Os prós e contras da extensão das patentes e o Judiciário
O mercado mundial de medicamentos movimentou no último ano o equivalente a US$ 752 bilhões, segundo estudo divulgado pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). No Brasil, foram mais de US$ 15 bilhões investidos. E um dos pontos que geram mais polêmica, do ponto de vista econômico, é a extensão de uma patente, que gera atualmente um forte impacto sobre as receitas das empresas do setor.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Atualizado em 7 de janeiro de 2011 13:44
Os prós e contras da extensão das patentes e o Judiciário
Ana Luisa Porto Borges*
O mercado mundial de medicamentos movimentou no último ano o equivalente a US$ 752 bilhões, segundo estudo divulgado pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). No Brasil, foram mais de US$ 15 bilhões investidos. E um dos pontos que geram mais polêmica, do ponto de vista econômico, é a extensão de uma patente, que gera atualmente um forte impacto sobre as receitas das empresas do setor.
No Brasil, para se obter uma patente, segundo a lei, é preciso que haja novidade, atividade inventiva (não ser óbvia) e aplicação industrial. Em troca da patente, as empresas oferecem ao Estado a descrição do invento. A duração da patente é de 20 anos, pois se acredita que esse seria o tempo necessário para que as empresas tenham o retorno do dinheiro investido.
No Brasil, a patente é concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), uma autarquia federal, com sede no Rio de Janeiro. Segundo o STJ, atualmente há 33 recursos sobre o tema que aguardam julgamento e que têm potencial para afetar diretamente a população brasileira.
A discussão envolve o pedido de extensão da vigência de patentes de medicamentos e, portanto, o monopólio na comercialização de drogas que são usadas no tratamento de muitas doenças. Quanto mais estas patentes são prorrogadas, mais se adia o surgimento do genérico.
As patentes desses medicamentos são do tipo "pipeline". A atual Lei da Propriedade Industrial (lei 9.279/96 - clique aqui) criou esse mecanismo para proteger invenções das áreas farmacêutica e química, que não poderiam gerar patentes até aquela época.
Pelo "pipeline", os laboratórios tiveram um ano para requerer a patente ao INPI, e a validade foi fixada considerando o primeiro depósito no exterior. As patentes de invenção no Brasil valem por 20 anos a partir da data do depósito.
A questão levada ao Judiciário é que, nos processos relacionados ao "pipeline", as multinacionais buscam harmonizar sua patente nacional com aquela concedida no exterior. As discussões acontecem na Justiça porque as multinacionais fazem um primeiro depósito no exterior e abandonam o pedido, realizando outra solicitação posteriormente. Elas alegam, na Justiça, que o prazo de 20 anos deve ser contados a partir do segundo pedido e não do primeiro. Aceito esse fato, tem-se o pedido de extensão e a harmonização entre a validade da patente no exterior e no Brasil.
Porém, as mais recentes decisões do STJ vêm mantendo o prazo estabelecido pelo INPI, que é de 20 anos a partir do primeiro depósito, também desconsiderando possíveis extensões em outros países.
Esse entendimento desagrada aos fabricantes de medicamentos, que entendem que o prazo de patente que expira no Brasil deve ser o mesmo prazo que expira lá fora. Inclusive porque teremos vários casos em que a patente de um medicamento no Brasil irá expirar antes do que no resto do mundo. E isso, segundo a tese das indústrias, geraria uma violação à propriedade intelectual.
O regime de "pipeline" vem sendo questionado no STF (ADI 4.234 - clique aqui) por supostamente afrontar o artigo 5º, incisos XXIX e XXXVI, da CF/88 (clique aqui). O primeiro inciso institui a proteção aos inventos industriais e o segundo dispõe sobre o direito adquirido. A justificativa é que não haveria novidade aqui nos produtos comercializados no exterior, especialmente porque o Brasil não concedia patentes para tais produtos até o advento da Lei da Propriedade Intelectual, de 1996.
Ademais, o INPI defende que as questões judiciais postas não têm nada a ver com quebra de patentes; a única questão que deveria ser enfrentada é a possibilidade ou não de sua extensão, nos moldes pretendidos pelas indústrias farmacêuticas.
O tema não é novo no STJ, que vem decidindo, reiteradamente, que o prazo de 20 anos deve ser contado a partir do primeiro depósito no exterior, ainda que esse tenha sido abandonado ou haja extensão.
Essa posição foi defendida no julgamento do Recurso Especial 1.092.139 (clique aqui), no qual o laboratório Novartis requeria exclusividade na comercialização de derivados da pirimidina, substância utilizada na fabricação do Glivec, droga que trata adultos com leucemia mielóide. O STJ, seguindo o voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, considerou o primeiro depósito feito na Suíça - e não o registro no Escritório Europeu de Patentes. Esse entendimento determina que os 20 anos devam ser contados a partir do primeiro depósito, não devendo haver a harmonização com a extensão dada no exterior e nem a contagem do segundo depósito.
Essas decisões permitem que os medicamentos que perdem a patente passem a ser fabricados como genéricos (cópias de medicamentos com patentes expiradas). No Brasil, os genéricos foram instituídos em 1999 com a promulgação da lei 9.787 (clique aqui).
Apesar das decisões do STJ, bem como do benefício imediato da população que tem acesso ao genérico, a preços mais acessíveis, sempre ficará a dúvida sobre se essa "redução" do prazo da patente não afetará as indústrias, de forma a desestimular o investimento em novos medicamentos. Isso porque, de acordo com dados da IMS World Review, somente um em cada cinco mil compostos pesquisados chega aos pacientes. E sete entre dez drogas não cobrem os custos com pesquisa e desenvolvimento.
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*Sócia da área cível do escritório Peixoto E Cury Advogados
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