Processo administrativo X processo judicial
De acordo com o texto constitucional, é garantido no processo, tanto judicial quanto administrativo, o contraditório e a ampla defesa. Trata-se do clássico princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, inc. LV da CF/88.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Atualizado em 8 de dezembro de 2010 15:09
Processo administrativo X processo judicial
Luiz Gabriel Gubeissi*
De acordo com o texto constitucional, é garantido no processo, tanto judicial quanto administrativo, o contraditório e a ampla defesa. Trata-se do clássico princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, inc. LV da CF/88 (clique aqui).
No âmbito judicial, o processo se instaura por iniciativa de uma parte, que por ser titular de um interesse conflitante com o da outra parte, necessita da intervenção do Estado-juiz para, atuando com imparcialidade, aplicar a lei ao caso concreto e decidir a lide. Trata-se de uma relação jurídica triangular em que é assegurada igualdade de oportunidades a cada um dos litigantes, desenvolvendo-se o contraditório de forma plena e consoante as disposições legais a respeito dos atos processuais a serem praticados pelas partes.
Por outro lado, na esfera administrativa o processo administrativo é uma relação jurídica bilateral, que pode ser instaurada mediante provocação do interessado ou por iniciativa da própria Administração, já que de um lado o administrado deduz uma pretensão, e de outro lado, a própria Administração decide a pretensão.
Verifica-se, pois, que, diferentemente do que ocorre no processo judicial, a Administração não age, no processo administrativo, como terceiro estranho à controvérsia, mas sim como parte interessada, que atua no seu próprio interesse e nos limites que lhe são impostos por lei.
Dessa posição da Administração como parte interessada no processo administrativo decorre a gratuidade desse tipo de processo, em contraposição à onerosidade do processo judicial, em que o Estado atua como terceiro e a pedido dos interessados.
Por outro lado, como no processo administrativo o Estado atua não só quando provocado pelo particular, mas como parte na relação processual, claramente não é terceiro estranho à controvérsia, ou seja, imparcial. Nesse sentido, lhe é defeso proferir decisões com força de coisa julgada, pois ninguém pode ser juiz e parte ao mesmo tempo, nem juiz em causa própria. Esta a razão pela qual as decisões proferidas no âmbito do processo administrativo não formam, no Direito brasileiro, coisa julgada e podem ser revistas pelo Poder Judiciário, a quem incumbirá fazer controle de legalidade e até de mérito dos atos administrativo, de acordo com a doutrina mais contemporânea, bem explorada por Celso Antonio Bandeira de Mello em sua obra Discricionariedade e Controle Jurisdicional (Malheiros Editores).
Ao contrário do processo judicial regulado por uma codificação, onde estão previstos minuciosamente seus trâmites, o processo ou procedimento administrativo está previsto em normas esparsas e de forma não uniforme, como bem explicita Celso Antonio Bandeira de Melo (in Curso de Direito Administrativo, 27ª edição, Malheiros Editores, p. 486): "O tema do procedimento administrativo - que é, como se verá, dos mais importantes como instrumento de garantia dos administrados ante as prerrogativas públicas - tem despertado pouca atenção de nossos doutrinadores. Ocorre que, até bem pouco, não havia uma lei geral sobre processo ou procedimento administrativo, nem na órbita da União, nem nas dos Estados ou Municípios. Existiam apenas normas esparsas, concernente a um ou outro procedimento, o que, por certo, explica, ao menos em parte, esta discrição sobre o tema".
Todavia, no ano de 1999 foi editada a lei Federal 9.784 (clique aqui) que estabelece normas sobre processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, sem estabelecer um procedimento tão rigoroso quanto os procedimentos previstos no CPC.
Quanto à instauração do processo ou procedimento administrativo, a referida lei estabelece que pode ocorrer de ofício ou a pedido do interessado e prevê os requisitos a serem observados no requerimento do interessado, veda a recusa imotivada de documentos, prevê a possibilidade de elaboração de modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes e admite a possibilidade de serem formulados em um único requerimento pedidos iguais de uma pluralidade de interessados, salvo preceito legal em contrário.
No tocante à instrução, a lei Federal em tela prestigia o princípio da oficialidade, sem prejuízo do direito dos interessados de proporem atuações probatórias; veda as provas obtidas por meios ilícitos; atribui ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever do órgão competente de instrução e do dever do órgão competente para a instrução de providenciar, de ofício, a obtenção de documentos ou respectivas cópias existentes na própria Administração responsável pelo processo administrativo; prevê a possibilidade do interessado juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo; e proíbe a recusa de provas propostas pelo interessado, salvo se as mesmas forem ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.
Quanto à decisão, a lei Federal 9.784/99 impõe à Administração o dever de decidir, estabelecendo o prazo de 30 dias para fazê-lo, salvo prorrogação por igual período. Coadunando-se ao artigo 37 da Carta Magna, prevê os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como os da impessoalidade e da participação do administrado nos atos do processo.
Apesar da existência de algumas normas que regulam o processo administrativo nas esferas Federal, estadual e municipal, essa espécie ainda carece do devido tratamento legislativo e doutrinário para que se efetive plenamente o princípio do contraditório, ampla defesa e eficiência da resposta da Administração a tais demandas, para que, inclusive, se promova maior transparência e segurança nas decisões administrativas e se evite o aumento de processos judiciais em situações que poderiam ser resolvidas no âmbito administrativo.
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*Advogado do escritório Pires & Gonçalves - Advogados Associados
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