogia, ou seja, que "não estão os Tribunais ou instâncias de origem autorizados a aplicar o instituto da repercussão geral a casos distintos, embora assemelhados"1, até o momento não está claro qual o entendimento da Corte Suprema quanto à interpretação e ao alcance da expressão matéria/controvérsia idêntica prevista nos artigos 543-A e B do CPC.
Afinal, para que o instituto da repercussão geral continue o seu amadurecimento de forma correta e adquira legitimidade perante o meio jurídico e, em última análise, perante os jurisdicionados, faz-se necessário que regras transparentes e objetivas sejam estabelecidas para evitar tais equívocos.
Portanto, cabe ao STF fixar balizas materiais e, ausentes regras preestabelecidas, definir também os instrumentos processuais aptos à reparação da má aplicação de paradigmas pelos Tribunais a quo e pela própria Corte Suprema.
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1 Trecho do Voto da Ministra Ellen Gracie às fls. 166 da Reclamação 7.569/SP, DJ de 11/12/2009.
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*Sócio da área Tributária do escritório
** Associado da área Tributária do escritório
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