TV por Radiodifusão: parâmetros para o futuro marco regulatório
O governo Federal tem promovido debates sobre o novo marco regulatório da comunicação social. O objetivo é elaborar um anteprojeto de lei a ser apresentado ao Congresso Nacional. Daí ser necessária a reflexão sobre a regulação da TV por radiodifusão privada e a política regulatória mais adequada em face do direito brasileiro.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Atualizado em 15 de dezembro de 2010 10:32
TV por Radiodifusão: parâmetros para o futuro marco regulatório
Ericson Meister Scorsim*
O governo Federal tem promovido debates sobre o novo marco regulatório da comunicação social. O objetivo é elaborar um anteprojeto de lei a ser apresentado ao Congresso Nacional. Daí ser necessária a reflexão sobre a regulação da TV por radiodifusão privada e a política regulatória mais adequada em face do direito brasileiro.
O setor de radiodifusão privado é ainda disciplinado pela lei 4.117/62 (clique aqui). Dois modelos estrangeiros serviram de exemplo para o nosso país. O EUA, baseado nas TVs comerciais. A França, fundado na concessão de serviço público e nas TVs públicas de origem estatal. O Brasil criou, originariamente, um modelo de TVs comerciais, porém submetido à concessão de serviço público. Hoje, além das TVs privadas, existem as TVS públicas, reguladas por uma lei especial (lei 11.652/08 - clique aqui) que estabelece os princípios e os objetivos dos serviços de radiodifusão pública, disciplina a criação e o funcionamento da Empresa Brasil de Comunicação, esta criada pela União.
A mencionada lei da radiodifusão privada apresenta alguns problemas, de ordem jurídica e tecnológica.
Primeiro, é incompatível com a Constituição de 1988 já que não atende ao regime de direitos fundamentais ligados às atividades de produção e programação das tevês (art. 221). Regras e princípios de proteção aos direitos constitucionais não são aplicados ou, quando aplicados, o são de modo ineficiente. Isto tudo por falta de adequada regulamentação do texto constitucional.
Segundo, a lei está ultrapassada do ponto de vista tecnológico. Na década de 60, a radiodifusão baseava-se na tecnologia analógica. O televisor funcionava por "válvula" e as imagens eram transmitidas em preto e branco. Diferentemente do passado, o Brasil vive a técnica digital e a convergência tecnológica. Um único aparelho eletrônico é capaz de realizar as funções tradicionais do telefone, televisor, rádio, câmara fotográfica, etc. Com a TV digital, transmite-se o sinal da programação das tevês tradicionais para celulares, notebooks, computadores, carros, ônibus, caminhões, táxis, etc.
Ademais, a internet rompe, então, com todo o paradigma tradicional de regulação analógica. Radicaliza-se o processo de comunicação eletrônica. Cria-se um novo universo de infinitas possibilidades de produção e de distribuição de conteúdos audiovisuais, sem as limitações técnicas da radiodifusão. Por exemplo, um único software é capaz de transmitir simultaneamente milhares de programações das emissoras de rádio e televisão, nacionais e estrangeiras.
Terceiro, a referida lei foi editada para regular tanto as telecomunicações quanto a radiodifusão. Tecnicamente, radiodifusão é uma espécie de telecomunicações. Em função disto houve o tratamento normativo conjunto das duas modalidades de serviços no mesmo diploma legislativo.
No entanto, na década de 90, em um novo cenário de abertura internacional do mercado de telecomunicações, a EC 8/95 (clique aqui) criou a divisão entre os mercados de telecomunicações, televisão por radiodifusão e televisão por assinatura. Esta separação constitucional implicou na aprovação de leis setoriais específicas. Uma para os serviços de telecomunicações de telefonia fixa e móvel, qual seja, a lei 9.472/97 (clique aqui). Outra para os serviços de televisão a cabo: a lei 8.977/95 (clique aqui) - objeto de revisão legislativa pelo PL 29 (atual projeto de lei do Senado 116) que permite a entrada das empresas de telecomunicações no mercado de tevê por assinatura.
Como visto acima, o modelo tradicional de regulação das comunicações está fundado em políticas públicas parciais. A regulação é feita em razão da espécie de tecnologia. Uma lei para cada tecnologia, uma lei por mercado.
Regras são indispensáveis no caso. Sem regras, o mercado de radiodifusão perde oportunidade de negócios e fica desprovido de segurança jurídica para a realização de investimentos, tão necessária diante das ameaças causadas por novos competidores. A sociedade perde o acesso aos meios e a qualificação dos conteúdos audiovisuais. O poder público perde eficiência na alocação de recursos públicos escassos.
Para a elaboração e aplicação correta das regras é necessário formular e compreender adequadamente os conceitos. Afinal, o que é televisão? No Brasil, tal como em outros países, é preciso escolher o conceito-chave da política regulatória setorial. O conceito de televisão por radiodifusão pode ser construído a partir de uma série de ideias. Trata-se de uma atividade de produção, distribuição e recepção de conteúdos audiovisuais. E mais, a televisão é feita por programas encadeados dentro de uma programação. Uma vez definido o conceito básico pode-se partir para o estabelecimento do regime jurídico. Em livro de minha autoria (TV Digital e Comunicação Social: Editora Fórum), explico os conceitos amplos e restritos de televisão de modo a contribuir com a operacionalização regulatória.
Em qualquer país democrático há leis que tratam da regulação da mídia. Nos EUA, fortemente estruturado na defesa da liberdade de expressão, há uma lei geral que trata tanto da radiodifusão quanto das telecomunicações. Na França, pátria da teoria dos serviços públicos, houve inclusive o afastamento do regime das concessões de serviço público em relação às tevês privadas com a adoção de lei geral das comunicações eletrônicas em defesa do pluralismo e da diversidade de ideias e opiniões.
No Brasil, diferentemente das referências estrangeiras, a regulação se impõe, entre outras razões, por causa do modelo de constitucionalização das comunicações eletrônicas. Nas constituições estrangeiras sequer há qualquer referência aos meios de comunicação.
Existem posições divergentes a respeito da regulação sobre os serviços de televisão por radiodifusão: uns que a negam e qualificam a regulação como censura à liberdade de imprensa e outros que defendem o controle social da mídia.
A visão privatizante defende a liberdade econômica irrestrita do mercado (leia-se das tevês). Qualifica qualquer forma de regulação como censura. Defende a ampla liberdade de imprensa e a rejeição ao controle social da mídia. Ocorre que esta posição confunde a liberdade de imprensa com a liberdade de radiodifusão. É que a imprensa é mais fortemente ligada às empresas jornalísticas. A Constituição de 1988 trata diferentemente o regime jurídico da radiodifusão em relação aos veículos jornalísticos, sejam impressos ou eletrônicos. Ademais, confunde-se a liberdade de imprensa com a liberdade de empresa, esquecendo-se que a liberdade é titularizada pela sociedade.
Já o enfoque estatizante vê o mercado como um fator maléfico para a democracia. A solução é o estado impor "freios" à mídia para o bem do público. Em sua vertente extrema, sustenta-se que os meios de comunicação social devem ser exclusivamente de titularidade estatal. Quer-se a proibição da propriedade privada das empresas de comunicação. Propõe-se o controle social da mídia, inclusive sobre os conteúdos.
Embora o panorama das correntes ideológicas seja esboçado de forma simplificada (há diferenças substanciais de entendimentos), a sua apresentação é útil à compreensão do tema. A democracia requer uma regulação com a finalidade de promover o equilíbrio no mercado da radiodifusão. Adota-se, aqui, uma visão republicana, publicista e plural. A Constituição não dispensa a regulação da mídia. Ao contrário, existem valores ligados aos direitos fundamentais a serem protegidos pelo marco regulatório (pluralismo informativo, educação, cultura, liberdades de expressão e de comunicação) que exigem a intervenção do legislador.
O caminho democrático passa pela Constituição do Brasil. Sem extremos, com a harmonização das teses opostas e a conciliação entre a visão privatizante e estatizante. A regulação da mídia cria mais benefícios para a sociedade do que malefícios. Evidentemente que existem riscos regulatórios. A questão central é como instituir o modelo regulatório, de modo a respeitar a liberdade de comunicação das tevês, garantida constitucionalmente, com eventuais restrições legislativas impostas em nome do interesse público.
A Constituição proíbe a adoção de medidas de controle da mídia de modo a restringir o núcleo essencial da liberdade de comunicação social. Esta proibição é imposta para fins de proteção à liberdade de informação jornalística e a liberdade de programação audiovisual. A liberdade de produção e de exibição do conteúdo audiovisual é amparada pelo texto constitucional. No entanto, existem valores constitucionais dignos de tutela como: a privacidade, o nome, a imagem, a honra, a pessoa e a família, a proteção à infância e adolescência, que autorizam a restrição à liberdade de programação das tevês.
Nos EUA, embora haja a intensa proteção à liberdade de expressão, admite-se a regulação do conteúdo das programações das tevês. Estas restrições à liberdade são justificadas, por exemplo, em nome das exigências educacionais na programação para crianças, da vedação a programas indecentes e obscenos, da promoção do acesso igualitário dos candidatos ao tempo de televisão, etc. Destaque-se que a Suprema Corte Americana firmou o entendimento, no caso Red Lion Broadcasting versus FCC, que a limitação natural do espaço eletromagnético serve como fundamento para a regulação dos serviços de radiodifusão.
Outra premissa substancial a ser considerada na política regulatória refere-se ao sentido da liberdade de comunicação social. Esta há de ser compreendida como uma liberdade com diferentes titulares. No mercado existem os grupos e empresas de comunicação. Na sociedade há os indivíduos e grupos sociais interessados em acessar os meios de radiodifusão. No estado existem aos entes federativos que detêm o dever-poder de comunicação institucional para os cidadãos.
Não é admissível valer-se da regulação como meio de satisfação exclusiva dos interesses das empresas privadas de radiodifusão ou de telecomunicações. Na disputa de mercado, por acesso às redes eletrônicas de difusão, conteúdos e verbas publicitárias, a lei não pode criar privilégios para alguns em detrimento de outros, salvo se a diferenciação for justificada em termos constitucionais, para fins de proteção aos valores fundamentais.
O legislador deve considerar os interesses dos cidadãos (informação qualificada local e global, maior qualidade de vida) e dos consumidores (produtos e serviços melhores). A participação dos cidadãos-usuários dos serviços de televisão é essencial para a construção de seus direitos. Somente com esta participação será possível efetivar o direito à prestação adequada do serviço de televisão por radiodifusão.
Existem problemas centrais a serem enfrentados pela política regulatória. Como garantir o equilíbrio na competição entre empresas de radiodifusão e empresas de telecomunicações? Justificam-se, na lei, barreiras arquitetônicas de modo a proteger a radiodifusão? Quais os perigos para a democracia em face desta competição? Estas questões fundamentais devem ser discutidas pelo legislador e pela sociedade.
A história econômica demonstra que as falhas do mercado não são corrigidas pelos agentes econômicos. A concorrência por si só não garante o pluralismo e a diversidade na produção e distribuição de conteúdos audiovisuais. Por razões de custo ou de maximização de ganhos, a oferta audiovisual limita-se a oferecer mais do mesmo "produto" (conteúdo e programação). Veja o caso da televisão por assinatura, com ausência de formatos novos e a repetição monótona de conteúdos estrangeiros. Assim, justifica-se a intervenção para a promoção da igualdade no acesso aos bens culturais e garantir a diversidade de ideias e opiniões na esfera pública. Conforme ensina o professor norte-americano Owen Fiss, uma das referências em matéria de regulação da mídia, o propósito do estado não é superar ou aperfeiçoar o mercado, mas sim complementá-lo. Isto porque a democracia valoriza não a simples escolha pública, mas a decisão tomada com informação integral e sob condições adequadas de reflexão.
Outra questão concerne aos limites à atuação estatal regulatória. Não há como sustentar uma mídia sem limites. Não tem sentido ver a liberdade como um dogma. Não se pode evitar a reflexão sobre os limites da regulação estatal, sob pena de violação do núcleo fundamental da liberdade de radiodifusão. Enfim, não existe liberdade sem limites. Regular pode libertar. Mas, é preciso advertir que regular, dependendo da forma como as regras são estabelecidas, pode representar uma ameaça séria às liberdades constitucionais.
O receio da mídia em sofrer restrições à liberdade de imprensa e de censura ao seu trabalho, frequentemente noticiado em jornais, revistas e telejornais, é fundado, ao que parece, na observação do passado. Realmente, a história brasileira oferece inúmeros exemplos de arbítrios cometidos pelo poder público. O debate aberto e plural requer a memória das lições do passado. O estado pode ser o inimigo das liberdades de expressão e de comunicação, o que aconteceu nos regimes autoritários. Ou, o estado pode ser o protagonista das liberdades de expressão e de comunicação, o que deve acontecer no regime democrático. As empresas de comunicação podem assumir o papel, paradoxalmente, de adversárias ou de aliadas das liberdades de expressão e de comunicação. Enfim, estado, mercado e sociedade podem vir a ser a garantia máxima das liberdades fundamentais ou servirem como ameaças as estas liberdades.
No Estado Democrático de Direito, a Constituição é a referência primordial para ajudar a compreender os limites das liberdades e os limites da autoridade. Por sua vez, o legislador tem a responsabilidade histórica de, ao promover a ordenação da mídia, conciliar o exercício das liberdades comunicativas com a realização de outros valores constitucionais. Afinal, as TVs têm liberdades. Mas, também, os diferentes públicos têm direitos fundamentais afetados pela programação audiovisual.
A regulação há, ainda, de considerar as singularidades e as diferenças dos três sistemas de televisão por radiodifusão: o privado, o público e o estatal. O legislador, ao tratar do novo marco regulatório, deve respeitar os regimes jurídicos diferenciados, sob pena de comprometer a vontade constitucional e o princípio da complementaridade dos sistemas.
No modelo das tevês privadas, o financiamento advém da publicidade comercial que permite a realização de lucros. Estrutura-se a partir das redes nacionais de tevê. O seu regime jurídico pressupõe a concessão de um serviço público, mediante prévio procedimento licitatório para o uso das frequências do espaço eletromagnético. O acesso à atividade de radiodifusão privada está condicionado à obtenção de atos estatais de outorga e renovação, expedidos pelo Poder Executivo e Legislativo. Embora sejam concessionárias de um serviço público, desfrutam de autonomia privada na forma de organização empresarial de seus negócios.
As tevês estatais destinam-se à comunicação institucional dos poderes públicos. Sua missão é a divulgação de atos e fatos de interesse público dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Trata-se de garantia de espaços comunicativos dos três níveis federativos. De acordo com a lei 11.652/08 do setor estatal (embora o diploma refira-se à radiodifusão pública entendemos que se trata de setor estatal, ou, público-estatal e não do sistema público), os objetivos dos serviços de radiodifusão consistem em: oferecer mecanismos para debate público sobre temas nacionais e internacionais, desenvolver a consciência crítica do cidadão, cooperar com os processos educacionais, apoiar processos de inclusão social, etc.
O atual desafio das TVs estatais é promover o acesso amplo e irrestrito para a população em geral. É garantir o acesso, na radiodifusão, à TV Justiça, TV Senado, TV Câmara, TV Brasil. Hoje, a transmissão dos referidos canais limita-se ao sistema de TV a cabo ou satélite, com raras exceções, já que em poucas cidades tem-se o sinal dos mesmos na TV aberta. A maioria dos brasileiros se quiser assistir aos canais estatais terá que fazer uma assinatura de tevê a cabo ou por satélite, algo incompatível com a natureza do serviço público.
A Constituição não admite a equiparação do conceito de televisão estatal ao de televisão pública. Isto porque há a previsão do princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão: privado, público e estatal. A interpretação adequada do texto constitucional requer a diferenciação entre os dois conceitos. Por que há a referência à complementaridade? Simplesmente, porque no Brasil o modelo hegemônico é o das TVs privadas. O objetivo constitucional é garantir opções diferentes para os brasileiros: as tevês estatais e as públicas. Complementaridade há de ser entendida como completude. Não tem nenhum sentido as TVs estatais ou as públicas competirem com as comerciais. Também não tem cabimento impor às TVs estatais e públicas a oferta dos mesmos formatos e conteúdos das TVs privadas.
A televisão pública está vinculada ao setor público não-estatal, especialmente à sociedade civil. Os serviços de radiodifusão podem ser prestados por organizações sociais ou associações civis, algo ainda não previsto na legislação em vigor. Trata-se de instrumento para a realização concreta do direito do público (cidadãos em geral), a partir do livre exercício da liberdade de associação, em prestar diretamente o serviço de radiodifusão.
Na TV a cabo existem as televisões comunitárias, um exemplo concreto de tevês públicas. No entanto, falta a previsão legislativa, em concretização das exigências constitucionais, para a organização das televisões públicas não estatais na radiodifusão. Outro exemplo é o das rádios comunitárias. Por que há previsão legislativa das rádios comunitárias e não há televisões por radiodifusão de natureza comunitária?
Não há como igualar o regime jurídico, por exemplo, da TV Justiça (TV estatal) ao de uma emissora comercial.
A grande discussão a ser enfrentada refere-se à função do serviço público de televisão. Qual é a finalidade do poder público em, direta ou indiretamente, oferecer os serviços de televisão? Uma vez identificada a missão do serviço público, discute-se o modelo de programação das tevês. Não há, ainda, consenso em torno de como alcançar pela televisão, a realização das finalidades substanciais ligadas às áreas da educação, informação, cultura e liberdade de comunicação.
Às tevês privadas, aplica-se o regime de concessão de serviço público. A interpretação jurídica tradicional parte do pressuposto de que os serviços de televisão por radiodifusão são de titularidade da União. As frequências do espectro eletromagnético constituem bem público escasso, razão pela qual é necessária a reserva estatal a fim de disciplinar seu uso entre os interessados em sua respectiva exploração.
No século XXI, o olhar estatizante sobre as comunicações é anacrônico. Há total abertura da Constituição para a qualificação legislativa das tevês comerciais como um negócio privado. Isto implica no afastamento do regime de serviço público sob reserva de titularidade estatal. A minha proposta, já defendida há algum tempo, é adotar o regime da autorização administrativa. Esta deve ser compreendida como ato vinculado da administração pública. É essencial a discussão em torno da titularidade do serviço de televisão por radiodifusão. A titularidade deve ser compartilhada entre estado, sociedade e mercado.
Não tem mais sentido reservar, exclusivamente, à União a titularidade exclusiva sobre a atividade de radiodifusão. Esta interpretação tradicional é contrária ao Estado Democrático de Direito e especialmente às liberdades de comunicação. Sem dúvida alguma, deve ser reservada à União a competência regulatória da radiodifusão. Porém, não é necessária a permanência em mãos exclusivas da União da competência material para a execução dos serviços de radiodifusão. A compreensão moderna e plural do modelo de televisão é, a meu ver, a mais adequada, razão pela qual a legislação (e talvez a Constituição) deve ser alterada de modo a contemplar esta pluralidade institucional de três modelos diferentes de TVs.
Outro ponto de destaque refere-se à aplicação das regras normativas por uma específica autoridade reguladora. Atualmente, a radiodifusão submete-se e sofre os efeitos de atos administrativos dos seguintes "órgãos": Presidência da República, Ministério das Comunicações, Ministério da Justiça, ANATEL e ANCINE. Aqui no Brasil, não há propriamente uma agência reguladora especializada em radiodifusão. Nos EUA, a Federal Communication Comission (FCC) regula todos os serviços de comunicações, independentemente da natureza do meio técnico. Na França, o Conselho Superior do Audiovisual (CSA) é o órgão encarregado da regulação do setor audiovisual.
A propósito, conforme notícia da Folha de São Paulo de 7/12/10, o governo pretende encaminhar a criação da Agência Nacional de Comunicação, com poderes para regular o mercado de conteúdo veiculado pelo setor de radiodifusão (rádio e TV), inclusive poderes para multar empresas que veicularem programação considerada ofensiva, preconceituosa ou inadequada em determinada faixa de horário. A ANACOM substituiria a ANCINE. Mantém-se a competência da ANATEL para tratar de questões técnicas relacionadas a elaboração de planos e distribuição de canais de frequências.
Um dos desafios é assegurar a autonomia da agência diante do poder político e do poder econômico. Sem esta autonomia não há como se efetuar uma regulação eficiente do mercado.
O objetivo regulatório fundamental da intervenção estatal é garantir o equilíbrio e a harmonização dos interesses econômicos, sociais e políticos relacionados ao sistema de radiodifusão. Esta finalidade não é garantida pela mão invisível do mercado. Nem pela burocracia cerebrina estatal, nem mesmo pelos parlamentares. Daí porque cabe à sociedade a tarefa de assumir a sua responsabilidade em termos de formulação das regras para a mídia.
A superação do impasse regulatório é medida que se impõe. É preciso estabelecer-se um modelo compatível com a ordem constitucional e a evolução tecnológica. Em novos tempos e cenários a mudança faz-se necessária no setor de radiodifusão.
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*Advogado, consultor especialista em regulação da mídia e sócio do escritório Bornholdt Advogados
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