Honorários em mandado de segurança
Apesar da polêmica que envolve juristas e a maioria dos juizes de um lado e ministros do STF e do STJ de outro, sobre a condenação do sucumbente em honorários em mandado de segurança, não se entende justo o entendimento da Corte.
quarta-feira, 25 de maio de 2005
Atualizado em 23 de maio de 2005 14:46
Honorários em mandado de segurança
Apesar da polêmica que envolve juristas e a maioria dos juizes de um lado e ministros do STF e do STJ de outro, sobre a condenação do sucumbente em honorários em mandado de segurança, não se entende justo o entendimento da Corte.
O Código de Processo Civil é imperativo e adotou o principio da sucumbência como regra geral, ressalvados apenas os casos expressos em lei. Bem verdade, que antes da lei processual em vigor, o Código de 1.939, limitava a condenação à existência de culpa, de abuso processual, de "atividade judicial indevida", na expressão de Greco Filho, diferentemente da teoria do risco na nova lei. Somente em 1.965 instalou-se o princípio da sucumbência, através da Lei n.° 4.632 que alterou o artigo 64 do CPC, desvinculando a culpa, e a atividade abusiva e "indevida" da condenação nas despesas do processo. Filiou-se então à teoria do risco, como resultado do ingresso em juízo, submetendo-se a parte que tenha a tese rejeitada ao pagamento das despesas feitas pelo vencedor. O Código de 1.973, artigo 20, manteve a alteração da Lei 4.632/65, quando estabelece que a "sentença condenará o vencido a pagar honorários advocatícios ao vencedor". E mais, instituiu multa para o litigante de má-fé, quando age abusiva e deslealmente no processo. Houve fim da ação judicial, com ou sem julgamento do mérito, deve o julgador, até mesmo de ofício, obrigar o vencido a pagar as despesas do processo e honorários do advogado.
Em momento algum a Lei n.° 1.533/54 veda a condenação em honorários, mas a maioria dos juizes e tribunais obedece às súmulas do STF, 512, posicionamento adotado em 1969, e do STJ, 105, a partir de 1988, quando a Constituição alterou a competência do STF, e o STJ manteve a mesma postura de não sujeitar o vencido ao pagamento dos honorários no mandado de segurança. Interessante é que os tribunais e juizes, inclusive o STF e STJ, forçam a parte vencida ao reembolso das custas judiciais, usando o mesmo artigo que trata da condenação em honorários. Quer dizer: aplicam pela metade o mesmo dispositivo.
A Fazenda Pública normalmente tem orientação técnica e, com alguma freqüência, descuida de aplicar o parecer do profissional, porque busca para a prática do ato outras motivações que não o respeito à lei, assumindo, neste o risco por violar o direito do cidadão. Ademais, já recebe facilidades processuais, a exemplo do prazo em quádruplo para contestar, em dobro para recorrer e ajuizar ação rescisória. A condenação da Fazenda Pública no pagamento das despesas do processo e honorários representa muito mais aplicação do princípio da igualdade processual, artigo 5º CF, do que qualquer desrespeito às prerrogativas processuais das quais já goza.
Não haverá recomposição completa e integral e muito menos retorno ao status quo ante se não houver pagamento pelo vencido de todas as despesas do processo, porque a parte diminuiu seu patrimônio quando teve de buscar apoio profissional para recuperar seu direito transgredido pela autoridade pública ou pelos agentes da pessoa jurídica de direito privado.
Registre-se ainda que a Lei n.° 8.906/94 considerou os honorários como direito do advogado e não da parte, tanto que possível a execução nos próprios autos do processo.
O argumento de inaplicabilidade do CPC ou sua aplicação restrita, artigos 19 e 20 da Lei 1.533/51, não subsiste, seja pela dificuldade de tramitação do writ sem apoio na lei processual, seja pelo uso reiterado de muitos de seus dispositivos, mesmo fora da previsão anunciada no artigo 19.
Com efeito, invocam-se o artigo 267 do CPC, para extinção do mandado de segurança; usa-se o agravo de instrumento para questionar despachos interlocutórios; a citação, a notificação são feitas com apoio no CPC; paga-se custas processuais em obediência ao artigo 19 do CPC; a lei processual e não a Lei 1.533 é usada para exigência dos poderes especiais ao advogado; o impedimento ou a suspeição são acidentes solucionados através do CPC; o tempo e o lugar dos atos processuais, artigos 172 seguintes são invocados no procedimento do mandado de segurança.
A alegação de que a autoridade impetrada não é parte ou de que a Fazenda Pública não pode arcar com o ônus da sucumbência não prospera, porque o fundamental é que o impetrante para recompor seu direito necessita chamar o judiciário para forçar a autoridade a dar o que injustamente nega ou toma. Ora, se para a providência o cidadão tem de contratar advogado para reclamar junto ao Judiciário, justo é que a autoridade assuma todas as despesas do processo, porque o cidadão não tem culpa pelo erro da Fazenda Pública, quando pratica ato ilegal e violenta direito. O que não pode acontecer é, na expressão de Celso Ribeiro Bastos, ter a parte de arcar com os ônus decorrentes da ilegalidade alheia para restaurar o princípio básico de justiça.
A concessão da segurança face à coação implica no reconhecimento de responsabilidade objetiva do Estado, aplicável o parágrafo 6°, artigo 37 da Constituição.
Justifica-se a isenção de honorários no hábeas corpus, porque, neste caso, como nos juizados especiais, não exige capacidade postulatória, diferentemente do mandado de segurança que reclama contratação de um profissional para postular em juízo.
A Súmula 512 originou-se de mandado de segurança, em apelação na Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmou a decisão e condenou a Fazenda do Estado ao pagamento de honorários. Em Recurso Extraordinário, o sucumbente sustentou a tese de inexistência de réu na ação de mandado de segurança e o STF, através do ministro relator Amaral Santos, proferiu voto nos seguintes termos:
"... Em relação aos honorários de advogado, não tendo sido indicada decisão divergente, não posso também conhecer do recurso, pois entendo que a verba advocatícia é devida ainda no processo de mandado de segurança, que, apesar de regulado por lei especial, submete-se às normas gerais do Código de Processo Civil...".
O ministro Adauto Cardoso acompanhou o voto do relator, mas o ministro Eloy da Rocha entendeu incabíveis os honorários porque disciplinado por lei especial e pela inexistência de partes. A decisão foi pelo conhecimento do Recurso Extraordinário e provimento parcial para excluir da condenação os honorários advocatícios. O relator foi acompanhado pelos ministros Djaci Falcão e Aliomar Baleeiro.
A promulgação da Constituição atual tornou competente o STJ para solucionar pedido de honorários em mandado de segurança, artigo 105, ficando com o STF somente questões constitucionais. Essa Súmula praticamente reproduziu a 512 e um dos julgamentos que prestou para sua definição derivou de condenação do Estado do Rio Grande do Sul no pagamento de honorários; interposto Recurso Especial foi improvido; ajuizados os Embargos de Divergência, setembro/1993, foi conhecido e provido, fundamentalmente embasado na decisão do STF; da relatoria do ministro José Dantas colhe-se:
"Processual. Mandado de segurança. Sucumbência. Honorários advocatícios. Em conta a natureza especial da ação, no mandado de segurança, não cabe condenação em honorários (Súmula 512-STF, e acórdãos unânimes de Turmas do Superior Tribunal de Justiça). Embargos de divergência recebidos por maioria de votos."
O Ministro Costa Leite, ressalvou posição pessoal contrária, mas acompanhou o relator.
O ministro Eduardo Ribeiro foi voto vencido:
"Peço vênia para manifestar frontal divergência com tal assertiva. Se não se aplicar, subsidiariamente, o Código de Processo Civil ao mandado de segurança, simplesmente não haverá processo de mandado de segurança, porque imensos os vazios que restarão. A lei especial não pretendeu, de modo algum, regular tudo, mas apenas o peculiar ao instituto de que cuidou."
Lembrou o ministro a aplicação do artigo 64 CPC no processo falimentar também regulado por lei especial.
Gomes de Barros, Peçanha Martins e César Rocha também foram vencidos. Peçanha Martins assentou:
"a defesa desse direito, e só pode ir acompanhado de advogado, terá que desembolsar recursos para o pagamento dos honorários mesmo na hipótese em que vencedor na causa, ou seja, quando os Tribunais reconhecem o ato abusivo do Estado".
O ministro César Rocha:
"Não é lógico nem é justo que o vitorioso na contenda, depois de ter direito líquido e certo agredido, após passar por todos os conhecidos e naturais constrangimentos, senão vexames, sempre presentes, ínsitos mesmos, em todas as pelejas judiciais, ainda sofra uma diminuição patrimonial, tendo que arrostar com a remuneração do trabalho do seu patrono".
No STF, Barbosa Moreira levantou-se contra a Súmula 512:
"Se esse processo especial se rege subsidiariamente pelas normas codificadas; se nele existe ação e, «a fortiori», causa; se há partes e, por conseguinte, parte vencedora e parte vencida, ambas representadas por advogados - então é insustentável a proposição segundo a qual descabe, aí, a condenação em honorários. Ela parece refletir ùnicamente a subsistência mal disfarçada, e a esta altura, incompreensível, de velhos preconceitos que se costumavam opor ao reconhecimento da cidadania processual do mandado de segurança." Arruda Alvim, Celso Agrícola Barbi, F. J. Onófrio, Tycho Brahe Fernandes.
Nelson Nery Júnior assegura ofensa ao princípio da isonomia; Hely Lopes Meireles, tão buscado pelos juizes em suas decisões diz:
"desde que o mandado de segurança é uma causa, vale dizer, uma ação civil, impõe-se a condenação do vencido em honorários".
Pontes de Miranda entende que o pressuposto necessário para a condenação situa-se somente em saber quem perdeu a causa. Hugo de Brito Machado ao afirmar que o direito é instrumento da realização dos ideais de justiça e de segurança e se a reforma da Súmula 512 fere a segurança jurídica depara-se com um conflito entre segurança e justiça, porque evidente a injustiça da não condenação. Humberto Theodoro Júnior não distorce da maioria dos doutrinadores.
Há discordância sobre a Súmula no próprio STJ: O ministro Garcia Vieira, da 1ª Turma, posiciona-se da seguinte forma:
"Com todo respeito à nossa Suprema Corte, ousamos discordar da citada Súmula 512, editada há mais de 21 anos, já à época com sérias resistências dos votos vencidos dos eminentes ministros Amaral Santos, relator, Adauto Cardoso, Djaci Falcão, e Aliomar Baleeiro, conforme se verifica na sua decisão plenária no RE 61.097-SP (RTJ 51/805), que serviu de base à súmula". ''É inegável já existir fundadas reações da doutrina e da jurisprudência ao princípio estabelecido na referida súmula. Existem decisões dos tribunais de Justiça, conforme se verifica no ''Código de Processo Anotado'', de Alexandre de Paula, v.I, 3ªed. recente, p. 197. O extinto TRF na Ap. MS 81.566-RJ, relator o eminente ministro Washington Bolívar, DJ, de 21.5.79, entendeu ser cabível a condenação, no mandado de segurança, de honorários de advogado. Igual decisão foi proferida na Ap. MS 82.113-MG, com o mesmo relator, DJ, de 20.6.79''.
Sobre as súmulas adverte o ministro: ''Se o Direito é essencialmente dinâmico, elas podem e devem ser revistas, principalmente quando, como no caso, a doutrina, em uníssono, assim o entende''.
Os tribunais devem pautar seus julgamentos pelo sentimento de justiça e amparar os anseios da sociedade, motivo maior de sua existência. Se não se revoga as Súmulas 512, STF, e 105, STJ, cabem aos tribunais inferiores e aos juizes praticar justiça, pois o senso de justiça mostra obrigação de condenar o vencido no pagamento dos honorários. Não se deve evitar a condenação simplesmente porque posição do STF ou do STJ; no âmbito do Judiciário, não há controle dos atos praticados pelos órgãos inferiores, salvo através da avocação ou dos recursos; ademais, é orientação que não se sustenta cientificamente e muito menos junto à maioria dos próprios tribunais; não há unanimidade nem mesmo no próprio STF e STJ, como se mostrou acima.
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*Juiz em Salvador
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