Presidente Peluso equivocadamente nega força da decisão da Corte Interamericana
O Direito na era da pós-modernidade mudou completamente sua fisionomia. Toda lei, agora, está sujeita a dois tipos de controle (vertical): de constitucionalidade e de convencionalidade. Ao STF cabe o primeiro controle e à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe celebrar o segundo.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Atualizado em 1 de fevereiro de 2011 16:36
Presidente Peluso equivocadamente nega força da decisão da Corte Interamericana
Luiz Flávio Gomes*
Valerio de Oliveira Mazzuoli**
No dia 24/11/10, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (com sede em Costa Rica) impôs nova condenação ao Brasil (Caso Araguaia) e fez várias referências à decisão do STF que validou a lei de anistia editada (em 1979) para acobertar os crimes da ditadura.
O ministro Peluso, no dia 18/1/11, disse: "Nenhuma corte internacional tem competência para rever, cassar, reformar ou interferir em qualquer decisão do STF" (O Globo de 19/1/11, p. 5).
DATA VENIA, não é bem assim. O Direito na era da pós-modernidade mudou completamente sua fisionomia. Toda lei, agora, está sujeita a dois tipos de controle (vertical): de constitucionalidade e de convencionalidade. O STF fez o primeiro controle (e validou a lei). A CIDH celebrou o segundo (e declarou inválida referida lei de anistia). Os juízes brasileiros precisam se atualizar e admitir que, agora, já não basta um só controle. E, na medida em que a jurisprudência desses juízes não segue a jurisprudência da Corte, ela pode ser questionada (e eventualmente invalidada, de forma indireta, visto que a Corte só pode condenar o país, o Brasil).
O Presidente Peluso está equivocado (data vênia) em sua declaração. Para que nosso internauta seguidor acompanhe o debate, vou transcrever vários trechos da sentença no caso Araguaia (perdoem o castelhano):
A preocupação não foi revisar a sentença do STF, sim, verificar se o Brasil cumpriu ou não suas obrigações: 48. La demanda presentada por
Exame da lei de anistia brasileira: 49. En numerosas ocasiones
Competência da CIDH: 50.
Obrigação de investigar os desaparecimentos forçados: 108. En definitiva, toda vez que haya motivos razonables para sospechar que uma persona ha sido sometida a desaparición forzada debe iniciarse uma investigación2. Esta obligación es independiente de que se presente una denuncia, pues en casos de desaparición forzada el derecho internacional y el deber general de garantía, imponen la obligación de investigar el caso ex officio, sin dilación, y de una manera seria, imparcial y efectiva. Este es un elemento fundamental y condicionante para la protección de los derechos afectados por esas situaciones3. En cualquier caso, toda autoridad estatal, funcionario público o particular que haya tenido noticia de actos destinados a la desaparición forzada de personas, deberá denunciarlo inmediatamente4.
Necessidade de criar um tipo penal autônomo: 109. Para que una investigación sea efectiva, los Estados deben establecer um marco normativo adecuado para desarrollar la investigación, lo cual implica regular como delito autónomo en sus legislaciones internas la desaparición forzada de personas, puesto que la persecución penal es un instrumento adecuado para prevenir futuras violaciones de derechos humanos de esta naturaleza5. Asimismo, el Estado debe garantizar que ningún obstáculo normativo o de otra índole impida la investigación de dichos actos y, en su caso, la sanción de sus responsables.
Lei de anistia e sua compatibilidade com o direito internacional: 126. En el presente caso, la responsabilidad estatal por la desaparición forzada de las víctimas no se encuentra controvertida (supra párrs. 116 y 118). Sin embargo, las partes discrepan respecto de las obligaciones internacionales del Estado derivadas de
Dever de investigar: 138. El Tribunal reitera que la obligación de investigar violaciones de derechos humanos se encuentra dentro de las medidas positivas que deben adoptar los Estados para garantizar los derechos reconocidos en la Convención9. El deber de investigar es una obligación de medios y no de resultado, que debe ser asumida por el Estado como un deber jurídico propio y no como una simple formalidad condenada de antemano a ser infructuosa, o como una mera gestión de intereses particulares, que dependa de la iniciativa procesal de las víctimas, de sus familiares o de la aportación privada de elementos probatorios10. A la luz de ese deber, uma vez que las autoridades estatales tengan conocimiento del hecho, deben iniciar ex officio y sin dilación, una investigación seria, imparcial y efectiva11. Esta investigación debe ser realizada por todos los medios legales disponibles y orientarse a la determinación de la verdad.
O Estado tem o dever de investigar: 140. Adicionalmente, la obligación conforme al derecho internacional de procesar y, si se determina su responsabilidad penal, sancionar a los autores de violaciones de derechos humanos, se desprende de la obligación de garantía consagrada en El artículo 1.1 de
Jurisprudência da CIDH: 148. Como ya ha sido adelantado, esta Corte se ha pronunciado sobre La incompatibilidad de las amnistías con
Interpretação brasileira equivocada: 172.
O STF não considerou as obrigações internacionais do Brasil: 177. En el presente caso, el Tribunal observa que no fue ejercido el control de convencionalidad por las autoridades jurisdiccionales del Estado y que, por el contrario, la decisión del Supremo Tribunal Federal confirmó la validez de la interpretación de
Em seu voto particular (separado) o juiz ad hoc Roberto de Figueiredo Caldas sublinhou:
4. Continuando na breve incursão sobre temas pontuais relevantes, se aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados, à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos. É o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da Corte por um Estado, como o fez o Brasil17.
5. Para todos os Estados do continente americano que livremente a adotaram, a Convenção18 equivale a uma Constituição supranacional atinente a Direitos Humanos. Todos os poderes públicos e esferas nacionais, bem como as respectivas legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados aderentes estão obrigados a respeitá-la e a ela se adequar.
6. Mesmo as Constituições nacionais hão de ser interpretadas ou, se necessário, até emendadas para manter harmonia com a Convenção e com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com o artigo 2º da Convenção, os Estados comprometem-se a adotar medidas pala eliminar normas legais e práticas de quaisquer espécies que signifiquem violação a ela e, também ao contrário, comprometem-se a editar legislação e desenvolver ações que conduzam ao respeito mais amplo e efetivo da Convenção19.
29. O exame de conceito da esfera do Direito Penal Internacional não deve melindrar a Corte ou instancias judiciárias nacionais, dada a evidente confluência de várias circunscrições do Direito Internacional, o que vem sendo propalado pela doutrina e pela jurisprudência não é de hoje. Assim o é porque são largas as fronteiras entre os subramos como os Direitos Humanos, o Direito Humanitário e o Direito Penal Internacional. Suas normas e suas fontes são necessariamente complementares, senão correr-se-ia o grave risco de divergência entre as interpretações desses nichos jurídicos que jamais seriam uniformizadas, com lamentável insegurança jurídica para a humanidade.
30. Finalmente é prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou
31. É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas.
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1 Cfr. Caso de los "Niños de la Calle" (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala. Fondo. Sentencia de 19 de noviembre de 1999. Serie C No. 63, párr. 222; Caso Escher y otros, supra nota 27, párr. 44, y Caso Da Costa Cadogan, supra nota 35, párr. 12.
2 Cfr. Caso Radilla Pacheco, supra nota 24, párr. 143; Caso Chitay Nech y otros, supra nota 25, párr. 92, y Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña, supra nota 24, párr. 65.
3 Cfr. Caso de
4 Cfr. Caso Anzualdo Castro, supra nota 122, párr. 65; Caso Chitay Nech y otros, supra nota 25, párr. 92, y Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña, supra nota 24, párr. 65.
5 Cfr. Caso Gómez Palomino, supra nota 126, párrs. 96 y 97; Caso Radilla Pacheco, supra nota 24, párr. 144, y Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña, supra nota 24, párr. 66.
6 El artículo 2 de
7 El artículo 8.1 de
8 El artículo 25.1 de
9 Cfr. Caso Velásquez Rodríguez. Fondo, supra nota 25, párrs. 166 y 167; Caso Fernández Ortega y otros, supra nota 53, párr. 191, y Caso Rosendo Cantú y otra, supra nota 45, párr. 175.
10 Cfr. Caso Velásquez Rodríguez. Fondo, supra nota 25, párr. 177; Caso Fernández Ortega y otros, supra nota 53, párr. 191, y Caso Rosendo Cantú y otra, supra nota 45, párr. 175.
11 Cfr. Caso de
12 Cfr. Caso Velásquez Rodríguez. Fondo, supra nota 25, párr. 166; Caso González y otras ("Campo Algodonero"), supra nota 134, párr. 236, y Caso De
13 Cfr. Caso Velásquez Rodríguez. Fondo, supra nota 25, párr. 166; Caso Ticona Estrada y otros Vs. Bolivia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 27 de noviembre de 2008. Serie C No. 191, párr. 78, y Caso Garibaldi, supra nota 18, párr. 112.
14 Cfr. Caso Velásquez Rodríguez. Fondo, supra nota 25, párr. 176; Caso Kawas Fernández Vs. Honduras. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 3 de abril de 2009 Serie C No. 196, párr. 76, y Caso González y otras ("Campo Algodonero"), supra nota 134, párr. 288.
15 [1] Cfr. Caso Almonacid Arellano y otros, supra nota 251, párr. 124; Caso Rosendo Cantú y otra, supra nota 45, párr. 219, y Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña, supra nota 24, párr. 202.
16 Cfr. Responsabilidad Internacional por Expedición y Aplicación de Leyes Violatorias de la Convención (arts. 1 y 2 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC- 14/94, de 9 de diciembre de 1994. Serie A No. 14, párr. 35; Caso del Penal Miguel Castro Castro Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 25 de noviembre de 2006. Serie C No. 160, párr. 394, y Caso Zambrano Vélez y otros Vs. Ecuador. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 4 de julio de 2007. Serie C No. 166, párr. 104. Asimismo, cfr. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Cumplimiento de Sentencia. Resolución de
17 O reconhecimento de competência realizou-se em 10 de dezembro de 1998 e indica que "[o] Brasil declara que reconhece, por tempo indeterminado, como obrigatória e de pleno direito, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em todos os casos relacionados com a interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conformidade com o artigo 62, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a esta declaração". Cf. B- 32: Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 4. Brasil. Reconhecimento da competência da Corte. Disponível em https://www.cidh.oas.org/Basicos/Portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm. Acessado em 4 de outubro de 2010.
18 Adotada
19 Cf. Caso "A Última Tentação de Cristo" (Olmedo Bustos e outros) versus Chile. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Série C No. 73, pars. 85 e seguintes.
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*Diretor Presidente da Rede de Ensino LFG
**Professor Adjunto de Direito Internacional Público e Direitos Humanos da UFMT. Professor da Rede de Ensino LFG, em São Paulo. Advogado e consultor jurídico
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