Uma história do tamanho da grandeza do Brasil
Na história do Brasil, o Direito e a Advocacia foram as forças que impulsionaram os grandes fatos políticos, enquanto os advogados se tornaram os pioneiros na defesa dos princípios da liberdade e da cidadania, que também nortearam a fundação de sua entidade, a Ordem dos Advogados do Brasil.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Atualizado em 8 de dezembro de 2010 14:50
Uma história do tamanho da grandeza do Brasil
Luiz Flávio Borges D'Urso*
Na passagem dos velhos costumes para a nova moldura social, de uma sociedade de cunho escravagista para uma sociedade igualitária; nos embates históricos para a construção do Edifício Pátrio; nas lutas para a preservação da unidade territorial do Brasil nos séculos XVIII e XIX; nos embates que marcaram a transição do regime autoritário para o regime democrático e, mais recentemente, nas frentes de combate às desigualdades e pelas conquistas que sedimentaram as bases da Cidadania, uma profissão, uma entidade e uma classe têm engrandecido a moldura nacional: o Direito, a OAB e os advogados.
Elo e sonho que apaixona, comove e une as gerações, o Direito é uma criação notável, que se perpetua por meio de figuras notáveis da advocacia, que fizeram da defesa intransigente da democracia e de suas instituições a razão da própria existência.
Na história do Brasil, o Direito e a Advocacia foram as forças que impulsionaram os grandes fatos políticos, enquanto os advogados se tornaram os pioneiros na defesa dos princípios da liberdade e da cidadania, os mesmos que nortearam a fundação de sua entidade, a Ordem dos Advogados do Brasil. Nenhuma outra entidade desempenhou papel tão aguerrido e vigilante contra as ameaças ao estado de direito. Manifestou-se contra as ações repressivas do governo Vargas, participou da mobilização pela Revolução Constitucionalista de 1932, esteve presente na Constituinte de 1934, na elaboração da Carta de 1946 e defendeu o Estado Democrático quando da renúncia de Jânio Quadros. São apenas algumas lembranças das batalhas enfrentadas e que foram vencidas com a atuação da OAB por meio da consolidação das instituições do país.
Por ocasião da revolução de 1964, tomou a liderança da luta pelas Liberdades democráticas. Assumiu o compromisso de salvaguardar os direitos individuais e coletivos inscritos na Constituição. Ecoou sua voz contra a repressão e as prisões arbitrárias realizadas no período. Lutou pela volta do habeas corpus, que havia sido suspenso pelo AI-5. Não sucumbiu em momento algum, nem mesmo quando sua sede do Rio de Janeiro recebeu a carta bomba que matou Lyda Monteiro da Silva, ex-diretora cultual da entidade, que na ocasião trabalhava como secretária do então presidente, Eduardo Seabra Fagundes.
Os percalços inspiraram mais lutas em novas frentes. A OAB mostrou que as instituições se diferenciam por sua vitalidade e alma (sim, elas também a tem!) e responsabilidade frente à Nação. Esteve à frente de movimentos políticos e sociais pela redemocratização do país, pelos direitos humanos e sua atuação possibilitou a cada cidadão externar as suas opiniões. Abraçou o projeto de emenda constitucional para restabelecer as eleições diretas para presidente da República, apresentado pelo deputado Dante de Oliveira, e participou de diversas manifestações em todos os Estados, que culminaram com a Campanha das Diretas Já, em 1984.
Seu compromisso com a democracia foi além. Sabedora de que os grandes objetivos dificilmente são atingidos se não forem perseguidos por um forte sentido de propósito geral, o que se traduz pela fixação de objetivos específicos, quantificados, controláveis e das etapas para alcançá-los, a OAB iniciou um ciclo de debates constitucionais para a propositura de uma nova Carta Magna. Teve, como parceiros, o Instituto dos Advogados de São Paulo, a Associação dos Advogados de São Paulo e o Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Muitas vezes, os caminhos foram bastante árduos. Mesmo ameaçada de perder a sua autonomia institucional, rejeitou propostas de emendas que violariam a Constituição de 1988. Foi além: lançou campanha em favor da ética e do voto consciente e manifestou-se favoravelmente ao impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello diante das denúncias de corrupção em seu governo. Em 1997, defendeu a ordem jurídica por meio de uma campanha contra o excesso de medidas provisórias editadas pelo governo Federal.
Ao constatar a distorção nas faculdades de Direito, assumiu o papel de agente transformador dentro da premissa de que se um país almeja ser forte precisa desenvolver individualmente os seus homens. Foi inflexível contra as forças que corroíam os pilares sobre os quais se assenta o Ensino do Direito, cuja face mais visível se mostrava nas instituições de baixo nível. A criação do exame da Ordem para os bacharéis foi uma iniciativa para privilegiar o conhecimento e valorizar a advocacia e o advogado. Restabeleceu o saudável orgulho que cada advogado deve sentir ao atingir a auto-realização no trabalho. É neste tipo de sentimento que reside o progresso de um país. A partir desta base, tem sido possível defender os valores que sustentam uma sociedade livre.
A OAB caminha para o futuro alicerçada em sua tradição e história, no denso livro que escreveu sobre seu passado. A chama de ontem se transforma no lume e na inspiração de hoje. Novas lutas se apresentam em novas trincheiras. E, novamente na vanguarda da defesa social, ergue as bandeiras da perseverança, da seriedade, da solidariedade e da coragem para superar as adversidades conjunturais que, de maneira cíclica, ameaçam os horizontes institucionais. Nossa Ordem continua imbuída da firme vontade de contribuir para o aperfeiçoamento contínuo do nosso sistema democrático, das instituições nacionais, da cidadania e do império do Direito.
Na comemoração de seus 80 anos, nossa certeza é a de que muitos caminhos ainda deverão ser trilhados. Como nos ensina Zaratustra, o profeta que Nietsche imortalizou: "mil caminhos existem, que ainda não foram palmilhados, mil saúdes e ocultas ilhas da vida. Ainda não esgotados nem descobertos continuam o homem e a terra dos homens".
Nossa crença é a de que a OAB continuará a defender seus compromissos junto ao país e à sociedade brasileira. Consciente de seu papel, pautado pela ética, pelo respeito aos códigos, pela moralização dos costumes políticos, pela maior igualdade entre as classes sociais, pela extinção dos bolsões de miséria, pela fraternidade entre os nossos irmãos brasileiros.
A história dos 80 anos da OAB é a própria história das lutas memoráveis da sociedade civil no século XX. Lutas de combate e resistência. Batalhas memoráveis pela defesa do Estado Democrático de Direito.
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*Advogado criminalista, mestre e doutor pela USP e presidente da OAB/SP
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