MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A discriminação do obeso

A discriminação do obeso

Algumas candidatas aprovadas nas duas primeiras fases do concurso de acesso ao magistério da rede estadual paulista foram julgadas inabilitadas no exame médico e impedidas de assumir o cargo, em razão da obesidade. A notícia, de plano, causa certa comoção social, pois até então gordos e magros dividiam os mesmos espaços e eram titulares dos mesmos direitos, pela isonomia consagrada na Constituição.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Atualizado em 16 de fevereiro de 2011 16:55

A discriminação do obeso

Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

Algumas candidatas aprovadas nas duas primeiras fases do concurso de acesso ao magistério da rede estadual paulista foram julgadas inabilitadas no exame médico e impedidas de assumir o cargo, em razão da obesidade. A notícia, de plano, causa certa comoção social, pois até então gordos e magros dividiam os mesmos espaços e eram titulares dos mesmos direitos, pela isonomia consagrada na Constituição.

Estudos da Organização Mundial de Saúde, que elegeu a obesidade como a doença do século XXI, revelam que 30% da população mundial sofre com sobrepeso e obesidade e que um adolescente nestas condições tem mais de 70% de chance de se tornar um adulto obeso. E este mesmo órgão, que definiu o anoréxico como o portador do IMC igual ou inferior a 18, classificou o obeso como o portador do IMC igual ou maior a 30. Para se chegar ao peso permitido, basta tomar a altura e multiplicar por ela mesma. Em seguida, divida o peso pelo resultado da primeira operação.

Da mesma forma que a anorexia, o excesso de peso provoca problemas graves para a saúde, pois, a exemplo do que acontece nos EUA, país que lidera o ranking do tecido adiposo, a população brasileira se alimenta de produtos ricos em gordura e carboidrato, que ficam alojados no organismo. O crescimento desordenado da população obesa atinge graus de morbidade e passa a ser um problema de saúde pública, que deve acudir as doenças decorrentes da obesidade mórbida, tais como: cardiovasculares, diabetes, câncer, hepatite, apneia do sono, estresse e outras.

Todo indivíduo sabe que o controle do peso é um fator importante para gozar de boa saúde. Já foi a época do Renascentismo onde a beleza feminina era mais roliça, conforme se vê da Monalisa de Leonardo da Vinci. Hoje, a beleza toma uma forma mais esquálida onde a magreza deve prevalecer. Porém, não se pode levar a obesidade a ponto tão extremo de impedir o candidato aprovado em concurso público de assumir o cargo. A avaliação não é da massa corporal e sim da competência daquele considerado habilitado.

Trata-se de notório preconceito e uma forma indesejável de discriminação, consistente na ofensa ao princípio da isonomia, pois considera desiguais pessoas portadoras de IMC acima do referendado. O óbice afeta a garantia de exercer o trabalho, que será proibitivo para tais pessoas. Critério totalmente injusto, além do que, não se pode projetar que, futuramente, o profissional apresentará problemas de saúde que o afastará das salas de aulas. Muitos magros também são acometidos por doenças e vivem de reiteradas licenças médicas. O que se nota é que, se de um lado levanta a voz da inclusão social, com a intenção de pacificar o convívio entre as pessoas, de outro brada o coro.

Se o Estado pretende, na esfera de seus objetivos sociais, ditar regras específicas a respeito da saúde pública, notadamente com medidas proibitivas aos obesos, deve desenvolver programas de proteção à saúde dessa nova categoria, orientando-a a conter o controle de seu peso, com políticas claras de nutrição saudável e balanceada, além de possibilitar com maior frequência o acesso à cirurgia bariátrica, mais conhecida como redutora de estômago. Cria-se, desta forma, para o Estado-providência, outra proteção e agora relacionada com o fantasma da obesidade que ronda o país. Aí sim fica justificada a intromissão estatal nesta área de intimidade pessoal.

O governo americano publicou uma cartilha com várias recomendações aos obesos, dentre elas a redução do consumo de sal, comer modicamente, ingerir mais frutas e verduras, substituir refrigerantes por água e optar por alimentos integrais, além da indispensável atividade física e o conhecimento dos conteúdos de calorias, gorduras e açúcares que devem constar no rótulo dos alimentos e bebidas.

O gozo da boa saúde, prudentemente recomendado pelo Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, que será comprovado pela inspeção realizada pelo órgão médico oficial, não pode erigir a obesidade como inaptidão absoluta para o exercício do cargo do magistério. Se assim for, o obeso será considerado um doente e outra opção não se apresenta a não ser a aposentadoria por invalidez, com mais ônus ainda ao Estado. Cai por terra, desta forma, a igualdade que deve prevalecer entre as pessoas, sem distinção de qualquer natureza e fica prejudicado o predicado da dignidade, que é o apogeu perseguido pelo legislador constitucional.

Na câmara dos Deputados tramita o PL 122 de 2006 (clique aqui), que propõe a criminalização da homofobia, que compreende a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero. O tipo incriminador é lançado nos mesmos moldes da discriminação de raça, cor, sexo, gênero, etnia, procedência nacional e religião, culminando pena de reclusão. Se o cidadão tiver determinada orientação sexual e for obeso, será duplamente discriminado.

O fato, embora isolado ainda, faz lembrar "O Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, que abrigava somente as pessoas perfeitas, nascidas de espermas e óvulos perfeitos, com saúde ditada pela aceitabilidade do Estado, em sua definição do bem-estar social, numa sociedade organizada por castas, onde às superiores era reservado um trabalho de relevância social e às inferiores a mais banal tarefa. Seria um mundo onde as oportunidades agraciariam somente um seguimento, provocando um abismo de desigualdade onde nenhuma política pública, por mais bem dosada que seja, consiga penetrar.

O homem, em sua mutabilidade constante e premido sempre por novos conceitos, que nem sempre acompanham a ética e moral convencionais, procura sempre apontar moinhos que venham obstaculizar sua passagem e se apresentam como inimigos de seus objetivos e, portanto, devem ser combatidos. É o caso do obeso.

Afinal, o Ronaldo Fenômeno, mesmo com o IMC acima do permitido, muitas vezes com dificuldade para fazer uma jogada que exige arrancada e velocidade, era titular absoluto da camisa 9 do Corinthians e frustrava o sonho de qualquer outro atacante, por mais magro que seja, de substituí-lo. Pelo menos é o que dizia o técnico da agremiação esportiva.

_________________

*Promotor de Justiça aposentado/SP. Advogado e reitor do Centro Universitário do Norte Paulista - Unorp

 

 

 

 

_________________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca